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Não foi Aécio, foi Minas

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“Minas” não pratica atos de ofício, “Minas” não assina autorização para obras com ou sem licitação. Quem assina é o governante, e o governante é agora candidato a presidente da República

Os leitores da Folha de S. Paulo foram surpreendidos no domingo (20/7) por um ataque indireto ao senador Aécio Neves, candidato do PSDB a presidente da República. “Minas fez aeroporto em fazenda de tio de Aécio”, dizia a manchete do diário paulista. No texto logo abaixo, o jornal conta que, quando governador, em 2010, Aécio mandou construir, com dinheiro público, um aeroporto na fazenda de um tio, que o senador usa regularmente para visitar uma propriedade da família.

A obra custou R$ 14 milhões e só serve à família do senador ou a aeronaves que ela autoriza, pois o governo de Minas nunca entregou à ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, os papéis necessários à sua homologação. Portanto, objetivamente, a instalação segue sendo uma obra privada feita com dinheiro público.

Na mesma edição e em texto de tamanho proporcional à reportagem que faz a denúncia, a assessoria do senador responde que a escolha do local levou em conta apenas aspectos técnicos, não considerando que a propriedade do imóvel favorecia diretamente o então governador.

VEJA TAMBÉM: A verdade sobre o aeroporto de Aécio construído com dinheiro público

O Estado de S. Paulo reproduziu no mesmo dia a denúncia da Folha, em um texto mais curto, incluindo a defesa de Aécio Neves, acrescentando que no local havia uma pista construída em 1983 por seu avô, Tancredo Neves, quando era governador do Estado. Ou seja, a família se beneficia das instalações há mais de trinta anos, agora modernizadas com recursos do Estado. Ou há outra interpretação para a sequência de notícias?

Na segunda-feira (21), os dois jornais paulistas voltam ao assunto, para oferecer um amplo espaço à defesa do candidato tucano, e o Globo entra na história, publicando com destaque a justificativa de Aécio Neves, sem ter publicado antes a denúncia.

O conjunto do noticiário serve de modelo para o leitor entender o estilo que deverá marcar a imprensa hegemônica até o fim da campanha eleitoral: para amenizar as suspeitas de que tende para um dos lados da disputa, dá-se, como se dizia antigamente, uma no cravo, outra na ferradura.

Aeroporto particular

O cuidado em amenizar o efeito da reportagem diz muito sobre a atenção que a imprensa dedica ao seu candidato preferencial. Diante de um fato que induz claramente à conclusão de que a família Neves transformou um antigo campo de pouso em aeroporto particular com dinheiro público, e que a decisão de tocar a obra foi feita pelo então governador Aécio Neves, qual é a alternativa?

Já que não se pode esconder o fato, cria-se na própria denúncia a condição propícia à defesa. A começar pelos títulos: tanto na Folha como no Estado, não foi o então governador quem autorizou o uso de dinheiro público no interesse da própria família: foi “Minas”. Ora, “Minas” não pratica atos de ofício, “Minas” não assina autorização para obras com ou sem licitação. Quem assina é o governante, e o governante é agora candidato a presidente da República.

Alguém imagina uma manchete do tipo “Brasil propõe regulamentação de Conselhos Sociais?” Não: em condições normais de relativa autonomia, os jornais personalizam os atos oficiais.

De que, então, tratava a manchete da Folha no domingo? Tratava do cuidado mínimo que o jornal precisa dedicar à cobertura da disputa eleitoral, porque o engajamento permanente e descarado em uma ou outra candidatura pode prejudicar outros interesses da própria empresa que edita o diário. Por exemplo, se o público desenvolver a convicção de que a Folha apoia explicitamente uma candidatura em detrimento das outras, quanta confiança será depositada em futuras pesquisas do Datafolha?

Então, se determinado fato não pode deixar de ser publicado, porque a omissão colocaria em risco a credibilidade do jornal, dá-se um jeito de preservar no que for possível a reputação do candidato acusado.

Em nenhuma outra ocasião, nos muitos escândalos que a imprensa reportou nos últimos anos, a autoria foi desviada do personagem central para a figura diáfana do Estado. Apenas como referência, no caso que tinha como acusado o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, não se leu nos jornais que “Brasília é condenada por improbidade administrativa”.

Mas no caso do aeroporto privado feito com dinheiro público, não foi o então governador quem cometeu o malfeito: foi “Minas”.

Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa