Por que é tão preocupante para a democracia quando um candidato à Presidência da República vem a público defender a independência do Banco Central?
Há poucos meses escrevi um artigo para o Pragmatismo Político sobre a chamada “Independência do Banco Central”, tese defendida pela escola econômica neoclássica e pelo sistema financeiro (o qual financia seus porta-vozes na candidatura presidencial). Muitos economistas e jornalistas econômicos novamente estão investindo tinta (ou espaço em seus HDs) para discutir o tema. No entanto, assim como em meu artigo anterior, muito se foca no econômico. Por isto, agora levantarei algumas questões explicitamente políticas.
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Ano passado, o cientista político da University of Washington, Christopher Adolph, publicou um livro pela Cambridge Press intitulado de “Bankers, Bureaucrats, and Central Bank Politics”, ainda não editado no Brasil, onde trata justamente sobre a influência das carreiras dos policymakers (os formuladores de política econômica) da área monetária de uma série de países desenvolvidos (nas Américas, na Europa e na Ásia) no comportamento final dos Bancos Centrais (BC).
Segundo o autor, muitos destes diretores ou presidentes são recrutados no próprio Sistema Financeiro. Além disto, o destino pós-mandato acaba por ser, novamente, estes grandes bancos. Esta “origem” e “destino” acabam por gerar incentivos para que estes policymakers “agradem” seus futuros patrões, cortejando um bom emprego para depois da sua passagem pelo Banco Central. Apesar de não necessariamente ser um caso de corrupção, a carreira de cada um destes economistas é influenciada por esta oportunidade única, segundo o autor. Para Adolph, isto não acontece apenas para os casos de Bancos Centrais, dando exemplos do Tesouro, como Robert Rubin, que em 1993 saiu do Goldman Sachs para assumir o Tesouro e posteriormente, em 1999, foi para o Citibank, dentre outros exemplos. No mínimo suspeito, não acham?
O Brasil não foge a regra, como mostra reportagem feita ainda em 2004 pelos jornalistas da Folha de São Paulo, Fernando Rodrigues e Leonardo Souza, a porta giratória também funciona para o nosso caso. Segundo eles, “quatro dos oito integrantes do Copom de 1999 [período pesquisado pelos jornalistas] já deixaram o BC e trabalham no mercado financeiro. Entre eles está Armínio Fraga [hoje principal nome ligado a assuntos econômicos na campanha de Aécio Neves], que presidia a instituição. Abriu sua própria gestora de recursos e também ocupa cadeira no Conselho de Administração do Unibanco, presidido pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan”. Os jornalistas também dão exemplo de outros então diretores do Banco Central do Brasil e de membros do Banco do Brasil e do BNDES, organizações que também possuem cofres cobiçados pelos banqueiros e empresários.
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Como resultado de uma pesquisa feita por mim e mais dois professores do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, Adriano Codato e Renato Perissinotto, a qual será publicada em breve, há também a constatação desde domínio dos grandes bancos e economistas ortodoxos na formulação de nossa política monetária. Estes também vêm do Sistema Financeiro brasileiro e americano, para ocupar tais cargos.
Por isto é preocupante no sentido democrático quando um candidato a Presidente da República vem a público e defende que dará independência ou autonomia a estes funcionários (no sentido literal da palavra) do Sistema Financeiro. Não é de se estranhar que estes grandes financiadores de campanha depois venham cobrar a conta dos patrocínios milionários dados aos seus partidos políticos. Ou mesmo que, como no caso de Marina Silva, estes representantes estejam formulando seu programa, no caso da Neca Setúbal. Mas a promessa de institucionalização desta autonomia ou independência já chega a acusar uma dominação destes banqueiros fora do comum.
Na prática, a proposta de Independência do Banco Central acaba sendo a independência do povo e a dependência do sistema financeiro – que realmente domina (pessoalmente) estas instituições de grande importância nas economias modernas. Creio que já podemos chamá-la, inclusive, de o Ministério dos Banqueiros.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político
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