O que Aécio Neves não diz (ou ainda não disse) sobre o aeroporto de R$ 14 milhões em área de familiar
Aécio Neves (PSDB) ganhou a primeira bordoada da Folha de S. Paulo enquanto candidato a presidente no domingo (20). Na edição dessa segunda-feira (21), o periódico destina uma página inteira às explicações do tucano sobre a denúncia envolvendo a construção de um aeroporto de pequeno porte na cidade mineira de Cláudio. A obra é da época em que o Estado era comandado pelo presidenciável. Quase R$ 14 milhões foram gastos pelo poder público no equipamento localizado em terreno pertencente ao tio-avô de Aécio, Múcio Guimarães Tolentino.
Segundo revelou a Folha, são familiares de Aécio quem, na prática, comandam o entra e sai no aeroporto ainda não regularizado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O jornal da família Frias publicou uma segunda reportagem com a versão do candidato (“Aeroporto não beneficiou familiares, diz Aécio”), e proveu espaço extra para algo difícil de um alvo de reportagem escandalosa conseguir sem ter de recorrer à Justiça: a publicação da nota de esclarecimento de Aécio na íntegra.
Segundo a assessoria do mineiro, a reportagem-denúncia da Folha (“Governo de Minas fez aeroporto em terra de tio de Aécio”) contém “equívocos” dignos de lamentação e reparo. Mas a explicação de Aécio também. A começar pelo fato de o tucano afirmar que não houve, em seu governo, a construção de “um novo aeroporto na cidade de Cláudio”. “Como parte do programa Pro-Aéreo, o governo de Minas investiu em melhorias das condições da pista de pouso já existente no local”, diz a nota.
Ao contrário disso, há evidências de que o que se deu, na verdade, foi a construção de um aeroporto num município de 25 mil habitantes, que hoje é utilizado para pouso de aviões particulares e eventos de aeromodelismo (veja vídeo). Um dos indícios é o edital do Departamento de Obras Públicas (Deop) de Minas Gerais, que aponta que a licitação aberta pelo Estado mineiro tinha como finalidade a “construção do aeroporto de Cláudio”. A publicação da homologação aconteceu em 2008:
Publicação do Diário do Comércio, de janeiro de 2009, afirma que o Deop havia autorizado, na época, “o início das obras de reforma e melhoramentos em oito aeroportos do interior do Estado, além do início da construção do terminal aeroportuário de Claúdio”. No total, R$ 70 milhões em investimentos foram anunciados pelo governo de Minas à imprensa.
“Em Cláudio está prevista a construção total do aeroporto, com pista de mil metros por 30 de largura, taxi way, estacionamento de aeronaves, terminal de passageiros, equipamentos para operação 24 horas e alambrado cercando a área patrimonial. Na pista poderão pousar aeronaves com capacidade para transportar até 50 passageiros”, diz o jornal. O veículo também publicou mais detalhes sobre o Pro-Aéreo (leia a íntegra aqui).
O Google Street View também fornece registro de área próxima ao aeroporto, que data de 2011, onde havia sido instalado um painel publicitário (já em ruínas) noticiando o investimento. A obra, de acordo com a Folha, foi concluída em 2010, mas nunca foi inaugurada. Aécio não comentou os motivos.
Segundo a assessoria do tucano, a manchete de capa da Folha comete um erro ao afirmar que o terreno do aeroporto é de um parente de Aécio. “Não foi feita nenhuma obra na fazenda de familiares”. A área foi desapropriada antes pelo Estado. Inclusive, “o antigo proprietário da área não concordou com a desapropriação e contesta suas bases na justiça. Até hoje ele não recebeu nenhum centavo”. O valor da indenização pago em conta judicial ao tio-avô de Aécio pela desapropriação gira em torno de R$ 1 milhão, sustenta o jornal. A família de Aécio tenta, pelas vias legais, um valor maior. Esse pagamento, na visão do grupo de Aécio, entretanto, não configura nenhum “favorecimento” aos membros da Família Neves.
Aécio ainda reforça que o investimento no aeroporto faz parte do pacote de melhorias em outros equipamentos do tipo espalhados por Minas Gerais, o chamado Pro-Aéro. Segundo o tucano, o aeroporto de Cláudio foi obra da gestão do avô Tancredo Neves, em 1983. O pedido para regularização junto à Anac foi enviado ainda em 2011. A Agência afirma que faltam documentos.
Sem comentários
Aécio também não rebateu a Folha no tocante às chaves do aeroporto. Segundo o jornal, um repórter foi enviado à Prefeitura de Cláudio, com a identidade profissional em segredo, alegando que gostaria de utilizar o equipamento. Soube pelo chefe de gabinete do Paço, José Vicente de Barros, que os interessados no aeroporto precisavam se reportar à Fernando Tolentino, filho de Múcio. O primo de Aécio disse à Folha, por sua vez, que o presidenciável sempre usa a pista de pouso quando visita a cidade onde passou a infância. Aécio não entrou em detalhes sobre o assunto.
O candidato ainda afirmou que o local do aeroporto foi escolhido por critérios técnicos, jogando a responsabilidade, indiretamente, sobre o primeiro escalão de seu antigo governo. Mas não entrou no mérito de o equipamento ter sido fixado em uma cidade que fica a poucos quilômetros de dois outros municípios populosos e com aeroportos também reformados pelo Estado: Divinópolis e Oliveira.
O candidato à Presidência também destacou que vários outros aeroportos de pequeno e médio porte receberam investimentos do governo estadual, mas tangenciou o fato de, aparentemente, ser prática de longa data a instalação desse tipo de aparelho, de uso quase que privado, nas proximidades de terras pertencentes a políticos poderosos.
É o caso das incontáveis fazendas – uma delas, a Veredão, com pista própria de pouso – do empresário Newton Cardoso (PMDB), ex-deputado federal e governador de Minas entre 1987 e 1991.
O também ex-governador mineiro Helio Garcia, que assumiu o Palácio da Liberdade pela primeira vez em 1987, em substituição a Tancredo Neves, possui patrimônio com pelo menos sete fazendas interligadas (alvo de disputa entre os herdeiros), sendo uma conhecida, a Fazenda Santa Clara, em Santo Antônio do Amparo. O município sedia o Aeroporto Julio Garcia. O espaço também é utilizado para shows de aeromodelismo, alguns patrocinados pela Prefeitura em época de festividades.
No caso da cidade de Cláudio, o aeroporto fica a 6 quilômetros da Fazenda da Mata, propriedade da família de Aécio, e à distância ainda mais inferior da Fazenda Santa Izabel, do tio-avô do presidenciável. Mata, segundo a assessoria do postulante à Presidência, está no espólio de Risoleta Neves, avó de Aécio, e pertence, portanto, aos três filhos dela.
Cíntia Alves, GGN