Tudo o que você queria saber sobre a inauguração do Templo do Rei Salomão, mas não tinha ninguém que lhe contasse
A Igreja Universal do Reino de Deus sempre gostou dos mármores, dos dourados, da grandiosidade do espetáculo. Quando plantou sua imensa catedral no depauperado bairro de Santo Amaro, distrito destroçado pela recessão e desindustrialização dos anos 1990, assentou um modelo monumental, rico, suntuoso e ostentatório de arquitetura e decoração religiosas. Vieram outros tantos colossos, sempre no mesmo padrão. Não poderia ser diferente com o maior de todos os templos dessa denominação neopentecostal, inaugurado na última quinta-feira.
O mítico Templo do Rei Salomão, a obra maior do bispo Edir Macedo, custo alegado de R$ 680 milhões, contudo, excede em muito o que já se viu. E marca, como se verá, um novo momento da igreja, repleto de importantes referências judaizantes e de homenagens ao Estado de Israel, entendido como o berço bíblico da tradição abrâmica. Denominações evangélicas americanas há décadas fazem o mesmo, no que já foi apelidado de “novo sionismo cristão”.
Seis pessoas que estiveram na festa de inauguração do Templo de Salomão conversaram com o blog da jornalista Laura Capriglione. A seguir, seus relatos sobre o que aconteceu lá:
“O mais legal foi ver que Jesus acabou expulso do Templo do Rei Salomão. É muito engraçada a ironia. Justo quando inaugurava uma réplica do Templo de Jerusalém, construído por Herodes, do qual Jesus teria expulsado os vendilhões da fé, o bispo Edir Macedo resolveu expulsar Jesus.”
VEJA TAMBÉM: O depoimento de um dos raros jornalistas que conversaram com Edir Macedo
“Em todas as igrejas do Edir Macedo, lê-se o lema da Universal, sempre o mesmo: ‘Jesus Cristo é o Senhor’, ‘Jesus Christ is the Lord’ ou ‘Jesucristo es el Señor’. A frase encontra-se em destaque nos altares das igrejas do bispo Macedo, seja em que país for. Mas não no maior templo. No Templo de Salomão reconstruído, a frase foi substituída pela novidade: ‘Santidade ao Senhor’. Em lugar das letras góticas de sempre, agora foram usadas letras do alfabeto hebraico.”
Mas tem mais, muito mais. Leia o relato completo:
“A chegada foi terrível. A avenida Celso Garcia estava congestionada. Policiais e marronzinhos da CET tentavam organizar o trânsito. E então, ao nos aproximarmos do templo, vimos uma multidão perfilada, todos de camisetas brancas, de mãos dadas, formando uma corrente humana em torno do quarteirão. Nos mastros, hastearam-se as bandeiras da Igreja Universal, a bandeira brasileira e o pavilhão nacional de Israel.”
“Já se via ali que o espaço era especial, precioso, protegido. Eu estava chegando no meu carro e perguntei para um desses rapazes da corrente humana onde devia estacionar. Hã? A gente estava a poucos metros da entrada do estacionamento e ele não sabia. Havia uma estrita e rigorosa divisão de tarefas entre os seguidores de Edir Macedo. Aqueles ali eram apenas para ‘abraçar’ o templo e garantir a segurança do espetáculo e dos felizes privilegiados que o assistiriam ao vivo. Não falavam; não interagiam.”
“O Brás, onde fica o templo, é um bairro histórico de São Paulo. No começo do século 20, foi ocupado por levas de imigrantes pobres italianos, armênios e gregos. Então, veio a imigração nordestina, depois da qual sobrevieram os coreanos e os muitos bolivianos. É um lugar de trabalhadores muito pobres –tudo tem um ar de precariedade, de emendas, consertos. Nas centenas de lojas de roupas baratas e de bugigangas, abastecem-se camelôs e vendedores ambulantes.”
“E não vamos esquecer da igreja católica, construída em 1908, que fica bem em frente do templo, a Paróquia São João Batista do Brás. Minha nossa, aquela igreja que por muitas décadas foi considerada uma das mais importantes e majestosas da cidade, ficou parecendo cenário de Playmobil.”
“Mas, quando se chega àquele quarteirão da Universal, é como se você saísse da cidade… Primeiro, tem o sistema de segurança inteiro em volta, aquele monte de guardas, a polícia. Então, você entra no lugar protegido, onde nada está por acaso, por improviso. Não tem gambiarra. Tudo é meticulosamente limpo, planejado e organizado.”
“Você sai do caos e entra no espaço da ordem.”
“Eu fui à abertura do Shopping Paulista e do Shopping Pátio Higienópolis. Lembro-me do susto que tomei quando entrei no estacionamento do shopping Paulista. Foi um dos primeiros shoppings a ter estacionamento sem janelas. Era uma coisa horrorosa. Depois entendi que esses lugares que pretendem sequestrar você do mundo real, apartar você da realidade, obrigatoriamente suprimem as janelas. Pode ver. Os shoppings são assim. Os bingos eram assim. Os cassinos são assim. E o Templo do Rei Salomão é assim. Não tem uma janela.”
“Não tem mesmo! No estacionamento não tem janelas. Quando entrei, fui conduzida a um coquetel no 10º andar, da ala vip. Não tinha janelas. Idem para o salão principal, no térreo, imenso, capacidade para 10.000 pessoas sentadas. Também não tem nenhuma janela.”
“Para mim, pareceu um daqueles brinquedos dos parques temáticos de diversões, de Orlando, Flórida. O Templo do Rei Salomão, do Universal Studios… Bem podia ser. Ahahaha!”
“Todos os meus amigos me perguntaram como eu consegui entrar. Primeiro, chegou ao escritório um pergaminho com o convite e um envelope contendo uma senha. Daí, era necessário entrar no site para cadastrar o nome e o RG do seu convidado. Depois disso, as pessoas do cerimonial ligavam para confirmar tudo e só então você recebia um cartão com um código de barras. Era o convite individual, pessoal e intransferível, que só seria aceito na portaria do evento mediante a apresentação de documento com foto.”
“A comissão de recepção funcionava no estacionamento. Checados número do cartão, documento, tudo ok, ganhei um pin (brochinho). O meu era da cor azul, mas tinha também os vermelhos, e de outras cores. Fotógrafos a serviço do evento convidavam os vips para fazer fotos em um estúdio portátil, como aqueles da revista ‘Caras’. Detectores de metais impediam o convidados de entrar com celular, câmeras ou outros aparelhos eletrônicos.”
“Comecei a achar que havia algo estranho quando apareceram pessoas andando com túnicas de seda branca até os pés, cintos dourados, sapato social branco, desses de enfermeiro… Sei lá, para mim pareceu aquela coisa de novela espírita, tipo ‘A Viagem’. Mas depois me explicaram: esses eram os guardiões do templo… Estavam lá vestidos como se imagina que se vestiriam os levitas, membros de uma das doze tribos judaicas, na época bíblica.”
“Lá dentro, um exército de hostesses, mulheres vestidas com longos em veludo azul, conduzia os convidados, segundo a cor de seus broches, para o andar a eles designado.”
“O 10º andar, para onde fui levado, tinha as paredes forradas por amplos painéis com fotos de Jerusalém. O Monte das Oliveiras, o Muro das Lamentações e o casario de pedras dentro das muralhas de Jerusalém deram o ar da graça. Jornalistas, executivos, atores e apresentadores do staff da TV Record brilhavam: Luciano Szafir (com a mãe, Beth Szafir), Paulo Henrique Amorim, Celso de Freitas, Heródoto Barbeiro, Marcelo Rezende, Chris Flores, Lucinha Lins, Bemvindo Sequeira e o comediante Castrinho. Mas também estavam lá vários dirigentes de agências de publicidade. O esforçado serviço de bufê incluía itens de comida kasher, servidos em uma ala dedicada aos convidados judeus, num dos extremos do salão. Não havia bebida alcoólica.”
“No meio dos convidados, em uma mesa, dois homens ainda mais ricamente fantasiados agendavam visitas a um museu anexo sobre a história religiosa judaica, até chegar à missão do bispo Edir Macedo. Esses tinham, além da túnica branca até os pés e do cinturão dourado, uma espécie de elmo dourado, imitando ouro, com inscrições em hebraico em que se lia “Servo de Deus”. Ah, eles vestiam um peitoral enfeitado com 12 pedras coloridas.”
“Por volta das 18h, o pessoal começou a se mexer para descer rumo ao térreo, onde fica o grande salão do templo. Nas duas paredes laterais, foram colocados 12 candelabros de sete braços, as chamadas menorás, um dos símbolos mais conhecidos do judaísmo, representando cada uma das 12 tribos de Israel.”
“Os recepcionistas dentro do templo vestiam aquela fantasia dos levitas. Havia também mulheres entre eles. Eram centenas. Todos –homens e mulheres— invariavelmente com mais de 1,70 metro de altura. As mulheres, cabelos compridos, prendiam-nos em um rabo-de-cavalo por uma fivela dourada. Eram esses personagens que levavam os convidados até o local onde deveriam se sentar. Nas fileiras da frente, autoridades portadoras dos broches vermelhos. Logo atrás, os convidados vips, portadores dos broches azuis, e por aí vai.”
“Um conjunto de câmara tocava canções religiosas judaicas, músicas de trilhas sonoras de filmes evocativos da saga judaica, como o hollywoodiano ‘Êxodus’, além de peças populares, como ‘Halelluya la’olam’ (‘Aleluia para o Mundo”) e ‘Yerushalayim Shel Zahav’ (‘Jerusalém de Ouro’, em hebraico), uma espécie de segundo hino nacional de Israel.”
“Então, foi chegando, aos poucos, o poder da República: o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), o atual, Fernando Haddad (PT), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, o ministro do STF Marco Aurélio Mello, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, o vereador por São Paulo Andrea Matarazzo (PSDB), o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB). Por fim aterrissou, na cadeira mais central e mais perto do palco, ela, a própria presidente Dilma Rousseff (PT). Foi ao lado de Dilma que o bispo Edir Macedo escolheu sentar-se.”
“Um bispo da igreja apareceu para fazer as vezes de mestre de cerimônias. Parecia um rabino. Barbudo, cobria a cabeça com uma quipá (solidéu judaico) e vestia o talit, acessório religioso judaico na forma de um xale, usado como uma cobertura na hora das preces. Para surpresa geral, logo depois de anunciar os presentes, esse bispo-rabino pediu silêncio para a execução dos hinos… De Israel e do Brasil.”
“Duas fileiras de cadeiras, ocupadas por uma delegação de 20 membros da comunidade judaica, cantaram o hino de Israel acompanhando o conjunto de câmara e depois se congratularam, rindo, satisfeitos, pela homenagem.”
“Na avenida Celso Garcia, seis homens com a fantasia de levitas, apareceram carregando uma réplica do que seria a Arca da Aliança (onde teriam sido guardadas as Tábulas da Lei que Moisés recebeu de Deus, um pote com o maná que Deus mandou para alimentar os judeus durante a travessia do deserto e o cajado de Arão, que tinha florescido). Eles, então, começaram a marchar rumo ao templo e nele entraram, pisando em um tapete vermelho, até desaparecerem, debaixo do palco. Todo o percurso foi transmitido em dois telões de ultra-alta definição.”
“Os fiéis da Universal choravam, emocionados. Nesta hora, a cortina de tule que recobria o altar se abriu, revelando uma outra réplica da Arca da Aliança, desta vez em tamanho monumental e o letreiro: ‘Santidade ao Senhor’ (no lugar onde sempre esteva o “Jesus Cristo é o Senhor”).
“Um bispo que se disse ex-viciado em crack, maconha, cocaína, ecstasy, prostituição, álcool ‘e tudo o que há de ruim nesta vida’ foi chamado ao altar para testemunhar como a Universal ajudou-o a superar a dependência. Disse que a ciência, os médicos, os psiquiatras, a psicologia, ‘não curam o vício’, que na verdade não passa de uma manifestação do demônio. Disse mais: que a cura só vem com a fé. Em seguida, pediu aos pastores que já foram ‘viciados’ que se levantassem de suas cadeiras. Centenas de homens, todos de terno e gravata, levantaram-se e ficaram imóveis, como testemunho do milagre.”
“Em seguida veio um breve documentário com a luta do povo judeu pela Terra Prometida, que chegou até os dias atuais, com a trajetória do bispo Edir Macedo.
“Foi a senha para que ele mesmo subisse ao altar. Sobre o terno que usava enquanto esteve sentado ao lado da presidente Dilma, Macedo, agora barbudo como um judeu ultra-ortodoxo, também vestiu o talit. Na cabeça, colocou a quipá… Antes de subir ao altar, ele ajoelhou-se e beijou o solo, como fazem os cohanim, descendentes da casta sacerdotal mais pura na tradição judaica.
“Então, não poderia faltar… Macedo convidou todos a pegar os envelopes colocados no encosto das cadeiras. ‘Estarão abertos os Meus olhos e atentos os Meus ouvidos a toda oração que se fizer neste lugar.’, disse. E conclamou: ‘Escreva o seu pedido de oração para colocar nas pedras do altar! Quem quiser, não é obrigatório, pode fazer uma doação’.
“Não se sabe de onde eles apareceram. Mas, enquanto os fiéis iam disciplinadamente depositar o pedido nas pedras do altar, dezenas de homens munidos de máquinas de cartões de débito e crédito circulavam no meio, recolhendo as doações.
“Dilma, Alckmin e os demais dignitários da República, ali presentes, assistiram a tudo sentadinhos. Ao fim de sua peroração, fiéis em êxtase, Edir Macedo disse que acompanharia ‘a presidenta’ até uma sala, onde fariam uma ‘conferência’.”
O templo estava inaugurado.