Dilma esvazia jogada política desastrada de Marta Suplicy. Ao atuar como bombeira, atual presidente defendeu o governo de intrigas e até Marta, de queimaduras
O gesto da demissionária ministra da Cultura, Marta Suplicy (PT-SP), de divulgar carta de demissão quando a presidenta Dilma Rousseff viajou para o encontro de países do G-20 na Austrália, foi calculado. Fato semelhante ocorreu com Marina Silva (PSB-AC), quando pediu demissão do Ministério do Meio Ambiente durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, também quando o ex-presidente estava fora de Brasília. A diferença é que Lula pensava em manter Marina à frente do ministério conciliando divergências.
Marta, já sabendo que teria de entregar o cargo, principalmente devido à necessidade de Dilma de revigorar seu governo com novas forças mais representativas do cenário político e social, resolveu sair da forma mais barulhenta possível. Esperou ela viajar para divulgar publicamente a carta com críticas recorrentes na imprensa oposicionista à política econômica. O assunto foge à alçada de seu ministério, mas garante manchetes e visibilidade por estar dentro da pauta oposicionista que a imprensa tradicional gosta.
Marta volta ao Senado, onde tem mandato até 2018, e cogita sair candidata à prefeitura de São Paulo em 2016. Sendo do mesmo partido da presidenta, o mais sensato seria fazer uma transição suave de ministra para senadora, seja para usar o apoio da presidenta e do partido na pretensão de ser candidata a prefeita em 2016, seja para disputar a reeleição ao Senado em 2018. Só um plano de mudar de partido explicaria seu gesto de sair do ministério praticamente atirando.
Seu partido, o PT, já tem no prefeito Fernando Haddad o candidato natural à reeleição. Haddad já passou pelos maiores desgastes de popularidade, sobretudo em 2013 quando enfrentou as grandes manifestações contra o aumento da tarifa dos ônibus urbanos. Depois disso vem recuperando gradualmente sua popularidade à medida que a população vê resultados nas políticas públicas implantadas, tais como corredores de ônibus, ciclovias, revitalização de espaços urbanos, recomposição do salário dos professores da rede municipal de ensino, ampliação da rede de saúde, combate à corrupção e outras iniciativas em curso. Também terá mais folga orçamentária a partir da redução dos juros da dívida municipal. Marta só teria chances de ser candidata pelo PT se Haddad fracassasse completamente em seus dois últimos anos de mandato, o que parece bastante improvável.
Seja qual for a real pretensão da senadora, sua carta de demissão alinhada com críticas da oposição, se agrada setores da imprensa oposicionista e costuma abrir espaço para entrevistas nas páginas mais destacadas das revistas e jornais, desagrada sua base eleitoral mais fiel, mais ideológica e militante.
Dilma, em visita ao Catar, a caminho da Austrália, concedeu entrevista coletiva e respondeu duas vezes sobre o assunto. Contemporizou. Disse que a saída de Marta já estava acertada há mais de um mês entre as duas: “Logo depois da minha eleição, disse que sairia e eu aceitei. Ela me disse que enviaria uma carta”. Afirmou que a ministra “não fez nada de errado” e que “não teve atitude incorreta”. Mesmo as críticas dirigidas à área econômica, a presidenta se limitou a dizer que “trata-se da opinião dela”, esvaziando as tentativas de alimentar intrigas em torno deste fato.
Ao atuar como bombeira que apaga focos de incêndio, Dilma não apenas defendeu seu governo de intrigas, como também evitou que a própria Marta sofresse queimaduras. Afinal, não se troca facilmente de base eleitoral com meia dúzia de entrevistas na imprensa tradicional.
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