Um cadeado de R$ 14 milhões e uma população assustada. Sem acesso a voos, moradores da cidade de Cláudio benzem automóveis e silenciam sobre aeroporto de Aécio
Por Lúcia Rodrigues, de Cláudio, para Viomundo, com blog Divinews
Um aeroporto trancado com cadeado e pessoas com medo de comentar o assunto. Este foi o cenário que encontrei neste final de semana em Cláudio, município mineiro onde o senador e candidato à Presidência da República, Aécio Neves (PSDB), transformou uma pista de terra em aeroporto, por cerca de R$ 14 milhões, quando ainda era governador do Estado.
A obra chama a atenção por vários motivos. Além de ter sido construída com recursos públicos no terreno que pertencia a seu tio-avô Múcio Guimarães Tolentino, ex-prefeito de Cláudio, a região concentra terras de outros familiares do tucano. O próprio Aécio tem uma casa em uma das fazendas da família, localizada a aproximadamente seis quilômetros de distância da pista.
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O mais estranho é que o “aeroporto” não possui qualquer tipo de infraestrutura.
Não há torre de controle, nem hangares; apenas postes de iluminação e algumas tendas de plástico, além de uma construção em alvenaria.
Legalmente o aeroporto ainda não pode operar. A Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, ainda não emitiu autorização para que aeronaves pousem na pista, embora vez por outra jatinhos desçam em Cláudio.
Por causa do descontrole, é impossível determinar quem usa a pista ou as mercadorias embarcadas ou desembarcadas.
De acordo com fontes ouvidas por Viomundo, Aécio é um dos poucos que pousam ali, quando vai descansar na casa da fazenda.
Apenas um empresário da cidade possui aeronave, mas o avião fica estacionado no hangar do aeroporto de Divinópolis, distante 50 quilômetros de Cláudio.
Este é outro ponto que causa questionamento. A pista de Divinópolis, de cerca de 1.500 metros, serve a uma cidade de 200 mil habitantes; a de Cláudio, que ficou pronta em 2010, tem 1 mil metros e deveria servir a uma cidade de apenas 30 mil habitantes.
Pista privada
O aeroporto de Cláudio inexiste para os demais moradores da cidade. Se dependesse das placas de sinalização na via que dá acesso à pista, ninguém saberia que ali foi construído um aeródromo.
Na entrada, também não há qualquer tipo de identificação informando sobre o aeroporto, apenas uma placa envelhecida onde mal se consegue ler que o acesso é proibido.
Alguns trechos da estrada que ladeiam a pista têm mato alto e árvores que impedem qualquer visão da área.
Um portão enferrujado, cerrado com uma corrente de ferro e um pequeno cadeado são as únicas proteções que impedem o acesso ao local.
Tudo é precário e amador, menos o significativo investimento financeiro na obra.
O senador Aécio Neves usa como um dos motes de sua campanha ao Planalto o “choque de gestão” que teria saneado as contas públicas de Minas Gerais. Aliados sugerem que o neto de Tancredo Neves teria melhor capacidade de gerência dos bens públicos que seus concorrentes.
Medo e censura
Depois das denúncias sobre o aeroporto, a população de Cláudio ficou ressabiada. Ninguém se dispõe a falar abertamente sobre o tema.
Moradores, políticos, comerciantes e empresários da região não verbalizam, mas deixam transparecer que temem algum tipo de retaliação se forem identificados comentando o assunto.
O controle político exercido pela família Neves na região é grande. O próprio tio avô de Aécio, Múcio, já foi prefeito da cidade.
Para os que ouvimos sob condição de manter o anonimato, o aeroporto foi construído para privilegiar Aécio e sua família, que agora podem pousar ao lado de suas propriedades.
Se os moradores se informarem apenas pelo noticiário local, terão dificuldade em saber detalhes sobre a construção e uso do aeroporto. A denúncia da Folha de S. Paulo, repercutida depois por outros meios e blogs, praticamente não apareceu na mídia local, regional ou estadual.
O blecaute é atribuído ao controle de Aécio sobre a mídia mineira, que adversários políticos afirmam ser exercido pela irmã do candidato, Andrea.
Cochichos na janela
A família de Aécio também não gosta de comentar o assunto. Tentamos sem sucesso entrevistar Múcio Tolentino.
Uma fonte ligada à família informou que o tio-avô de Aécio estava na casa de sua ex-mulher, no centro da cidade.
Apesar de três carros na garagem e de nossa insistência, ninguém atendeu ao chamamento.
Todas as janelas da residência estavam fechadas. Mesmo assim era possível ouvir vozes em tom baixo do outro lado das venezianas.
Além de proprietário da área desapropriada para a construção da pista, Múcio também é apontado como o responsável pelo controle da chave do portão do aeroporto. Quem quer voar, precisa pedir autorização.
Apesar de funcionar regularmente, o aeroporto da vizinha Divinópolis também exibe deficiências.
Não tem torre de controle, nem segurança no embarque ou desembarque.
Segundo fontes, pelo menos uma vez, no meio da madrugada, o piloto que trazia Aécio Neves ligou para o aeroporto pedindo que as luzes da pista fossem acessas para que o avião pudesse pousar.
Coreto e procissão
Apesar da cidade ocupar as manchetes, a vida da maioria dos moradores de Cláudio ainda passa em câmera lenta. Município tipicamente interiorano, não lembra em nada uma cidade que necessite intensificar o tráfego aéreo, apesar de a região reunir indústrias de fundição e metalurgia.
A praça da matriz, a principal da cidade, tem até coreto e as ruas do entorno estão quase sempre desertas.
O último domingo foi atípico. A procissão da igreja católica, para benzer os automóveis da região, mobilizou moradores e agitou a cidade. A benção marcou a homenagem a São Cristovão, protetor dos motoristas.
Logo de manhã, um comboio de caminhões e carros, com as buzinas acionadas, cortou as ruas do centro. Depois, seguiu pela estrada, onde os veículos receberam a benção.
Faz sentido. Sem possibilidade de usar o aeroporto, os moradores de Cláudio que pretendem viajar a Belo Horizonte, a 140 quilômetros de distância, o fazem numa rodovia onde há trechos de pista única e curvas muito perigosas.
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