Humorista Gregorio Duvivier diz que se sente em “terra estrangeira” em seu bairro, no Leblon, Rio de Janeiro, e desiste de anular o voto: “Não votei no PT, mas se quem defende causas humanitárias e direitos civis é tachado de petista, não me resta outra opção senão aceitar essa pecha”
O humorista Gregorio Duvivier diz que se sente em “terra estrangeira” diante da pressão da campanha pelo voto em Aécio Neves (PSDB) no Rio de Janeiro. Em artigo publicado na Folha, ele diz que não votou nem manifestou apoio ao PT, “mas parece que, aos olhos do mundo (ou, ao menos, do Leblon), tenho uma estrela no braço. Por algum motivo, represento o inimigo. A realidade é dura: moro em terra estrangeira”.
‘Nos postes da cidade, os adesivos se multiplicam. “Aqui se vota Aécio”. Você, que não vota como o poste: ame o Rio –ou deixe-o. Aqui não é sua área. Aqui se brinda pelo fim da maioridade penal. Aqui a gente cansou da corja do PT e quer gente nova –mas logo quem? O mensalão tucano, a compra da reeleição, o aeroporto, o helicóptero, tudo virou pó’, ironiza.
Diz ainda que votaria nulo, “mas a militância de jipe e os comentaristas de portal não me dão essa opção. Se quem defende causas humanitárias e direitos civis é tachado de petista, não me resta outra opção senão aceitar essa pecha”.
Leia a íntegra do artigo de Duvivier abaixo:
Terra estrangeira
Adesivos multiplicam-se nos postes. “Aqui se vota Aécio”. Você, que não vota como o poste: ame o Rio –ou deixe-o
Eis que de repente, não mais que de repente, toda caminhonete que se preze tem um adesivo do Aécio. No peito do motorista, um brasão, muitas vezes peludo, quando não um cavalo, aquele enorme cavalo em alto relevo, que vai do umbigo ao mamilo. Olham, ele e o cavalo, altaneiros por sobre os bípedes, coitados, que insistem em andar ao rés do chão –ainda não vi uma bicicleta com adesivo do Aécio.
Estou voltando para casa a pé, tarde da noite, quando percebo que uma enorme SUV me acompanha –lustrosa, reluzente, cheirando a blindada. Finjo que não percebo, até que começam a buzinar. Minha auto-estima elevada me faz crer que são fãs do Porta dos Fundos. Aceno simpático. Um sujeito põe a cabeça para fora da janela e berra: ” Vaza, PT! Volta pra Cuba!”
Sento no meio-fio, desolado. Não votei nem manifestei apoio ao PT, tampouco fui a Cuba, mas parece que, aos olhos do mundo (ou, ao menos, do Leblon), tenho uma estrela no braço. Por algum motivo, represento o inimigo. A realidade é dura: moro em terra estrangeira.
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Nos postes da cidade, os adesivos se multiplicam. “Aqui se vota Aécio”. Você, que não vota como o poste: ame o Rio –ou deixe-o. Aqui não é sua área. Aqui se brinda pelo fim da maioridade penal. Aqui a gente cansou da corja do PT e quer gente nova –mas logo quem? O mensalão tucano, a compra da reeleição, o aeroporto, o helicóptero, tudo virou pó.
Um amigo, Aécio ferrenho, disse que sonha com um Brasil em que ele possa ir pra Nova Iorque com o dólar um pra um. Aí, eu vi sinceridade. O que não dá é votar Aécio contra a corrupção. O mandato nem começou e ele já está cheio de esqueletos no armário.
Por isso, não voto feliz em nenhum dos dois candidatos. Não importa quem ganhe, já começa endividado –e vai quitar a dívida com dinheiro público. Ambos contraíram empréstimos milionários com empreiteiras, bancos, com a Friboi (sim, a Friboi doou a mesma quantia para os dois candidatos –não quis correr riscos) e fizeram acordo com os setores mais reacionários da sociedade. Ambos os governos –não se enganem– vão ser ruralistas, fundamentalistas e corruptos. Seu dinheiro, eleitor, já está comprometido.
Por essas e outras, poderia votar nulo –mas a militância de jipe e os comentaristas de portal não me dão essa opção. Se quem defende causas humanitárias e direitos civis é tachado de petista, não me resta outra opção senão aceitar essa pecha.
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