O mistério do sequestro em Brasília
O estranho caso do terrorista de Brasília. A cinco dias da eleição, militante político do Tocantins vira notícia com refém em hotel de Brasília. Jac de Souza Santos foi secretário em prefeitura do PSDB
André Barrocal, CartaCapital
Jackson de Souza Santos, um agricultor tocantinense de 30 anos, entrou por volta das 6h da manhã desta segunda-feira 29 no hotel St. Peter, em Brasília, mas não pode curtir a noite no quatro estrelas. Após fazer um funcionário de refém por mais de sete horas com um revólver e explosivos, provocar a evacuação do prédio de 15 andares, mobilizar 150 policiais e dois helicópteros, Souza Santos foi obrigado a dormir no xilindró, acusado de sequestro. O motivo do ato desvairado, com indícios de puro teatro e praticado com armas supostamente falsas? Eleição.
Jac, como é conhecido pelos íntimos, é um militante político. Em 2008, concorreu a vereador em Combinado, município de 4,6 mil habitantes ao sul de Tocantins, próximo à divisa com Goiás. Disputou o cargo pelo Partido Progressista. Hoje, faz parte do diretório estadual do PP, conforme o presidente da legenda em Combinado, Lindon Johnson Miguel da Silva, contou à imprensa enquanto o conterrâneo virava notícia. Jac também foi secretário municipal de Agricultura, na gestão do prefeito Manoel Rebouças de Oliveira, o Dr. Manoel, do PSDB. Um amigo de Jac, o autônomo Maurilio Martins de Araújo, declarou ao portal de notícias G1 que o agricultor trabalhava atualmente na campanha eleitoral de alguns candidatos a deputado estadual e federal em Tocantins.
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Jac tem uma filha pequena em Brasília, aonde chegou no sábado 27. O cenário e as reivindicações evidenciaram as razões político-eleitorais do agricultor. Ao tomar como refém um mensageiro do hotel por volta das 8h30, ambos estavam no 13º terceiro andar, o número usado pelo PT nas urnas eletrônicas. Segundo o delegado Paulo Henrique Almeida, da divisão da comunicação da Polícia Civil do Distrito Federal, Jac teria dito aos policiais que pretendia vincular sua ação ao partido. A opção pelo hotel encaixa-se no plano. No fim do ano passado, o St. Peter ficou famoso ao mostrar-se disposto a dar emprego ao petista José Dirceu, condenado à prisão no julgamento do “mensalão”, enquanto ele cumprisse a pena em regime semi-aberto.
Para soltar o refém e não explodir o hotel, Jac dizia aos policiais que queria a aplicação efetiva da Lei da Ficha Limpa, proibidora da candidatura de políticos condenados, e a extradição do italiano Cesare Battisti, asilado no Brasil desde 2010 em meio a uma controvérsia sobre ser um criminoso comum ou um perseguido político. Entre os jornalistas a cercar o hotel, então isolado pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), circulou a informação de que Jac desejava também a saída de Dilma Rousseff da Presidência. A informação não foi confirmada oficialmente depois que ele se entregou e deixou o local rumo ao 5º Distrito Policial, às 16h20.
Acionado por familiares do tocantinense, o advogado Carlos André Roriso do Nascimento disse na delegacia que seu cliente estaria “contrariado porque alguma mensagem dele não chegou à mídia”. Mas preferiu não dizer o que teria sido censurado. Após uma conversa de cerca de meia hora com Jac, na qual orientou-o a silenciar no interrogatório e só falar perante um juiz, Carlos André deu uma pista sobre a queixa do cliente: “Ele fala muito mal do PT, está chateado com essa corrupção”. Membro de uma família de políticos em Novo Alegre, cidade vizinha a Combinado, Carlos André afirmou: “Acho que há problemas suficientes no País para que ocorram novos casos deste tipo”.
O advogado disse não saber o motivo de a extradição de Battisti constar da lista de reivindicações. Para ele, é estranho que um assunto como este fosse do conhecimento de seu cliente, a quem vê como um morador simples de uma cidadezinha simples.
Nas imediações do hotel, houve quem enxergasse no tresloucado ato a oportunidade para novas revoltas como as que tomaram conta do País em junho de 2013. Com Jac já detido, o delegado Paulo Henrique dava uma entrevista na porta do St. Peter, quando foi abordado por três jovens a vestir o uniforme de um tradicional colégio da elite brasiliense, o Galois. Portando um celular ligado como um gravador, um dos jovens, a aparentar 16 anos ou 17 anos, perguntou ao policial se ele acreditava que o episódio daria início a outra torrente de manifestações. Ouviu que não.
No plano de Jac, havia ecos dos protestos de 2013. Em um CD gravado previamente e entregue aos policiais ao longo das negociações, o sequestrador, segundo o delegado Paulo Henrique, dizia que o “gigante acordou”. Trata-se de uma expressão utilizada pelos próprios manifestantes para descrever o que houve no ano passado.
O CD é um dos indícios apontados pelos policiais para classificar o sequestro como um ato premeditado. A gravação teria sido feita em 19 de setembro. No áudio, Jac pediria desculpas pelo ato e demonstraria insatisfação com a política. No Tocantins, foram apreendidas três cartas na qual ele relatava os planos a parentes e amigos. Outro sinal de premeditação: elas tinham data de 26 de setembro. Sua existência e paradeiro foram revelados pelo sequestrador.
O caso terminou de um modo bem mais tranquilo do que o clima tenso na porta do hotel sugeriu durante as quase oito horas de negociações, ao fim das quais Jac teria chegado à conclusão de que não arrancaria nada do que havia pedido. O aparato mobilizado indicava uma cena delicada. Havia 150 policias, entre agentes civis, policiais federais e homens da Agência Brasileira de Inteligência. Foram acionados atiradores de elite, para a hipótese de as negociações fracassarem e ser preciso eliminar o sequestrador antes que ele explodisse o hotel.
O porta-voz da polícia, delegado Paulo Henrique, relatava à imprensa que Jac ameaçava a todo momento mandar o hotel pelos ares, caso não fosse atendido em suas reivindicações. A polícia dizia calcular em 98% a probabilidade de serem reais os explosivos amarrados ao corpo do refém, vistos à distância com a ajuda de binóculos e câmeras de vídeo.
Rendido o sequestrador, porém, a versão final da polícia foi que a arma era de brinquedo. As dinamites, segundo o capitão Lucio Flavio, coordenador do esquadrão antibombas do Bope, eram tubos de PVC recheados com terra, serragem, durepox e um ou outro material nada explosivo. O refém, de nome Ailton e beirando os 50 anos, teria contado à polícia que o sequestrador não fez segredo de estar carregando armas fajutas.
Jackson de Souza Santos foi indiciado por sequestro e, segundo a polícia do Distrito Federal, pode pegar de dois a oito anos de cadeia, caso condenado. Carlos André, o advogado, tentará provar que o cliente estava fora de si, sofreu um transtorno passageiro e, portanto, seria inimputável. Segundo ele, familiares já teriam relatado que Jac teria tentado se suicidar recentemente.