Eleições na Suécia: debates entre candidatos transcorrem sem ataques pessoais e adversários chegam a dividir materiais e emprestar equipamentos de campanha uns aos outros
”Que tipo de sociedade queremos ser?”, berra a jovem militante sueca com seu megafone em uma rua movimentada do centro de Estocolmo. Faltam dois dias para o embate final das eleições gerais de domingo na Suécia, e é feroz a disputa entre a aliança governista de centro-direita e o bloco liderado por um confiante Partido Social-Democrata, apesar do jejum de oito anos longe do poder.
Mais sedutor que acompanhar a batalha campal que se trava, porém, é observar o estilo sueco de se fazer campanha política: nos comícios das cidades menores, candidatos chegam a emprestar microfones e alto-falantes a adversários.
Na profusão de debates diários em todo o país, oponentes políticos jamais trocam ataques pessoais – o duelo é de idéias. Nas ruas e redes sociais, impera o respeito à opinião de quem pensa diferente.
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Em nenhum rincão do país, legendas políticas negociam tempo de propaganda na TV – nem poderiam: na Suécia não existe horário eleitoral político.
”Não existe, até porque horários eleitorais na TV são caros – e quem paga essa conta é o contribuinte”, diz o estrategista-chefe da campanha social-democrata, Jan Larsson.
”O que existe aqui é um debate constante nos jornais, nos canais de TV, nas rádios, além de uma grande mobilização popular que inclui a militância porta a porta, discussões políticas nos clubes de esportes, e por toda parte. E naturalmente, as mídias sociais crescem em importância. Fazer campanha política na internet é extremamente eficaz, e extremamente barato”, destaca Larsson.
No quartel-general do Partido Social Democrata na capital sueca, o movimento é febril. O prédio fica na avenida central de Sveavägen, e está convenientemente situado – para a eventualidade de episódios de estresse agudo da militância – ao lado de uma loja do Systembolaget, o monopólio estatal da venda de álcool no país.
Um labirinto de corredores conduz à ampla sala do controle central da campanha, e Jan Larsson aponta, com movimentos rápidos das mãos: “naquele canto trabalha a equipe responsável pelas políticas de educação, ao lado está o time que trabalha com a questão do emprego”, e assim por diante.
Imensos gráficos decoram todas as paredes. A sala está repleta. Cerca de cem pessoas integram o cérebro da campanha, mas a ordem e o silêncio imperam no lugar. É aqui que se engendram os estratagemas e propostas para chegar ao poder. Ataques pessoais a adversários estão fora da agenda.
”Campanhas políticas na Suécia são mais focadas em projetos concretos de governo, em comparação com outros países onde o foco está em campanhas negativas e agressivas, como por exemplo comprar espaço na TV apenas para dizer como os seus adversários são ruins”, diz Larsson.
”Penso que temos na Suécia um respeito comum pela democracia, que espero que possamos manter. Todos os partidos políticos lutam pelo poder, mas mantendo o respeito mútuo”, acrescenta ele.
Pergunto a Larsson se é mesmo verdade que, nas cidades do interior sueco, membros de partidos adversários chegam a emprestar equipamentos de campanha uns aos outros.
”Isso acontece a nível local, onde os recursos de campanha são mais limitados. Até porque não damos importância a coisas idiotas, como se preocupar em não emprestar microfones ou alto-falantes a um oponente”, enfatiza ele.
”Não é que todos os políticos suecos sejam fantasticamente bons, mas principalmente porque os eleitores suecos respeitam os políticos que cooperam e colaboram. Então, o político sabe que, quando empresta seu alto-falante para o candidato adversário, isso é visto como uma coisa positiva pelo eleitorado. No nível da política nacional, no entanto, esse tipo de necessidade de emprestar equipamentos não existe”, ele completa.
No nível nacional, a cooperação entre as siglas se dá em questões como a calculada limitação do reduzido número de propaganda eleitoral nas ruas do país. Outdoors são proibidos.
”Normalmente, os partidos acertam qual o número de posters que podem ser colocados, e também o horário. Todos concordam que ninguém colocará os posters antes da meia-noite de uma sexta-feira, por exemplo. E são os militantes dos movimentos jovens dos partidos que cumprem esta tarefa, de estar de pé à meia-noite para conseguir os melhores locais para pendurar os cartazes”, diz o chefe de campanha.
Mas há um elemento de respeito na empreitada, observa Larsson:
”Ninguém simplesmente toma todos os melhores locais disponíveis. E muitas vezes, um militante retira alguns de seus cartazes para dar lugar aos do adversário. Normalmente, ninguém briga por causa disso. É preciso entender que o objetivo da propaganda é aumentar a visibilidade das eleições, mas não são nada assim tão fundamental. E por isso, não faz sentido brigar por causa disso.”
As regras são rigorosas: todos os pôsteres eleitorais devem ser retirados das ruas num prazo máximo de dois dias após a votação.
”E os políticos sabem que, se deixarem os cartazes pendurados depois do prazo, sujando a paisagem da cidade, vão ser punidos pelos eleitores nas próximas eleições”, diz Larsson.
Nessa temporada eleitoral, alguns candidatos descontentes levantaram a voz na semana passada. Isso porque militantes do Partido Feminista sueco, em nome da sua causa, aproveitaram a calada da noite para colocar adesivos de óculos cor-de-rosa nos rostos de todos os líderes partidários estampados nos cartazes adversários.
Mas no geral, as campanhas políticas na Suécia se definem a partir de um tradicional tripé de cooperação, consenso e bom-senso, sustentado a partir de um robusto debate de idéias e propostas concretas.
Em todos os jornais, rádios, sites de notícias, canais de TV e redes sociais, o debate de idéias é diário e intenso. Jornais abrem espaço em suas páginas de opinião para debater temas diversos da campanha, e convidam políticos dos diferentes partidos a expressar suas posições e propostas em dias alternados.
Nas TVs públicas e comerciais, os debates se produzem em programas de uma hora de duração, seguidos por análises com painéis de cientistas políticos e políticos dos diferentes partidos. Nos telejornais, duplas de candidatos adversários se enfrentam em discussões diárias de propostas. Nas rádios, a cena se repete.
Em programas de culinária, candidatos preparam jantares para adversários em suas casas. E programas dedicados a áreas como cultura e saúde, nesses tempos de eleição, também se transformam em arenas de debates de candidatos sobre temas específicos, tanto nas rádios como nas TVs.
Cada político sueco sabe que tem que fundamentar cada proposta, e explicar muito bem de onde pensa em tirar o dinheiro para financiar e cumprir a promessa – é aí que os verdadeiros duelos se travam com ferocidade. Mas com respeito.
”Políticos que são duros demais com seus adversários se arriscam a perder o voto do eleitor”, disse no jornal Svenska Dagbladet a especialista em retórica Lena Lid Falkman, que integra o painel de análises políticas do diário.
”Ataques pessoais contra adversários políticos e campanhas negativas não dão certo na Suécia. A campanha tem que ser limpa, e não há espaço para ofensas indecorosas. Se um político quer ser cruel contra um adversário, ele tem que fazer isso com humor”, pontuou Lena.
O repórter perguntou, então, a Lena o porquê de não se ver na Suécia, como ocorre em outros países, murros e socos entre parlamentares.
”Temos na Suécia uma cultura de consenso, e de ouvir quem tem opiniões divergentes. Também somos um país pacífico, e não nos parecem existir coisas no debate político suficientemente importantes para nos engalfinharmos em sua defesa. Os partidos políticos também cooperam de maneira bem mais próxima para solucionar os problemas do país”, destacou ela.
Mas Lena admite que a entrada no Parlamento dos Democratas da Suécia (Sverigedemokraterna, partido de extrema-direita) tornou a situação mais dramática:
”O debate político ficou mais acirrado. E, de certa forma, é mais tolerado ser um tanto duro contra os políticos da extrema-direita”.
Até o ano passado, campanhas publicitárias de partidos políticos na TV eram proibidas na Suécia. Este ano, pela primeira vez, faz-se uma experiência: no canal 4 da TV comercial, o eleitorado assiste a breves comerciais políticos de cerca de 40 segundos de duração, veiculados entre anúncios de margarina e barras de chocolate.
”Produzir comerciais mais longos seria caro demais, não teríamos dinheiro”, diz uma das assistentes de Jan Larsson, no comando central da campanha social-democrata.
Na Suécia, a principal fonte de arrecadação de fundos dos partidos políticos é o financiamento público, que corresponde a um valor entre 70% e 80% do total arrecadado pelas agremiações.
”Exatamente pelo fato de as campanhas publicitárias serem uma ferramenta tão cara, e tão poderosa, é preciso ser cuidadoso e não exagerar na sua utilização”, diz Larsson.
”E é importante ter sob controle as contribuições de campanha para os partidos, a fim de evitar a sensação que se tem no sistema americano, por exemplo, de que a Associação Nacional de Rifles financia as siglas e as campanhas publicitárias para influenciar a agenda política”.
Sobre as campanhas milionárias que se produzem no horário eleitoral político do Brasil, Jan Larsson diz que é preciso ter cautela: ”Seria um absurdo da minha parte expressar opiniões pessoais sobre a democracia brasileira, mas naturalmente é preciso ter-se muito cuidado em permitir que o dinheiro controle a informação. Especialmente quando não se tem um sistema rígido para controlar quem financia os partidos políticos. Se a distribuição de recursos para os partidos é justa, então todos têm as mesmas oportunidades. Mas quando você permite que grandes empresas e organizações controlem o financiamento dos partidos, põe-se em risco uma coisa extremamente fundamental, que se chama democracia.”
”O que deve vencer uma eleição é o melhor argumento, e não a carteira mais gorda”, opina o estrategista.
Claudia Wallin, BBC
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