Presidente do sindicato dos taxistas reclama da implantação de ciclovias na cidade de São Paulo: “Paulista é um povo rico. O cara não quer ir trabalhar de bicicleta e chegar suado no escritório”
“Paulista é um povo rico. O cara não quer ir trabalhar de bicicleta e chegar suado no escritório.” Natalício Bezerra, presidente do sindicato dos taxistas, reclamando da implantação de ciclovias no município de São Paulo aos repórteres Artur Rodrigues e César Rosati, da Folha de S.Paulo.
Antes de mais nada, motoristas, acostumem-se a compartilhar ruas e avenidas com bicicletas. Isso não é modismo, isso não é coisa de jovem vagabundo, de ongueiro suicida ou de gente que não entende que São Paulo não é Paris. A realidade mudou. E, atenção, pois isso pode chocar: as pessoas têm direitos, mas bicicletas, motos e carros sozinhos, não.
O mundo está mudando, aos poucos, para garantir esses direitos já previstos. Quer vocês gostem ou não. É inexorável. E a discussão não é se bicicletas terão espaço daqui para frente, mas sim se pessoas que pensam como Natalício terão espaço daqui para frente. Pode não ser hoje ou amanhã, mas esse pensamento irá virar peça de museu.
Dito isso, lembrei-me das incontáveis vezes em que me explicaram as razões pelas quais o “povo paulista” era mais que os naturais de outros Estados do Brasil – conversas que, invariavelmente, terminavam criticando “baianos” (gentílico genérico com a qual alguns paulistas tratam quem vive acima do Trópico de Capricórnio por sua suposta “indolência”).
Como já disse aqui antes, para quem não sabe, incutimos o espírito bandeirante em nossa criançada desde cedo para que ela, quando adulta, saiba colocar os outros exatamente em seu lugar. Hoje, fico matutando se determinismo geográfico era disciplina oferecida na escola ou se era ensinado como conteúdo transversal. O fato é que pais de alguns amigos defendiam sandices sob justificativas que fariam corar o doutor Joseph Goebbels. Em grande parte por ignorância, mas alguns por convicção formada na reflexão. Desses, eu tinha medo.
Agora me diga: qual a chance de uma pessoa condicionada, desde cedo, no “paulistanismo”, o nacionalismo paulista, que funciona como uma espécie de seita radical aos seus adeptos, conseguir enxergar para além de uma divisão territorial e se reconhecer como iguais? Pessoas que ouviram a promessa de que seriam os ricos maquinistas da “locomotiva da nação” ao perceberem que São Paulo é apenas mais um?
Dentre os jovens paulistas que desaguaram nas ruas no ano passado, uma parte deles foi preparada, ao longo do tempo, pela família, escola, igreja e mídia para encararem o mundo sem muita reflexão. Não significa, contudo, que sejam conservadores, mas acreditaram em respostas simples e empacotadas feitas para tudo seguir seu curso. Quando questionados, mostram estar perdidos no vazio. E com raiva, porque – ao que tudo indica – o mundo que lhes foi apresentado não é bem aquele que vão ter que viver.
O desafio é, a partir de agora, construir com eles a narrativa de um mundo realmente mais democrático. Em que cidade seja das pessoas e não de automóveis e na qual todos sejam vistos como iguais.
A bandeira do município de São Paulo traz a expressão em latim “Non Ducor Duco”. Não sou conduzido, conduzo. Uma besteira sem tamanho tão grande quanto a frase destacada no início deste texto.
Pobres holandeses e dinamarqueses, gente subdesenvolvida que acha bonito chegar com axilas de pizza para trabalhar. Paulista, não. Paulista é povo rico. Tem belos fins de tarde alaranjados por conta da poluição do ar e épicos congestionamentos. Passa a vida no carro. E não transpira.