Redação Pragmatismo
Religião 22/Jul/2014 às 18:39 COMENTÁRIOS
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Por que a censura à fala do personagem de Wag­ner Moura?

Publicado em 22 Jul, 2014 às 18h39

A fala censurada de Wagner Moura repete o que já está dito por outros artistas, como Chico Buarque em Subúrbio; Zélia Duncan em Braços Cruzados; e Cazuza em Um Trem Para as Estrelas

Frei Betto

Por que a fala do personagem do Wag­ner seria ofensiva? A meu ver, ela não ofende Jesus; ao contrário, reconhece que a imagem em placas de pedra-sabão é expressão da presença invisível dele, a quem se dirige inconformado.

Encaro a fala do personagem como a do salmista que protesta contra Javé, acusando-o de indiferença e omissão: “Ó Deus, não fiques calado, não fiques mudo e inerte, ó Deus!” (Salmo 83). “Por que me rejeitas, Javé, e escondes tua face lon­ge de mim?” (Salmo 88).

O personagem de Wagner Moura, ma­goado porque Cristo não atendeu às pre­ces concernentes à sua relação com a personagem Clara, suplica que o Reden­tor saia de sua imobilidade pétrea e vá “lá embaixo” e interfira para que haja mais amor, a polícia não atue como assassina, evite as inundações que afogam vidas, propicie escolas a todas as crianças.

Na fala de Wagner, há uma crítica teo­lógica pertinente: é um erro, nós cristãos, esperarmos que Deus atue em nosso lu­gar. Oramos para que ele nos infunde fé, esperança e amor, para que sejamos ca­pazes de agir como Jesus agiu, conforme descrevem os evangelhos.

Deus jamais é tapa-buraco de nossa omissão. Ele age através de nós, que so­mos seus “templos vivos”, segundo Paulo na Carta aos Coríntios (3, 16-17). Sonho com uma Igreja que censure, sim, gover­nos e poderosos que, por suas decisões, apoiam policiais torturadores e assassi­nos, sonegam educação de qualidade às crianças pobres, e condenam milhares de “templos vivos” à miséria, à exclusão, a uma vida ingrata e infeliz.

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Uma criação artística não deve sofrer censura, exceto a que procede do gosto do público.

Equivoca-se quem sobe ao Corcovado na expectativa de encontrar Cristo. Ele não está naquele bloco de granito. Está “lá embaixo”, e quem “não tem amor” ja­mais será capaz de encontrá-lo onde ele mesmo disse estar: em quem tem fome, sede, está enfermo, é imigrante ou caren­te de bens tão essenciais como a roupa do corpo (Mateus 25, 31-46).

O Antigo Testamento relata como os hebreus insistiam em adorar Javé atra­vés da veneração a um bezerro de ouro ou um frondoso carvalho. Procedimento sempre condenado pelos profetas como idólatra. Será que Deus exigia dos he­breus um alto grau de abstração, a pon­to de prescindirem de qualquer refe­rência sensível ao prestar-lhe culto? Ao contrário, Javé queria apenas que eles o vissem no próximo, no ser humano cria­do à sua “imagem e semelhança”.

O Cristo Redentor é um monumento público, como a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel. Embora seja patrimô­nio da arquidiocese, é símbolo da Cida­de Maravilhosa e foi eleito uma das se­te maravilhas do mundo moderno. Seu valor simbólico ultrapassa-lhe o esta­tuto patrimonial. Tombado desde 1937 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é também considerado pela UNESCO patrimônio mundial, por se situar no Rio, eleita, em 2012, primeira cidade Patrimônio Cul­tural da Humanidade.

A fala censurada repete, em outras palavras, o que já está dito por outros artistas, como Chico Buarque em Su­búrbio (“Lá tem Jesus / E está de cos­tas”); Zélia Duncan em Braços cruza­dos (“Eu quero menos abandono, mais cuidado / Cristo Redentor / Eu vi seus braços cruzados, tudo é ilusão”); e Cazuza em Um trem para as estrelas (“Depois dos navios negreiros / Outras correntezas / Estranho o teu Cristo, Rio / Que olha tão longe, além / Com os braços sempre abertos / Mas sem proteger ninguém”).

O papa Bento XVI, ao visitar Auschwitz em abril de 2010, exclamou: “Por que, Senhor, permaneceste em silêncio? Onde estava Deus nesses dias?” O próprio Je­sus se queixou de Deus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mar­cos 15, 34).

Queixar-se a Deus é uma forma de oração.

(Atualização)

Arquidiocese libera imagem do Cristo no episódio de José Padilha em ‘Rio, eu te amo’. Segmento traz personagem de Wagner Moura reclamando com a estátua, durante voo de asa delta. Padilha comemora decisão.

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