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A eleição de 2014 não deixará saudades

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Da morte de Eduardo Campos, passando pela homofobia de Levy Fidelix até a capa criminosa da última revista Veja - que coroa campanha marcada por baixo nível, ataques pessoais e denúncias infundadas

Eleição de 2014: da homofobia de Fidelix à capa ‘golpista’ de Veja, uma disputa para não deixar saudade (Imagem: Pragmatismo Político)

Ofensas públicas em debates e em comícios, acusações sobre corrupção tomando como base o depoimento de um criminoso e frases homofóbicas proferidas nacionalmente: nada nos últimos três meses se compara à capa desta semana da revista Veja, que acusa Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva de serem conhecedores e beneficiários de um esquema de propina utilizando verbas da Petrobras.

O professor de Ciências Políticas Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas, entende haver uma clara tentativa de interferir no processo eleitoral, em uma ação que rebaixa ainda mais o nível do debate eleitoral de 2014. Para o especialista, o governo deve retirar os anúncios oficiais da publicação e o PT deve entrar com um processo judicial contra a revista.

“Minha avaliação é que isso faz parte de um golpe que está sendo processado de dois anos para cá pela grande mídia, da qual a revista Veja é a porta-voz. É uma capa que não tem nenhum fundamento, com o intuito de interferir nas eleições, criando um fato político”, afirma. “É golpismo e está na hora de o governo parar de direcionar publicidade oficial para veículos de comunicação claramente golpistas. Essa capa é um panfleto da extrema-direita, sem qualquer critério jornalístico, que tem por objetivo claro influenciar as eleições. Mas a publicação terá um efeito muito pequeno, porque fala apenas com quem já votaria em Aécio.”

A publicação da Editora Abril traz supostas denúncias do doleiro Alberto Youssef, que teria dito ao delegado que investiga irregularidades na Petrobras que Lula e Dilma sabiam de tudo. No entanto, o advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende o doleiro, disse desconhecer o depoimento de seu cliente: “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso”, afirmou. “Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo.”

A presidenta Dilma Rousseff fez hoje (24) um depoimento contra a revista durante seu programa eleitoral, em uma ação que chamou de “criminosa”. A candidata do PT à reeleição afirma que a atitude envergonha a imprensa e a tradição democrática do país, que não é a primeira vez que a publicação tenta interferir no processo eleitoral e na sua imagem e na do ex-presidente. “Sou defensora intransigente da liberdade de imprensa. Mas a consciência livre da Nação não pode aceitar que mais uma vez se divulguem falsas denúncias no meio de um processo eleitoral em que o que está em jogo é o futuro do Brasil. Os brasileiros darão sua resposta a Veja e seus cúmplices nas urnas. E eu darei a minha resposta a eles na Justiça”, afirmou Dilma.

Para Fonseca, a ação judicial contra a revista é justificável. “Esse caso tem que ser levado à Justiça. Claro que a candidatura de Aécio vai reclamar dizendo que é censura, mas claramente não é. E quem é Aécio Neves para falar de censura?”, questionou.

Em Minas Gerais, Aécio e o PSDB são autores de duas ações para retirar da internet todos os links que fazem menção ao desvio de verba do governo tucano no estado – pelo menos 20 mil conteúdos. Outra ação, que corre em segredo de Justiça, pede “providências” contra perfis em redes sociais que relacionam Aécio ao consumo de drogas. Já durante a campanha, o candidato entrou com um processo contra o Twitter exigindo que lhe fossem entregues os cadastros de 66 usuários, entre eles blogueiros, jornalistas e ativistas digitais. Além disso, ele solicitou à polícia do Rio de Janeiro a invasão do apartamento da jornalista Rebeca Mafra, que citou o jornalista em uma matéria classificada como “crime de honra”.

Na opinião de Fonseca, o episódio mostra que é urgente dar início a uma reforma da mídia, de forma a “proibir os oligopólios, rever concessões e impedir a propriedade cruzada”. “Nenhum deles foi propositivo. A campanha é fortemente midiática e marqueteira, para responder às pesquisas eleitorais. Se discute em um nível muito genérico, que baixou ainda mais de 2010 para cá.”

Baixaria

Se a publicação da Veja coroa o baixo nível do debate eleitoral de 2014, as campanhas e a imprensa conseguiram, durante o processo eleitoral, fomentar discursos de intolerância. “Aécio estabeleceu a campanha do ódio que, como teme a elite, de fato transformou o Brasil em uma Venezuela. É o ódio de classe, que estava subterrâneo na sociedade”, avalia. “O que temos são embates, e não debates. A violência é inclusive gestual, transpondo a ideia de ‘vamos libertar o país de vocês’. Em 2010 o nível já estava baixo, mas agora foi o rebaixamento completo.”

A disputa eleitoral deste ano foi marcada por episódios emblemáticos neste aspecto, como o vai e volta de Marina Silva (PSB) em seu programa de governo, o pronunciamento homofóbico de Levy Fidelix (PRTB) no debate da Record e o fato de Aécio Neves ter chamado duas candidatas de “levianas”. Apesar de os episódios terem levantado a bola para um debate sobre direitos sociais, os temas foram pouco discutidos. O que ganhou a cena foram os ataques partidários e o confronto de histórias políticas, segundo especialistas e parlamentares.

“Foi uma campanha mais sobre passados e heranças dos governos do que sobre futuro. De um lado se retomam ataques dizendo que o PT errou e que é necessário, por exemplo, fortalecer negociais comerciais com os EUA e a Europa, mas não se explica como. De outro lado, o PT tem o discurso muito focado nos programas sociais, mas as jornadas de junho do ano passado mostraram que isso é insuficiente”, diz o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski. “Em 2010, Lula apresentava resultados fantásticos de crescimento econômico e de avanços sociais. Era imbatível. Nessa campanha mundo está com dificuldade de se arrumar, e o Brasil tem mais incertezas.”

Ele avalia que o início do segundo turno foi bastante marcado por ataques pessoais, que se amenizaram no decorrer da disputa. “Aécio Neves (PSDB) acusava Dilma Rousseff (PT) de comandar um bando de corruptos e ela rebate dizendo que o ele próprio é corrupto”, avalia o especialista. “A verdade é que nenhum dos dois caminhou propositivamente. Dilma diz que Aécio vai voltar a política de salário reduzido e que vai acabar com o Bolsa Família. Aécio diz que vai melhorá-lo, mas não explica como. Nisso, a agenda da reforma política, por exemplo, foi muito vagamente tratada. E se a gente não discute não avançamos, mas os urubus, que são as empreiteiras e os grandes grupos empresariais, avançam e lucram”, avalia o especialista.

O filósofo Vladimir Safatle concorda. “O debate de 2010 já foi muito esvaziado de propostas. Este também. O voto em 2014 não é pela identificação com uma proposta. É o voto da negação. Nós, principalmente nós aqui de São Paulo, sabemos o que é o governo do PSDB é um desastre e que não podemos deixa-lo voltar”, afirma. “Vivemos um momento de esgotamento da política brasileira e me parece que nenhum dos atores principais no debate eleitoral tenham sido capazes de desempenhar seus papeis.”

Para o deputado tucano Bruno Araújo, a principal característica dessa eleição foi o processo que ele chama de “desconstrução”, encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores. “Essa foi a opção marqueteira feita pelo PT em um momento que a presidenta disputa uma eleição mais difícil que seus antecessores. Por mais que os outros candidatos tentassem ser propositivos, o debate ficou na desconstrução. De 1994 para cá esta é a eleição mais focada na desconstrução”, diz.

“A oposição em 2010 foi um fracasso absoluto. Neste ano, eles fizeram mais ataques que propostas. Colocaram o PT como um partido corrupto, fizeram um ataque na cabeça da população com essa questão”, avalia diz o deputado federal Carlos Zarattini (PT).

O deputado federal Otávio Leite (PSDB) contrapõe dizendo que “é inevitável que verdades sejam ditas quando se é agredido por muitas mentiras”, afirma. “O PT tem se dedicado muito a fazer terrorismo sobre perda de eventuais direitos trabalhistas e até sobre o fim de programas sociais.”

Direitos sociais

Sequer as pautas relacionadas a direitos sociais, como a legalização do aborto ou a criminalização da homofobia, ganharam a profundidade que merecem, segundo os especialistas. Mesmo as declarações homofóbicas de Fidelix durante o debate da Record, em setembro, ainda no primeiro turno da disputa, não levaram a um aprofundamento do debate como reação. Na ocasião, Levy chegou a afirmar que “aparelho excretor não reproduz” e que a maioria heterossexual deveria “ter coragem” de “enfrentar a minoria” homossexual.

O segundo turno também teve seu momento mais alto em um debate. No encontro do SBT, Aécio e Dilma trocaram farpas, com claros sinais de irritação dos dois lados. O tucano acusou a petista de “leviana” por cobrá-lo por explicações a respeito do aeroporto privado construído com recursos públicos de Minas Gerais na fazenda de um tio. Não satisfeito, perguntou se ela era “conivente” com a corrupção ou “incompetente” com a administração pública. De outro lado, Dilma evocou uma questão pessoal de Aécio ao pedir a opinião do adversário sobre motoristas que se recusam a fazer o teste de álcool e drogas em blitze da Lei Seca – o tucano foi parado em uma operação no Rio de Janeiro e se recusou a fazer o exame exigido por lei.

De volta ao primeiro turno, a então candidata Marina Silva (PSB) recuou sobre as propostas de direitos da comunidade LGBT em seu plano de governo em menos de 24 horas após o lançamento do documento e após ter recebido críticas ferrenhas do pastor Silas Malafaia, que chamou o plano de “vergonha pior do que do PT e do PSDB”. Um dos recuos foi o apoio à aprovação do PLC 122/06, que equipara os crimes de discriminação de gênero com os crimes de racismo, a eliminação de obstáculos para adoção de crianças por casais homossexuais e o apoio ao casamento civil gay igualitário.

“Tomar partido nesses temas desorganiza as alianças políticas. Ainda assim, Aécio tem a ousadia de propor a redução da maioridade penal, porque sabe que o eleitor dele quer isso”, avalia Cândido, do Ibase. “A rua deu a sinalização que é preciso avançar em direitos relacionados a saúde, segurança, mobilidade e cidadania e isso mal entrou no debate político.”

O deputado federal Paulo Teixeira (PT) avalia que apesar da declaração de Fidelix e dos recuos de Marina, a campanha de 2010 foi mais homofóbica que a de 2014. “As eleições desse ano foram menos assustadoras desse ponto de vista, mas ainda permanecessem essas velhas questões. Em 2010, José Serra (então adversário tucano de Dilma no segundo turno) abrigou essas bandeiras conservadoras.”

Naquele ano, os então candidatos Dilma e Serra travaram uma dura batalha pelo apoio de religiosos, um dos fatores que rendeu quase 20 milhões de votos à Marina Silva, que concorria pelo PV. Assim, religiosos conservadores acabaram conquistando um pedaço considerável da agenda dos presidenciáveis. Malafaia pregava voto em Serra acusando Dilma de ser “a favor do homossexualismo” e atribuindo até homossexualidade a ela.

Além disso, Serra fez uma campanha pesada contra o aborto, afirmando que Dilma era a defensora da proposta. Em sabatina da Folha de S. Paulo em junho daquele ano, ele chegou a afirmar que o aborto é “uma coisa terrível” e que “em um país como o nosso” a legalização liberaria “uma verdadeira carnificina”. “Quando Serra tentou retroceder sobre o aborto em 2010 ele perdeu votos dos progressistas, porque tirou a questão do campo político e colocou no debate sobre comportamento”, avalia Zarattini.

Em agosto deste ano, durante o debate da Band, Aécio defendeu a manutenção da atual legislação brasileira, que veta este direito às mulheres, exceto em casos de estupro e de fetos anencéfalos. “Acredito que a legislação atual deve ser mantida, mas defendo que haja cada vez mais informação, sobretudo a adolescentes de baixa renda no Brasil, sobre anticoncepcional e outras formas contraceptivas”, disse o tucano.

“Os temas do aborto e da homossexualidade estiveram mais presentes em 2010 até porque pela primeira vez a principal candidata era mulher. Foi também uma questão de conflito gênero, que neste ano tem sido pontuada com a postura conflitiva de Aécio Neves. Em 2010, o adversário não foi tão grosseiro e tão explicitamente arrogante. Mas os debates daquele ano ajudaram a consolidar a lógica fundamentalista que se expressa hoje no Congresso”, avalia a deputada federal Érika Kokay (PT).

Para Érika, Aécio tem adotado uma postura machista durante a campanha. No último dia 12, ele afirmou que Dilma está “à beira de um ataque de nervos”, durante uma agenda em Aparecida (SP). Dois dias depois, no debate da TV Band, Aécio chamou Dilma de “leviana” e “mentirosa”. Na ocasião, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva chegou a afirmar que “queria ouvir ele falar assim se o outro candidato fosse um homem”. Antes disso, ainda no primeiro turno, ele já havia chamado a candidata do Psol, Luciana Genro, de “leviana”. Em um momento marcante da primeira etapa da disputa, ela respondeu com firmeza: “tu não levante o dedo para mim!”.

“Ele não pode falar assim com uma mulher eleita democraticamente para a presidência da república. Existe até um protocolo para isso. O candidato do PSDB tem uma arrogância expressa no nível da agressividade e da blindagem a qualquer tipo de questionamento. É um escárnio e uma desfaçatez que está mais aguda agora, reflexo de uma candidatura que nunca viveu, dialogou ou se comprometeu com o combate às desigualdades”, avalia Érika. “Ele usa expressões cunhadas pelo machismo. É uma arrogância de caráter sexista que concentra três tipos de desprezo da casa-grande: o contra a mulher, o de classe e o menosprezo ao Estado democrático de direito.”

Rede Brasil Atual

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