O que representa o PMDB hoje? Qual seu posicionamento no espectro político? A resposta mais intuitiva seria classificá-lo como um partido de centro. Mas até que ponto isso condiz com as atitudes desse partido? Ou melhor, até que ponto não se está confundido centro político com um gritante fisiologismo?
André Gomes*, Pragmatismo Político
As alianças políticas promovidas pelo PMDB levam a cenários que beiram a esquizofrenia. Michel Temer, candidato a vice-presidente de Dilma, em recente viagem a Porto Alegre, pediu que os eleitores votassem em José Ivo Sartori, e em Dilma. Sartori, por sua vez, declarou apoio a Aécio Neves, do PSDB.
Isso nos leva à pergunta: o que representa o PMDB hoje? Qual seu posicionamento no espectro político? A resposta mais intuitiva seria classificá-lo como um partido de centro. Mas até que ponto isso condiz com as atitudes desse partido? Ou melhor, até que ponto não se está confundido centro político com um gritante fisiologismo?
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A gênese desse partido está no período da ditadura militar, com o MDB. Naquela época, fazia sentido a aglutinação de diversas pessoas com pontos de vista conflitantes, unidos por um ponto comum: oposição ao regime, que operava institucionalmente através da ARENA. A pauta do MDB era, antes de tudo, a de tentativa de promoção e preservação da democracia, que minguava cada vez mais a partir de 1964. No contexto que se apresentava, o MDB era uma congregação extremamente plural, composta por aqueles que se opunham ao autoritarismo do regime militar.
E convém prestar a devida homenagem ao MDB, pois, mesmo que de maneira tímida, e com as sérias amarras antidemocráticas institucionalmente impostas, cumpriu como pôde o papel de voz da democracia e da aversão ao período mais odioso da nossa história. Essa luta servia como elemento básico essencial da sua atuação partidária, que já nascera com embates e contradições internas.
No contexto do retorno ao pluripartidarismo, o agora PMDB sem dúvida se apresentava como uma via de centro, voltada ao posicionamento pretensamente conciliatório e antiextremista, para qualquer lado. Mas pouco disso sobra hoje em dia.
O que orientou a atuação política de nomes como Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Pedro Simon nos 20 anos de ditadura militar foi, direta ou indiretamente, a luta pela democracia e liberdade política, e de repente o cenário era outro, com diversos temas agora entrando em pauta. Muitos dos antigos nomes do MDB estavam agora vinculados a outras agremiações, que surgiam justamente por proporcionar uma representatividade maior e mais direta ao seu posicionamento político, como ocorreu com Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Tarso Genro, Eduardo Suplicy, Alceu Collares, entre tantos outros.
A verdade é que o PMDB não conseguiu se adaptar – em termos de posicionamento político – ao contexto de um cenário mais complexo, composto por um maior número de agentes, em discussões de pautas mais específicas. No momento em que a bipolarização teve fim, e cenário político voltou-se a temas que fugiam ao velho embate da oposição ao regime, a adoção inicial do posicionamento de centro veio com naturalidade. Contudo, esse pretenso centrismo acabou se transformando em algo diferente. Houve, com o tempo, a adoção de uma postura quase apolítica. Uma ausência de linha institucional definida, em que os componentes – que têm, subjetivamente, orientação política e ideológica – integram um grupo pretensamente desconexo de pautas específicas e posições claras.
Essa “negação da identidade” levou o PMDB a se tornar o partido político com o maior número de filiados do Brasil. Trata-se de circunstância perfeitamente compreensível. A bandeira sem mensagens é a mais fácil de ser hasteada, visto que não traz nenhum comprometimento. Em um país em que a democracia representativa se exerce necessariamente através de um partido, o PMDB se apresenta como aquela via para participação política sem identificação específica, servindo como “hospedeiro” de quem pretende atuar politicamente sem se prender determinadas linhas de conteúdo programático. Dizer que é um “partido residual” talvez soe excessivo ou ofensivo, mas certamente não seria de todo errado. Hoje, o partido abriga atuantes do conservadorismo, autênticos membros do centro político, e até mesmo aqueles que se pretendem integrantes de uma esquerda liberal.
A amplitude e pluralidade internas não são problemas em si, embora se possa argumentar que um partido político deveria representar uma linha de pensamento, e não uma cisterna em que “vale tudo”. A questão se torna mais problemática quando a discussão de ideias que se busca viabilizar acaba sendo podada justamente em razão da pretensão de absoluta neutralidade que acaba sendo assumida pelo partido e seus membros.
Exemplos disso são Luiz Fernando Pezão e o já mencionado Sartori, candidatos do PMDB aos governos do RJ e RS. A postura assumida por eles é a de independência com relação às amarras geradas pelo posicionamento político-partidário, e promoção da imagem pessoal, numa tentativa de projeção suprapartidária. Veja-se que os seus partidos “são seus estados”.
Cada um faz isso a sua maneira. Pezão se pretende independente, acendendo velas para qualquer santo, de modo que sua virtude seria a de que, com ele, não importa qual o cenário político – seu trânsito e relacionamento estarão garantidos. Sartori se projeta como uma pessoa isenta, que desceu da serra gaúcha para a capital da noite para o dia e só quer fazer o bem, exibindo seu histórico eleições para comprovar experiência, mas sempre evitando detalhar seu histórico de posicionamentos.
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Outro aspecto negativo decorrente da atual situação do PMDB é a mercantilização parlamentar. Com o elevado número de filiados, o partido frequentemente elege uma considerável representação na câmara de deputados, constituindo um importante bloco de votos no Congresso. Dizem que não se governa sem o PMDB, mas tampouco se consegue governar plenamente com ele. Isso porque tais votos não vêm de graça, e o apoio político é concedido em troca de nomeações para pastas, cargos comissionados, projetos dos mais variados interesses locais e particulares.
Claro, é bem verdade que muitos partidos, com o tempo, renunciaram a parte de sua identidade. O PT certamente não é mais o mesmo partido com ideais de ruptura com os valores e ordem social vigentes, decorrente da junção equânime entre o movimento sindical operário e o a ideologia marxista que foi nos anos 80, e o PSDB não tem mais o alinhamento com a verdadeira social-democracia de que falavam Rosa Luxemburgo e Eduard Bernstein. Da mesma forma, a concessão de interesses em troca da viabilização de projetos é uma parte quase indispensável da política num ambiente plural e democrático. Hoje o PP, partido neto da ARENA, integra a base aliada do governo federal, por exemplo.
Contudo, não é este o caso do PMDB. Como ele não possui uma identidade política certa, ele não tem posição para preservar ou negociar. O que se tem são os votos e seu aluguel. Em nível federal, o PMDB adquiriu uma influência tamanha, que, independente do partido, ele estará vinculado à situação. É poder político em trocar de influência. Mal comparando, é quase como se o partido se tornasse um funcionário vitalício da estrutura do poder governamental, sempre presente nas instituições, apenas aguardando a nova troca da titularidade do comando.
Mas será que isso é saudável para a democracia? Será que atribuir tanta influência a essa massa disforme é algo desejável? Quanto menos se diz sobre a agremiação política, maior espaço individual têm os seus agentes. Mas no caso do PMDB, o que pensam essas pessoas? A princípio, qualquer coisa.
Talvez seja o caso de refletirmos mais a respeito do papel dos partidos como um todo. Até que ponto eles refletem uma linha de pensamento? Não seria justamente essa a sua função? A existência de partidos como o PMDB é compatível com isso, ou ela apenas enfraquece aquela que deveria ser a função precípua da democracia representativa através da política partidária?
Pessoalmente, acredito que o PMDB não tenha mais espaço dentro do cenário político, de acordo com a premissa da representação ideológica. Claro, isso não é o mesmo que dizer que ele não tenha poder representativo. Pelo contrário, ele tem, e muito, justamente porque, muitas vezes, ele serve como uma “sigla-curinga”, e, portanto, chamativa.
Mas não seria melhor permitir que se debatesse de maneira mais aberta e franca as pautas políticas? A meu ver, a adoção de uma postura mais sincera politicamente permitiria uma troca de idéias mais informada e informadora, e o PMDB, hoje, vai na contramão disso.
A tomada de posição é essencial à atuação política. Não estou defendendo que a abstenção sobre certos temas, e a neutralidade não sejam válidos. São posturas legítimas, e, diga-se de passagem, o não-posicionamento é, em si, uma forma de se posicionar, e diz tanto a respeito de quem o adota quanto a colocação contrária ou favorável.
E tampouco se trata de um ataque pessoal aos filiados, mas sim de uma crítica à postura institucional. Creio que há lugar na política para qualquer pessoa que deseja participar, mas essa participação deve ser feita através de uma atuação franca e transparente, atributos que não são muito associáveis ao PMDB atual.
*André Gomes é advogado e colaborou para Pragmatismo Político
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