38 anos de conservadorismo contra 16 de progressismo
Desde o golpe de Estado de 1964 até o início da presidência de Lula em 2003, o país teve predomínio político conservador; com esta vitória de Dilma Rousseff, o progressismo alcança 16 anos contínuos de predomínio político no Brasil
Nicolas Chernavsky*
Muito se falou nesta eleição presidencial sobre a disputa PT x PSDB, mas existe uma outra disputa mais influente que esta, na qual PT e PSDB são apenas os principais partidos de campos mais amplos. Trata-se da disputa entre progressismo e conservadorismo.
Ao conservadorismo convém tratar somente da disputa PT x PSDB, pois assim o argumento da alternância compulsória de poder lhe serve; afinal, com esta vitória, o PT encabeçará com a presidência a coalizão progressista por 16 anos seguidos. Já a consciência da disputa entre progressismo e conservadorismo, do ponto de vista do argumento da alternância compulsória de poder, conviria, em um olhar mais superficial, ao progressismo, já que conservadorismo ficou 38 anos no predomínio da política brasileira (desde o golpe de Estado de 1964 até o início da presidência de Lula em 2003), enquanto que o progressismo está há muito menos tempo no predomínio da política brasileira, tendo conseguido agora uma vitória eleitoral que lhe permite chegar a 16 anos nesta situação.
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Entretanto, uma análise mais profunda indica que a alternância compulsória de poder não é uma característica da democracia; o que é sim uma característica da democracia é a possibilidade eleitoral da alternância de poder.
Assim, na democracia, periodicamente o povo tem essa possibilidade de alternar ou não a região do espectro político que encabeça o Estado. Assumir como desejável a alternância de poder (e não a possibilidade eleitoral de alternância de poder), levaria a uma redução da qualidade da democracia, pois os eleitores e eleitoras, independentemente de sua avaliação sobre qual setor do espectro político lhe parece mais progressista, podem se sentir compelidos a votar contra sua própria opinião, o que só pode favorecer o conservadorismo.
Portanto, mesmo que no curto prazo a ampliação da perspectiva histórica faça o argumento da alternância compulsória de poder favorecer o progressismo (pois seriam 38 anos contra 16 anos), no médio e no longo prazo este argumento favorece o conservadorismo, pois sempre chegará o momento em que o conservadorismo afirmará que o tempo de predomínio progressista já se igualou ao predomínio conservador anterior, e que portanto já seria hora de voltar ao predomínio conservador.
Assim, vê-se que o argumento da alternância compulsória de poder é essencialmente conservador, o que vale inclusive para as tentativas de acabar com a possibilidade de reeleição e mesmo para a atual limitação no Brasil a uma reeleição para cargos executivos.
A característica da democracia, da possibilidade eleitoral de alternância do poder implica em que a alternância de poder deve ser apenas uma possibilidade eleitoral, cabendo apenas ao povo escolher se essa possibilidade se realiza ou não, em qualquer eleição e independentemente do número de mandatos cumpridos pela pessoa até o momento.
*Nicolas Chernavsky é jornalista formado pela Universidade de São Paulo (USP), editor do Cultura Política e colaborador do Pragmatismo Político