Eric Gil*
Os debates televisivos dos presidenciáveis andam bastante acalorados, com poucas propostas concretas e muitas acusações pessoais: nepotismo, corrupção, embriaguez ao volante, etc. No entanto, mesmo dentre as discussões políticas (não meramente os ataques individuais) uma ausência bem importante chama a atenção: o problema da dívida pública.
Lembro-me ainda que no ardor de junho do ano passado, no auditório do primeiro andar do Edifício Dom Pedro I da Universidade Federal do Paraná, em uma mesa que reunia professores dos departamentos de Economia, Ciência Política & Sociologia e mais algum outro que não consigo me recordar, com uma plateia que lotou até as escadarias do auditório, o então professor de Economia disse que todas aquelas reivindicações (educação, saúde, transporte, etc.) não poderiam ser realizadas integralmente porque existia a restrição orçamentária do Governo. Ele esquecia exatamente a mesma coisa que os candidatos à Presidência neste segundo turno: o principal gasto do orçamento federal, a gestão, amortização e pagamento de juros da dívida pública, que a cada ano consome mais de 40% do orçamento.
Realmente é difícil falar sobre aumento nos gastos de educação, saúde, Previdência, transporte, etc., sem discutir se devemos continuar a pagar este absurdo em dívida. A Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2014, votada no Congresso Nacional, destina 42,04% de toda arrecadação para “Amortização/Refinanciamento da dívida” e “Juros e encargos da dívida”. Perto do que se gasta com dívida qualquer outro gasto torna-se ridículo. Vejamos algumas comparações.
Leia aqui todos os textos de Eric Gil
Dizem que a máquina governamental é extremamente abarrotada e por conta dos servidores públicos o Brasil não vai para frente. Mas o Governo Federal destinou, na LOA, 10,15% do orçamento para o chamado “Pessoal e encargos sociais”, um quarto do que foi para a dívida. E a Previdência Social, a qual sempre é tida como o grande problema brasileiro? Ela absorverá 19,87%, menos da metade da dívida. Saúde? Menos de 10% do que a dívida. Educação? Um pouco menos do que a Saúde.
Bem, não há como termos nenhum tipo de discussão séria sem considerarmos o que consome o maior percentual do nosso orçamento. Aprendi, há muito tempo, que prioridade é o que despendemos mais recursos para atendê-la (seja tempo, dinheiro ou energia), e educação ou saúde não é a prioridade de nenhum dos governos (nem deste, nem os anteriores).
O Professor Ary Minella, o qual tive o prazer de cursar uma disciplina na UFSC, escreveu em um dos seus livros que “Alguém já afirmou que no Brasil existem duas classes de pessoas: os banqueiros e os outros”. Isto foi em 1988, mas poderíamos replicar para hoje sem pestanejar.
Mas quais seriam os sintomas que nos levariam a crer que os banqueiros são os manda-chuvas do nosso país? Os recordes de lucro a cada novo trimestre? As altas taxas de juros do Tesouro Nacional (maior taxa real de juros dentre as principais economias)? Seus funcionários dentro do Governo? Sua teoria favorita sendo a única ensinada nas faculdades de Economia? Deixarei estas discussões para outros artigos, já que ainda estamos em época eleitoral mostraremos os dados do financiamento de campanha deste ano.
Até a 2ª prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral temos que os bancos financiaram, tal como mostra a tabela baixo, os três principais candidatos (a qual um já foi eliminado).
Financiamento de campanha de bancos às três maiores candidaturas presidenciais (2ª prestação de contas ao TSE)
Bem, diferente da sua “função social” os bancos não arriscam! Estes patrocinam todos os candidatos que têm alguma chance de vencer (ou até alguns que não têm nenhuma chance, como foi o caso do Itaú doando para o já famoso Eymael).
E o Itaú Unibanco, maior banco privado da América Latina? Como dizia a propaganda do Unibanco, “nem parece banco”, e sim um partido (com 72 candidatos, número de indivíduos patrocinados pelo banco).
Doações de campanha do Itaú Unibanco (2ª prestação de contas ao TSE)
Eles não deixaram passar nenhum cargo, patrocinaram 16 partidos diferentes (metade de todos os partidos registrados no Brasil) e candidatos distintos 72, indo de doações de 20mil reais a 2 milhões.
Mas isto é só uma pista para descobrirmos por que, afinal de contas, não se discute dívida pública no debate eleitoral, será que incomoda tanto assim os bancos brasileiros (principais detentores da dívida)? Com a saída das candidaturas de esquerda (Luciana Genro, Zé Maria, Mauro Iasi, Rui Pimenta) acho pouco provável que daqui até o fim-de-semana tenhamos alguma declaração sobre este tema. É esperar para ver. Boa festa da democracia para todos vocês, e se lembrem de agradecerem os patrocinadores deste evento.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestrando no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político