Após prever fracasso, imprensa internacional muda tom sobre Copa do Mundo no Brasil. Na véspera da Copa, meios de comunicação estrangeiros apostavam em um “caos” durante o evento
Após os protestos anti-Copa, as greves dos metroviários, dos motoristas de ônibus e dos policiais ao redor do país, um correspondente da Al Jazeera no Brasil escreveu no dia 1 de junho que “nada iria mudar radicalmente nos próximos 12 dias”. O prenúncio do desastre continuou sendo sustentado por veículos e agências internacionais, que mantiveram o tom apocalíptico até o primeiro batuque da abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão. Mas o tratamento mudou.
Para o New York Times, as premonições catastróficas deram lugar a “soluços menores” e o coro do pessimismo em escala mundial foi rapidamente substituído por uma grande euforia coletiva – fenômeno descrito pelo Le Monde como o “milagre brasileiro”.
Nos últimos meses, houve uma série de preocupações que permeou a imprensa internacional. Sobre a organização do evento, previa-se que os estádios não estariam prontos, os movimentos sociais “ameaçariam” o andamento dos jogos e os transportes estariam caóticos. Até a escassez de água em São Paulo foi motivo de apreensão para alguns veículos, enquanto outros questionavam o efeito das altas temperaturas da Amazônia e as suas consequências para os jogadores europeus.
Segundo o jornal alemão Frankfurter Allgemeine, o que os brasileiros estavam realmente ansiosos era por “um Brasil melhor”.
No dia 30 de maio, o próprio NYT lançou um vídeo com cenas que – segundo o jornal, são consideradas fortes – sobre a violência no Rio de Janeiro dias antes da Copa, colocando em xeque a insegurança da cidade em tom crítico e alarmista. No início daquele mesmo mês, as embaixadas de países como EUA, Alemanha, Reino Unido e Austrália enviaram guias sobre o Brasil para seus cidadãos que viajassem ao evento. Com foco na segurança, as cartilhas forneciam dicas de como “sobreviver” ao país tropical, trazendo alertas peculiares, como quanto às explosões em bueiros e cuidado com macacos e morcegos. Mas como esse pessimismo deu lugar à euforia?
Chamemos isso de “milagre brasileiro”, define o Le Monde ao longo de um texto escrito no último dia 21 de junho. Nele, o jornal francês reforça que a catástrofe anunciada não aconteceu.
Apesar de problemas logísticos e do atraso, o Brasil “organiza um Mundial à sua maneira: desordenado e simpático, despreocupado e receptivo”, define.
Na verdade, a análise dos correspondentes franceses segue a mesma linha de uma reportagem publicada pelo NYT quatro dias antes. Intitulada “As previsões do juízo final dão lugar a soluços menores no Brasil”, a matéria muda o tom negativo abordado anteriormente pelo veículo e reconhece que o funcionamento dos estádios e do transporte público merece uma avaliação positiva.
“Em geral, as condições para a maioria dos jogos têm sido excelentes. Em cidades como Natal e Salvador – onde os campos foram agredidos com chuva excepcionalmente fortes – foi comprovada a qualidade dos sistemas de drenagem. Em última análise, esta é a prioridade mais importante, pois são os jogos que geralmente definem o legado histórico de um evento”, afirma o correspondente do jornal norte-americano Sam Borden.
Para o jornalista, a Copa do Mundo tem problemas razoáveis para qualquer evento gigantesco. Exemplos não faltam para comprovar que não se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro. Borden relembra que nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, na Rússia, houve diversos atrasos e até falta de hotéis, que não ficaram prontos a tempo. No mesmo sentido, os Jogos de Verão de Atenas, em 2004, tiveram greves de trabalhadores e contratempos na infraestrutura. Deslizes aconteceram até mesmo no Parque Olímpico de Londres, que não estava pronto uma semana antes da cerimônia de abertura, em 2012. No ano passado, o próprio Superbowl atrasou quase uma hora em New Orleans em virtude de um apagão.
Em mudança de tom, a The Economist elogia os aeroportos brasileiros em reportagem publicada no último dia 18: apenas 6,5% dos vôos atrasaram no primeiro fim de semana de competição, bem abaixo dos 15% considerados aceitáveis pelos padrões internacionais, ressalta o veículo inglês. Apesar de citar as queixas da população sobre o gasto bilionário do evento, que devia ter sido melhor destinado a serviços públicos, a The Economist dá destaque a um entrevistado que estima que tais investimentos não teriam acontecido de qualquer maneira e fecha a reportagem com a frase: “Com a Copa do Mundo, pelo menos, há a festa”.
Na mesma linha, o correspondente Andy Hunter, do britânico Guardian, relata em um diário suas impressões positivas durante uma semana no país e diz estar apreciando sua viagem para o Brasil. Em Fortaleza, o jornalista inglês elogia as praias e questiona: “Como eu posso dizer isso sem dar ao meu chefe uma impressão errada?”. Em Cuiabá, Hunter revela ter se impressionado com a “paixão” dos brasileiros pelo futebol: “o fanatismo pela Seleção é extraordinário. Todos, independentemente da idade, sexo ou profissão, estão vestindo amarelo ou verde e estão reunidos por sua paixão para a equipe nacional”. Já em Brasília, o jornalista define o estádio Mané Garrincha como “magnífico”.
Apesar de já terem sido eliminados na primeira etapa do Mundial, os espanhóis do El Pais não focaram em expressões pejorativas ao Brasil como fizeram alguns veículos locais. Ao contrário, publicaram no último fim de semana a análise de uma jornalista brasileira residente em Madri que relembra os 50 anos do golpe militar e faz uma relação entre a importância do futebol de Sócrates na transição democrática, legitimando os movimentos sociais, sem exacerbar um tom alarmista sobre seus efeitos nos jogos.
Apesar de parte das críticas dos jornais internacionais terem tido fundamento, a histeria coletiva dos pessimistas só serviu para exportar o complexo de vira-lata do brasileiro. Contudo, uma coisa talvez seja certa: a baixa expectativa ajudou a surpreender na medida em que os jogos vão acontecendo e todo o alarmismo não passou de uma “marolinha”.
Opera Mundi