O ebola e o sonho da cooperação entre EUA e Cuba
Enquanto causa devastação na África Ocidental e pânico ao redor do mundo, o ebola tem apresentado poucas reviravoltas, mas uma delas pode ser a oportunidade de mudança nas relações EUA-Cuba, para o bem de todos.
Por Arturo Lopez-Levy, Foreign Policy in Focus | Tradução: Vinicius Gomes, Revista Fórum
Quando foi a última vez na história recente que oficiais do alto escalão dos EUA exaltaram Cuba de maneira pública? E a última vez que a liderança cubana se ofereceu para cooperar com os norte-americanos?
É raro para os políticos desses dois países destoarem das narrativas de desconfiança e intransigência que evitou uma colaboração produtiva por mais de meio século. Mesmo assim, é isso que tem acontecido nas últimas semanas, depois do secretário de estado dos EUA John Kerry e da embaixadora norte-americana na ONU Samantha Power falarem bem da intervenção médica de Cuba no Oeste africano, e os irmãos Raúl e Fidel Castro assinalarem seu desejo em cooperar com os EUA no combate à epidemia.
Enquanto causa devastação na África Ocidental e pânico ao redor do mundo, o ebola tem apresentado poucas reviravoltas, mas uma delas pode ser a oportunidade de mudança nas relações EUA-Cuba, para o bem de todos.
Não ignore a oportunidade
“Você nunca quer que uma crise séria seja desperdiçada”, disse uma vez Rahm Emanuel. “E o que eu quero dizer com isso é uma oportunidade para fazer as coisas que você acreditava não poder fazer antes.”
O presidente Barack Obama deveria ouvir seu ex-chefe de gabinete e não perder a oportunidade apresentada pela crise do ebola. As lideranças políticas na Casa Branca e no Palácio da Revolução poderiam transformar a luta contra uma ameaça em comum em uma cooperação que iria, além de promover o interesse nacional dos dois países, também significar um avanço nos direitos humanos – e o direito à saúde é um direito humano – em todo o mundo em desenvolvimento.
As condições políticas estão favoráveis para tal mudança. Os norte-americanos apoiam ações contra o ebola e aplaudiriam um presidente que valorizou mais a cooperação médica para salvar vidas à frente de ideologia e ressentimento.
Em seu sexto editorial de uma série sobre a necessidade de mudança na política dos EUA para com Cuba, o New York Times pediu para que Obama terminasse com o Programa de Condicional de Profissionais Médicos Cubanos – que torna relativamente simples para doutores cubanos que estão trabalhando no exterior desertem para os EUA – por conta de sua natureza hostil e de seu impacto negativo nas populações que recebem o apoio e atenção dos profissionais cubanos na África, Ásia e América Latina.
“É incoerente que os EUA valorizem as contribuições dos profissionais cubanos que são enviados por seu governo para assistir em crises internacionais como o terremoto no Haiti, em 2010, enquanto trabalham para subverter tal programa ao tornar a deserção tão fácil”, lê-se no editorial do periódico. A ênfase deveria ser em promover as contribuições médicas de Cuba, não sabotá-las.
Ao passo que os esforços médicos da ilha cubana se tornam ainda mais conhecidos, torna-se igualmente claro como é irracional para Washington assumir que toda presença cubana nos países em desenvolvimento esteja ameaçando os interesses norte-americanos. Uma abertura consistente para cooperação bilateral com Cuba com a saúde pública, instituições médicas, setor privado e fundações basseadas nos EUA podem ativar sinergias positivas para melhorar a política norte-americana com Havana. Isso enviaria também um sinal amigável para reforma econômica e liberalização política em Cuba.
O mundo inteiro tem algo a ganhar
O potencial para cooperação entre Cuba e EUA vai além da prevenção e derrota do ebola. Novas pandemias podem, em um futuro próximo, podem ameaçar a segurança nacional, economia e saúde pública de outros países – matando milhares, prejudicando comércio e turismo, e enforcando a atual abertura ao encorajar a histeria xenofóbica. Nesses tempos dramáticos, a Casa Branca precisa pensar com claridade e criatividade.
Como a maior liderança no hemisfério ocidental, os EUA deveriam propor na próxima Cúpula das Américas em abril de 2015 na Cidade do Panamá, a criação de uma abrangente estratégia de cooperação médica como resposta a crises no continente. Como diversos países latino-americanos já afirmaram, Cuba deve ser incluída na reunião.
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Havana desenvolveu uma extensa expertise médica, tanto doméstica como internacional, com mais de 50 mil profissionais da saúde servindo em 66 países. Medidas preventivas, detecção antecipada, controle estrito de infeções e coordenação em resposta a desastres naturais são partes essenciais no método cubano de cortar o mal de pandemias pela raiz. A falta de alguns desses componentes em sistemas de saúde que já estão em colapso explicam a falha na governança que aumentou o impacto do ebola no oeste da África.
Quando ainda era senador e candidato à presidência, Obama era um dos maiores críticos da postura de “Guerra Fria” dos EUA com Cuba. Como presidente, não é suficiente para ele apenas fazer eco à política de embargo implementada por seus antecessores. Ele precisa ajustar a narrativa oficial norte-americana sobre uma Cuba pós-Fidel, que não é uma ameaça aos EUA, mas sim um país em transição para uma economia mista e uma força positiva para a saúde no planeta inteiro.