Uma questão fundamental que faltou no debate da TV Globo
O essencial ficou obscurecido no debate da Globo por uma discussão absolutamente convencional em torno de promessas de campanha sobre temas triviais
J. Carlos de Assis, GGN
Como disse o Pequeno Príncipe, “o essencial é invisível para os olhos”! No debate de candidatos presidenciais na quinta-feira, na Globo, o essencial ficou obscurecido por uma discussão absolutamente convencional em torno de promessas de campanha sobre temas triviais como saúde, segurança e educação – importantes, sim, mas secundários na medida em que está em jogo, no contexto mundial atual, nosso destino enquanto sociedade e enquanto nação, nossa segurança de emprego e de renda, nossa própria estabilidade social.
Não quero culpar os candidatos pela incapacidade de abordar questões essenciais como o desafio de nossa inserção internacional em face da crise mundial. Alguns deles, embora equivocados, adiantaram fora do debate suas posições através de assessorias, como no caso de Marina e Aécio, alinhados na proposta de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia. Dilma tem o testemunho de suas próprias iniciativas, em especial o compromisso de efetivação do Banco BRICS, que vale dez vezes mais que qualquer promessa.
O fato é que o formato do debate não permitia a abordagem de questões de fundo. A presença de três candidatos de nenhuma expressão eleitoral entre os três com chances reais de ir para o segundo turno praticamente assegura a degradação da discussão. Só mesmo esse formato, imaginado pela emissora para garantir o segundo turno, permite que oportunistas como o pastor Everaldo e um desequilibrado como Levy Fidelix usem uma tribuna nacional para acusar a Presidenta de ter defendido o terrorismo na ONU (sem direito de resposta).
Entretanto, em plena campanha para escolher nosso futuro presidente ou presidenta, passamos ao largo de uma questão essencial: que caminho devemos escolher na ordem mundial? Sim, porque estamos estagnados. Não importa que Guido Mantega tenha feito uma política macroeconômica deplorável, que tenhamos exagerado no superávit primário enquanto a economia estava patinando, que tenhamos voltado a aumentar os juros básicos quando não havia risco inflacionário, que tenhamos feito uma política cambial deplorável.
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Todos esses equívocos macroeconômicos são irrelevantes para o crescimento sustentável da economia diante de um fato básico irrecorrível: esgotamos o ciclo do consumo interno. Vendemos cerca de 300 milhões de celulares, milhões de geladeiras e fogões, milhões de aparelhos de ar condicionado, milhões de carros, milhões de outros produtos de consumo. Entramos numa economia de reposição do consumo até que surja um novo ciclo. Até lá, se não houver uma mudança de paradigma nas bases da economia, teremos de nos contentar com crescimento zero, sustentado apenas pelo agronegócio e a mineração.
Tudo se transforma no sistema capitalista, menos uma característica básica: o ciclo de negócios, os longos períodos de recessão alternados com crescimento que se sucedem nas décadas. Ninguém pode impedir o ciclo, muito especialmente a política monetária. A Europa está demonstrando claramente isso, na medida em que o independente Banco Central Europeu opera com taxas de juros negativos e expande a disponibilidade de crédito sem qualquer resultado no crescimento da economia. A política fiscal pode atenuar ou mitigar o ciclo. Contudo, os conservadores e ortodoxos renegam a política fiscal.
O capitalismo alinha todas as economias pelo consumo. As classes médias brasileiras estão no mesmo nível de consumo de suas congêneres europeias e americanas. O que nos falta é estrutura produtiva debaixo desse consumo. Deixamos buracos produtivos internos e os tapamos com importações. No contexto atual, pagamos nossas importações com exportações de commodities minerais e agrícolas. No limite, vamos pagar nosso déficit em conta corrente, já da ordem de 80 bilhões de dólares, com reservas internacionais e depois crise.
O que os opositores de Dilma – Aécio e Marina – nos propõem como alternativa? Querem que façamos acordos de livre comércio com a União Europeia e os Estados Unidos. Alguns chegam a propor a ruptura do Mercosul para viabilizar esses acordos. A troco de quê? O que podemos esperar da Europa e dos Estados Unidos senão o aumento das exportações deles para nós? E o que podemos vender para eles? Certamente não podemos concorrer em manufaturados com a China no mercado deles. E os primários, podemos vender-lhes?
Será possível esperar da Europa, em plena recessão ou depressão, que possa adquirir nossos produtos primários na forma de uma alavanca do crescimento para nós? Será que é possível esperar isso dos Estados Unidos e do Japão, ambos igualmente estagnados? Só a absoluta ignorância da situação internacional, ou um tremendo oportunismo em busca de negócios pessoais tópicos, pode justificar esse tipo de opção. O fato é que todos os países industrializados avançados atingiram o auge do ciclo de crescimento – o último deles, o ciclo da indústria de informação -, e eles próprios não têm para onde saltar para um novo ciclo.
Nós, sim, temos uma oportunidade: como deixamos vários buracos para trás em nossos ciclos de desenvolvimento, podemos tentar preenchê-los. É necessário para isso uma grande estratégia que redirecione nosso eixo de desenvolvimento. Um desses buracos é a infraestrutura de transportes a partir de investimentos públicos a fundo perdido: a demanda é automática. Outro, ainda mais importante, é a complementação do ciclo da indústria básica, isto é, a indústria de metais, a partir de nossa ampla base de recursos naturais. Existe para isso uma demanda certa, a Ásia. Mas disso falarei oportunamente.
J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.