Nobel de literatura e um dos maiores nomes da intelectualidade do século XX, o argelino Albert Camus ficaria orgulhoso da seleção de seu país
“O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem eu devo ao futebol”, dizia Camus. Argelino de Mondovi, atual Dréan, o menino franzino sempre gostou de bola e era goleiro. Escritor, dramaturgo e jornalista, Albert Camus certamente teria orgulho de assistir a Copa do Mundo 2014 no Brasil. Por quais motivos? Pela classificação inédita da seleção da Argélia nas oitavas de final — e pelo protesto do craque Karim Benzema ao não cantar o hino da França por ter raízes muçulmanas e argelinas, assim como Zinédine Zidane.
Albert Camus era o que os franceses chamavam de “pied-noir”, um “pé preto”. Essa expressão significava que ele era um filho de europeus que viviam na colônia francesa da Argélia. Pobre, e cercado pela cultura dos árabes mesclada à dos brancos, se dedicou cedo aos estudos, obtendo um diploma de filosofia em Argel. O ensino universitário e a militância comunista foram seus passaportes para o jornalismo.
Como tinha tuberculose, nunca conseguiu levar a sério sua paixão pelo futebol, jogando apenas como lazer.
Na imprensa, conheceu e se tornou amigo do francês Jean-Paul Sartre. Com a ajuda do filósofo existencialista, passou a viver em Paris durante a Segunda Guerra Mundial, fazendo jornalismo engajado contra a Alemanha nazista.
Albert Camus publicou o romance “O Estrangeiro”, em 1942, falando sobre o absurdo, pensamento de que seres humanos cometem atos imperdoáveis quando estão na liberdade absoluta, desligados da história e de um passado ou de um futuro. Levou suas teses para explicar a Segunda Guerra Mundial e as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki.
O sucesso literário lhe rendeu um Nobel de Literatura em 1957 e desentendimentos filosóficos e ideológicos com Sartre nos jornais. Embora quem não conheça profundamente sua obra o considere um filósofo existencialista, Albert Camus dizia que não era um pensador, mas apenas um escritor da sua realidade de país pobre e, depois, sobre a França. Segundo ele, Jean-Paul Sartre era sim um filósofo por suas teorias originais sobre o ser. Mesmo dando créditos ao amigo, brigou quando Sartre apoiou a Revolução Chinesa, o stalinismo e Cuba.
Durante a Guerra de Independência da Argélia, Albert Camus não tomou partido da esquerda armada e das milícias que queriam a independência. Suas convicções pessoais, mais pacifistas, ficaram abaladas com os assassinatos sistemáticos de franceses e argelinos em sua terra natal. Foi criticado, duramente, por sua falta de ação na época. Os argelinos, embora tenham um Nobel na literatura, não reconhecem Camus por isso.
No entanto, foi venerado justamente por suas posturas originais dentro do pensamento de esquerda, sempre condenando as guerras e a violência promovidas pelo capitalismo, sobretudo na Alemanha nazista. Camus se transformou em um dos maiores nomes da intelectualidade do século 20, ao lado de seu ex-amigo Sartre. Morreu tragicamente em um acidente de carro em Villeblevin, perto de Paris, em 1960. Tinha 46 anos e optou pelo automóvel ao invés de tomar um trem. Uma decisão fatal.
Em 1949, Albert Camus viajou ao Brasil. Passou por Recife, pelo Rio de Janeiro e conheceu Manuel Bandeira, Otto Lara Resende, Otto Maria Carpeaux e Érico Veríssimo. Deu entrevista a Claudio Abramo no Estado de S. Paulo.
Registrou suas impressões em uma coletânea que foi lançada no Brasil com o nome “Diário de Viagem”. O que ele achou de nosso país? “O Brasil com sua fina armadura moderna, uma chapa metálica sobre esse imenso continente fervilhante de forças naturais e primitivas”.
As forças naturais e primitivas estão agora trabalhando pela seleção da Argélia.
Texto de Pedro Zambarda de Araujo: escritor, jornalista e blogueiro. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, estuda filosofia na FFLCH-USP | DCM