Entidade que promoveu 'desafio do balde de gelo' aguarda doações dos famosos
Entidade que promoveu a campanha ainda aguarda doações dos famosos. No Brasil, fala-se mais nos artistas que na doença. A solidariedade deu lugar à autopromoção?
Lara Ely, Zero Hora
Nos últimos dias, a internet foi inundada por vídeos de celebridades mundiais despejando baldes e mais baldes de água e gelo sobre a própria cabeça. À medida que a iniciativa ganhava repercussão, a adesão de famosos e assemelhados — cada vez com menos roupa — avançava exponencialmente. Atletas, cantores, atrizes, modelos e apresentadores — ninguém quis perder a chance de surfar na onda.
A justificativa para o banho gelado era levantar fundos para os pacientes de uma enfermidade rara, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), mas se falou mais nos artistas do que na doença. Nesta semana, quando os meios artístico, futebolístico e televisivo brasileiro embarcaram em peso na campanha (muitas vezes sem qualquer referência à doença nos vídeos), começou a haver também uma reação contrária, a de chutar o balde de gelo e questionar: afinal, a ideia é ser solidário ou se exibir?
Os adeptos da primeira hipótese lembram que os vídeos com figuras do quilate de Mark Zuckerberg, Bill Gates e Lady Gaga geraram doações de US$ 15 milhões em poucas semanas. Além disso, observam que nunca tanta atenção foi direcionada à ELA. Esse argumento é menos convincente no Brasil, onde famosos como Gisele Bündchen, Luciano Huck, o onipresente Neymar e uma série de mulheres esculpidas por cirurgiões plásticos exibiram-se sob baldes, mas propiciaram arrecadação de apenas R$ 300 na conta de uma das entidadee que auxilia os pacientes.
Quem analisa a febre dos baldes com um olhar mais duro diz que as aparições inusitadas de famosos joga luz sobre eles, mas coloca a causa que deveria ser defendida na sombra. O motivo para isso pode ter sido uma falha de estratégia, na avaliação do especialista em marketing digital Paulo Kendzerski, da WBI Brasil.
— Faltou vinculação a um conteúdo. O resultado é que a maioria das notícias está falando sobre os artistas e pouco sobre a doença — avalia.
Nem todos são comedidos na crítica. O jornalista André Forastieri preferiu publicar um texto que vai na jugular:
“Ver os vídeos dá desgosto com a espécie humana. É o máximo de narcisismo posando de desprendimento. Claro que tem gente que se molha e doa os cem dólares. (…) E claríssimo que é uma maneira dos famosos se promoverem e posarem de caridosos e preocupados com quem sofre. (…) Transformar desgraça alheia em diversão de internet é idiota e imoral.”
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Não é de hoje que a internet é usada para amplificar a imagem das celebridades. A pesquisadora em comunicação digital Adriana Amaral diz que o interesse pelas celebridades sempre moveu os usuários das redes, o que deixou as assessorias mais atentas para explorar o filão.
— Esse tipo de ação funciona mais pela ideia de proximidade com os famosos do que para esclarecimento sobre uma doença. Alguns famosos aderem mais para aparecer do que para ajudar — diz.
Diretora-executiva do Instituto Paulo Gontijo, promotor da ação, Silvia Tortorella contatou celebridades e suas assessorias, convidando a participar. Depois, a brincadeira fluiu por conta da provocação. Mesmo que a verba arrecadada não tenha sido satisfatória ela tem esperança:
— Foi bacana, mas está funcionando pouco. O dinheiro não entrou. Mas acho que demora para compensar, né? Ou as pessoas não tinham o número da conta.
Diagnóstico é banho de água fria no paciente
Assim como nos vídeos dos famosos, ser diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica é, para o paciente, uma espécie de “banho de água fria”. Da mesma forma que o Alzheimer ou o Parkinson, a ELA é uma doença degenerativa do sistema nervoso que não apresenta cura e tem quadro irreversível. Felizmente, é uma enfermidade pouco comum: afeta 1,5 em cada 100 mil pessoas.
A degeneração dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal limitam os movimentos de pés, mãos e músculos usados para deglutir, falar e respirar. Em estágios mais avançados, pode até paralisar os olhos. Além disso, não há, atualmente, um tratamento capaz de retardar ou barrar completamente o avanço da doença. O que existem são medicamentos usados para controlar os sintomas da condição, oferecendo maior independência aos pacientes e prolongando a sobrevida.
— As informações sobre a ELA ainda são pouco disseminadas no Brasil. O desafio do balde é uma brincadeira que visa a conscientização e a colaboração da sociedade. Quanto maior a participação com doações, melhores as chances de tratamento dos pacientes — diz Silvia Tortorella, do Instituto Paulo Gontijo.
Tudo começa pelos sinais de fraqueza muscular, como quedas e perda brusca da força e da velocidade. Outros sintomas são tremores musculares, cãibras, reflexos exaltados, atrofia e diminuição da sensibilidade. A fala enrolada e lenta também é comum. Mas o diagnóstico é demorado: como a doença ainda é pouco conhecida por aqui, há muitos que morrem sem saber que têm a enfermidade.
Por isso, no Brasil, instituições como o Instituto Paulo Gontijo, Pró-Cura e Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela) foram criadas para promover campanhas e estudos sobre a doença. Mantidas por doações, as entidades atuam em parceria com entidades internacionais, como a ALS Association, que promoveu a ação nos Estados Unidos.
Como doar?
Acesse os seguintes sites para informações sobre doações:
1. www.abrela.org.br
2. www.procuradaela.com.br
Razão Social: Associação Pró-Cura da Esclerose Amiotrófica Lateral.
Banco Bradesco (237). CNPJ: 18.989.225/001-88
Agência: 2962-9 Conta Corrente: 2988-2