Escuta telefônica mostra relação íntima entre chefe de bando de cambistas e irmão de Ronaldinho. Ex-jogadores da seleção brasileira e outras personalidades também conviviam com Mohamadou Lamine
O homem apontado como o chefão de quadrilha internacional acusada de desviar e vender ingressos de jogos nas últimas quatro Copas do Mundo — através de ligação com a Fifa, entidade organizadora do evento — também tinha contatos com ex-jogadores da seleção brasileira e pessoas ligadas ao futebol. O francês de origem argelina Mohamadou Lamine Fofana, de 57 anos, que mora em Dubai e tem escritório na Suíça, foi preso nesta terça-feira com outras dez pessoas acusadas de integrar o grupo, responsável por uma movimentação financeira de até R$ 200 milhões por Mundial. Escuta telefônica autorizada mostrou Lamine negociando ingressos com Roberto de Assis Moreira, irmão e empresário de Ronaldinho Gaúcho, camisa 10 do Atlético Mineiro.
O teor da conversa de cinco minutos, registrada no dia 17 de junho, deixa evidente a participação e a importância de Lamine no esquema. Assis liga para saber se o argelino teria recebido uma ligação de um grupo de amigos dele, que queriam ingressos para assistir aos jogos da Copa. E Lamine esnoba: “Eu tenho (ingressos) VIPs. Tenho muitos VIPs. Não tenho categoria 3”.
Assis ainda mostra a relação de intimidade com Lamine ao revelar uma negociação em andamento de transferência de Ronaldinho Gaúcho do Atlético-MG para o exterior, por 10 milhões de euros ao ano. Na conversa, Lamine convida o empresário para participar de uma festa em uma cobertura da Lagoa para assistir o jogo entre França e Equador, que ocorreu na semana passada. E diz ter convidado ex-jogadores da seleção brasileira, tricampeões mundiais na Copa de 1970, como Jairzinho, Gerson e Rivelino.
Segundo a investigação de três meses, feita em parceria entre a 9ª Promotoria de Investigação Penal (PIP) e a 18ª DP (Praça da Bandeira), o argelino gastou R$ 9 mil apenas em uísque durante a festa, que também contou com a participação de Dunga, o capitão do tetra e técnico do Brasil na Copa de 2010
“Fica claro que essa quadrilha tinha contatos com a Fifa. Eles tinham todos os tipos de ingressos e livre acesso a todos os eventos privados da entidade”, disse o promotor Marcos Kac, da 9ª PIP.
De acordo com a investigação, a quadrilha planejava vender ingressos para a decisão da Copa por até R$ 35 mil. A partida será disputada no dia 13 de julho, no Maracanã. Os suspeitos foram indiciados pelos crimes de cambismo, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
TRECHOS DE GRAVAÇÕES
Assis : Meus amigos te ligaram. Você não tinha mais ingressos?
Lamine: Dois amigos seus me ligaram e tivemos um pequeno problema. Ele me ligou e 15 dias depois achou que o ingresso era o mesmo. E eu não sou cambista.
Assis: Risos. Claro! Ele me perguntou e eu disse: ‘Escuta, eu tenho um amigo que tem seu preço, sua maneira, … Fala com ele porque eu também não sou cambista. Risos.
Lamine: Eu tenho vip. Tenho muitos vips. Não tenho categoria 3 (…) Onde você está, no Rio?
Assis: Não, … Porto Alegre.
Lamine: E quando você vem ao Rio?
Assis: Escuta, estou indo para a China amanhã…
Lamine: (pergunta algo como que eles vão fazer lá).
Assis: O Atlético Mineiro tem quatro partidas lá.
Lamine: Ah, tá.
Assis: Então eu parto a trabalho por 15 dias, depois retorno no início de julho.
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Lamine: (Sobre festa dia 25 em cobertura na Lagoa para assistirem França x Equador).
Lamine: Eu convidei a Seleção do Brasil de 1970: Gerson, Rivelino, Paulo Cesar, Jairzinho…
Trecho incompreensível. Lamine: Convidei Carlos Mozer para assistir Argentina e Bósnia.
Assis: Além de tudo eles foram excluídos do Mundial A CBF não se importa com eles. (…)
Lamine: Você vai voltar dia 25, não é? Quando você chega?
Assis: Você vai ficar este mês aí?
Lamine: Até o final da Copa do Mundo. Até dia 14.
Assis: Estou em vista de algo. Estou com a possibilidade de mandar meu irmão para fora. Tem a chance de (áudio incompreensível) ou qualquer coisa como Qatar com meus amigos de lá. A gente quer sair por pelo menos 10 milhões por temporada.
Lamine: Por quanto?
Assis: 10 milhões. Já vi que este ano eles vão colocar como teto 10 milhões, 10 milhões e meio. E além disso, ainda tem a transferência.
Lamine: Deixa eu falar com o Kalifa Mohamed de Qatar e Mohamed de Dubai e retorno.
Assis: Ok. Eu aguardo.
Suspeita sobre funcionário
As entradas obtidas pela quadrilha eram desviadas da própria Fifa, o que leva a polícia a acreditar que algum funcionário da federação internacional está envolvido no esquema. Os bilhetes vendidos eram cortesias destinadas a patrocinadores, ONGs e até mesmo comissões técnicas e familiares de jogadores.
“Eles conseguiram lotes de ingressos para todas os jogos, o que dava lucro de R$ 500 mil a R$ 700 mil. Comprovamos a participação de outros sete integrantes na quadrilha que ainda faltam ser identificados”, disse o delegado Fábio Barucke, da 18ª DP.
A quadrilha começou a ser investigada após Antônio Henrique de Paula Jorge, dono de agência de turismo em Copacabana, ter lhes oferecido ingressos com valor bem acima dos vendidos pela Fifa. Outras duas agências de turismo foram acusadas de participar do esquema. Acusadas dos crimes de cambismo e lavagem de dinheiro, as três agências foram interditadas.
Mohamadou foi preso em condomínio na Barra da Tijuca, onde alugou apartamento para a Copa. Existe a suspeita de que o francês organizou a quadrilha, que agiu nos Mundiais do Japão e Coreia do Sul, em 2002, Alemanha, em 2006, e África do Sul, em 2010.
Um dos presos trabalha para três seleções, que não foram divulgadas, e tinha direito a 50 entradas por partida. Cada uma era vendida por 1.000 euros — aproximadamente R$ 3 mil. As contas bancárias de todos os envolvidos foram bloqueadas pela Justiça
Fifa não irá se pronunciar
O departamento de imprensa da Fifa informou que não irá se pronunciar pois não foi informada oficialmente sobre o assunto pelas autoridades locais.Todos os envolvidos no esquema estão com prisão temporária decretada, com cinco dias de duração. Na próxima segunda-feira, o delegado irá pedir a prisão preventiva dos envolvidos, com prorrogação para 30 dias. Os suspeitos estão presos no complexo de presídios de Bangu.
Em Copacabana, dois americanos e uma italiana, sem qualquer relação com a quadrilha chefiada pelo francês Mohamadou Lamine Fofana, também foram presos por vender ingressos para a Copa em um hotel do bairro. Eles acabaram flagrados, enquanto entregavam os bilhetes para um cliente.
Os valores variavam entre R$ 8 mil e R$ 15 mil, dependendo da fase da competição no Brasil