O piquenique que ajudou a derrubar o muro de Berlim, 25 anos atrás
Conheça seis fatos sobre o piquenique que, 25 anos atrás, ajudou a derrubar o Muro de Berlim e foi responsável pela fuga de mais de 600 alemães orientais
Rafael Targino, Opera Mundi
Muito se diz que a queda do Muro de Berlim é o principal fato que levou ao fim do bloco comunista do leste da Europa. Porém, poucos lembram que, em 19 de agosto de 1989, um piquenique entre Áustria e Hungria – com cerveja, vinho e goulash – foi o que abriu o caminho para o final do “Muro da Vergonha”.
Conheça seis fatos sobre o “Piquenique Pan-Europeu”, primeira fuga em massa (patrocinada, de certa forma, por húngaros e austríacos) de alemães orientais para fora da Cortina de Ferro:
1. Sem dinheiro, Hungria resolveu abrir a fronteira
A Hungria entrou o ano de 1989 com um governo reformista recém-empossado e disposto a testar os limites do então líder soviético, Mikhail Gorbachev: até que ponto a nova doutrina não intervencionista da União Soviética chegaria?
Em junho de 1989, os húngaros decidiram cortar as grades da fronteira que os separavam da Áustria, literalmente abrindo um buraco na Cortina de Ferro. Munidos de alicates, os então ministros de Relações Exteriores Gyula Horn (Hungria) e Alois Mock (Áustria) cortaram, simbolicamente, o aço da barreira.
Mas, mais do que propriamente um “teste” para Gorbachev, o corte do alambrado aconteceu por motivos mais “pragmáticos”: trocar e manter a grade era muito caro. Assim, os 246 km de aço foram sendo, aos poucos, desmontados (e, inclusive, distribuídos a quem se interessasse).
2. Havia a impressão de que “algo ia acontecer”
Se para os alemães orientais uma viagem de férias para a Alemanha Ocidental era um sonho distante e até perigoso ( o pedido de autorização levantava suspeitas da Stasi, a polícia secreta do leste), ir para outros países do bloco comunista não era tão complicado. A Hungria, por isso, era um dos principais destinos no verão.
Em 1989, porém, muitos alemães orientais simplesmente não voltaram para casa. Cientes da abertura da fronteira, eles foram ficando, mesmo com os vistos vencidos. Com a divulgação (feita pelo próprio governo húngaro, com panfletos em alemão e magiar) do piquenique, e sabendo que seria possível atravessar a fronteira a pé, muitos viram a oportunidade de fugir para o outro lado da Cortina de Ferro.
Não há um cálculo oficial, mas o governo estimava em “dezenas de milhares” o número de pessoas na Hungria “esperando” que “algo” acontecesse. Muitos deles entraram na embaixada da Alemanha Ocidental em Budapeste pedindo refúgio.
3. Ida para a Áustria, sem volta
A ideia do piquenique era encampada pelo dirigente comunista húngaro Imre Poszgay e pelo presidente da União Pan-Europeia, Otto von Habsburg (herdeiro da dinastia dos Habsburgos). A ideia dos dois era “celebrar” o fim da fronteira de aço e, eventualmente, deixar que, quem quisesse, pudesse “conhecer melhor” (sem a necessidade de voltar, claro) o lado austríaco. E, por sua vez, a Alemanha Ocidental tinha total conhecimento dos planos.
O piquenique estava marcado para as 15h, exatamente no portão que marcava a fronteira entre os dois países.
Por pouco, no entanto, o plano não dá errado: três minutos antes, a multidão de alemães orientais que estava no local forçou a entrada e conseguiu passar. Os guardas do local, orientados a reagir bovinamente diante do fato, deixaram as pessoas passarem. De acordo com o Movimento Pan-Europeu, 661 alemães foram para a Áustria nas três horas em que os portões ficaram abertos.
Nos dias seguintes, porém, quem tentou atravessar entrou em confronto com os guardas de fronteira, o que provocou a morte de um alemão. A passagem entre os dois países só foi liberada novamente em setembro de 1989, permitindo a fuga de mais 50 mil pessoas.
4. Trabants de um lado, câmeras do outro
Do lado austríaco da fronteira, havia um batalhão de repórteres e fotógrafos cobrindo o piquenique, bastante cientes do potencial de uma fuga em massa. O repórter do até hoje principal telejornal da Alemanha, o Tagesschau, era um dos que estava na Áustria esperando as pessoas chegarem, como mostra o vídeo abaixo (em alemão).
Tagesschau 19.08.89 P1/2 – MyVideo Österreich
Uma das cenas que marcou o piquenique foi a fila de Trabants estacionados na rodovia que terminava na fronteira. O Trabant, carinhosamente apelidado de “Trabi” pelos alemães orientais, era o único modelo disponível para compra no lado leste da Alemanha. Conhecido pela total falta de confiabilidade e por um motor de dois tempos que não permitia velocidades muito elevadas, ele foi usado por famílias inteiras na ida para a Hungria. Quando a fronteira se abriu, os carros foram abandonados na rodovia e viraram um símbolo do evento.
A partir do minuto 9’35: pessoas abandonam Trabants no meio da rodovia:
5. Polônia e o Muro de Berlim
No mesmo dia 19 de agosto, outro fato prenunciava que o bloco comunista começaria a se desmontar: na Polônia, o reformista Tadeusz Mazowiecki havia sido nomeado primeiro-ministro pelo presidente Wojciech Jaruzelski e se tornava o primeiro não comunista a assumir o cargo desde 1947.
O então chanceler alemão ocidental, Helmut Kohl, às voltas com as repercussões do piquenique, anunciou que iria à Polônia se encontrar com o novo governo local. A viagem foi, então, marcada para novembro.
Kohl, no entanto, acabou atropelado pelos fatos: no dia 9 de novembro, quando o chanceler participava de um banquete em Varsóvia junto com Mazowiecki, chega a notícia de que a Alemanha Oriental havia decidido liberar a passagem para o lado ocidental, efetivamente acabando com o Muro de Berlim. Percebendo que estava “dançando na festa errada”, Kohl voltou imediatamente para Berlim Ocidental.
Em discurso já na Alemanha, o chanceler afirmou: “A Hungria foi o lugar onde a primeira pedra do Muro de Berlim foi retirada”.
6. Turismo dentário
A pequena cidade húngara de Sopron, de pouco mais de 50 mil habitantes, é a mais próxima da fronteira com a Áustria e ficou célebre por conta do piquenique.
Apesar da história, o principal atrativo turístico de Sopron não é nenhum monumento celebrando o fim da fronteira, mas, sim, os dentistas da cidade. Por causa do preço, o município é constantemente visitado por gente da Europa inteira atrás de tratamentos de canal e implantes dentários.