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Mujica é homenageado em inauguração de nova sede da UNASUL

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Unasul inaugura imponente sede em Quito com homenagem a Pepe Mujica. Presidente uruguaio foi condecorado com a 'Ordem Nacional ao Mérito, no grau de Grande Colar”, máximo galardão equatoriano - aplausos ensurdecedores!

Mujica, o grande homenageado na inauguração da nova sede da Unasul

Frederico Füllgraf, GGN

Com inauguração, em Quito, nesta sexta-feira, 5 de dezembro, de seu edifício-sede com arrojadíssima arquitetura – em cuja construção o governo Rafael Correa gastou 43,5 milhões de dólares – e uma emocionante homenagem ao presidente do Uruguai em fim de mandato, José Pepe Mujica, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) realiza nova cúpula enfatizando o imperativo da solidariedade, complementariedade e cidadania sul-americanas.

Não poderia ter sido diferente: os dois homenageados pela cúpula da Unasul foram o argentino Néstor Kirchner – seu primeiro secretário-geral, prematuramente falecido em 2010, cujo nome batiza o edifício-sede da organização, com traços futuristas – e o uruguaio José Mujica, que deixa a presidência da República Oriental em 1° de março de 2015, mas em tempo de receber de Desi Bouterse, presidente do Suriname, a presidência pro tempore da Unasul.

A utopia segundo Mujica

Com muita saudade adiantada e um legado que pode ser sintetizado pela fórmula “o presidente-atitude” ou “o presidente-pensador”, o lendário Mujica foi de longe o grande protagonista da cúpula de Quito. Já declarado “Cidadão Ilustre da Cidade de Guayaquil” em ocasião anterior, ontem Domenica Tabacchi a bela vice-prefeita da cidade e adversária política de Rafael Correa – lembrou com inflamado discurso que “seis balaços, nem 15 anos de prisão foram capazes de inibir seu espirito guerreiro”, oferecendo a Mujica “a chave de uma porta grande, que é a do nosso coração”.

E então a coroação da homenagem: pelas mãos de Rafael Correa, Mujica foi condecorado com a ‘Ordem Nacional ao Mérito, no grau de Grande Colar”, máximo galardão equatoriano – aplausos ensurdecedores! (veja o vídeo).

Com seu jeitão de comediante distraído, El Pepe agradeceu, definindo-se como “paisano atravesado” (camponês metido, chato), “sem vocação para herói”. Dirigindo-se aos jovens, presentes ao ato em grande número, e aludindo a “tanta concentração da riqueza e tanta desigualdade social jamais vista em toda a história da Humanidade”, o presidente e ex-guerrilheiro Tupamaro alertou: “Ergam uma ideia na que acreditam, vivam para servi-la, mas não se deixem escravizar pelo mercado”. Que a América Latina seja “um continente a serviço do melhor da sociedad humana”, cobrou o uruguaio – “um continente da solidariedade, um continente, onde é bonito nascer e morrer, um continente sem ódios, sem vingança; um continente que dignifique a existência do Homem sobre a face da Terra”.

“A supremacía do ser humano sobre o capital e da sociedade sobre o mercado, deve prevalecer na América Latina”, insistiu furioso. Se não for assim, baubau – do sonho não ficará pedra sobre pedra!

Duro na queda, ele também, ao final da alocução de Mujica, Rafael Correa estava às lágrimas.

Da estabilização democrática…

Impulsionada pelo governo Lula e criada em 2008, primeiramente como contrapeso político à OEA, em seus primeiros anos de existência, a Unasul norteou-se pela máxima “roupa suja se lava em casa”, protegendo seus membros contra ingerências da OEA, fortemente partrulhada pelos EUA, e fortalecendo a institucionalidade democrática no Continente. Foi o caso de sua intervenção diplomática na crise paraguaia, com a deposição do presidente Fernando Lugo, como também seu papel negociador durante a crise interna bolíviana e, em 2013, seu apoio a Evo Morales, cujo avião ficou retido no aeroporto de Viena, por pressão dos EUA, com o risível pretexto de que mantivesse a bordo Edward Snowden, em fuga de Moscou.

…à institucionalidade continental

Seis anos após sua criação, a Unasul ganhou corpo – atualmente integrada por 12 países – e lideranças regionais mais persistentes, como Rafael Correa, cobram uma institucionalidade que – ao mesmo tempo que não abre mão de importantes competências nacionais a uma instituição supranacional, como a União Europeia – deve dotá-la de paredes e teto de uma autêntica Casa Comum dos Latino-Americanos, embrião da “Pátria Grande”, segundo o jargão bolivariano. Daí a atual movimentação em torno da instituição do Passaporte Único Sul-Americano.

Se é que se pode falar em conotação ideológica, então seu projeto político é a construção da legítima e atrasada Unidade Latino-Americana. Para impulsioná-la, seu Tratado Constitutivo previu a instalação do Parlamento Sul-Americano em Cochabamba, Bolívia, a criação do Banco do Sul, com sede provisória em Caracas, Venezuela, e a entrada em ação do Conselho de Defesa Sul-Americano, sugerido pelo então presidente Luis Inácio Lula da Silva, e aprovado em 15 de dezembro de 2008, em cúpula extraordinária da Unasul.

Mas tudo ainda muito modesto. E atrasado no tempo, até mesmo em relação à África. A América do Sul foi uma das últimas regiões do mundo a criar seu próprio forum para assuntos de segurança e defesa regional, a exemplo da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) no território da extinta União Soviética, da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) ou do Conselho de Paz e Segurança da União Africana. Talvez o atraso se deva ao fato de que, em comparação com os demais continentes, ao longo dos últimos 100 anos e salvo raros conflitos pontuais, a América do Sul prevaleceu de fato como zona de paz.

Mercosul: anacronismo com os dias contados?

Em âmbito econômico, um dos objetivos estratégicos prioritátios da Unasul foi, desde sua fundação, o estabelecimento de uma zona de livre comércio continental, abrangendo o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações, além do Chile, Guiana e Suriname.

Agora, em Quito, Ernesto Samper, ex-presidente colombiano e novo secretário-geral da Unasul, fez uma exortação ao que chama de “convergência em matéria econômica”, instando o bloco para que se posicione e assuma seu protagonismo frente a mercados como os dos EUA e Canadá, da União Europeia e da Ásia; protagonismo de que atualmente é incapaz o Mercosul, cronicamente “azarado” pelo protecionismo e as relutâncias argentinas, que emperram o avanço do Brasil, Uruguai e Paraguai, rumo a alianças econômicas que lhe sejam favoráveis.

Rafael Correa, o combativo anfitrião da cúpula, foi ao ponto: “A nova arquitetura financeira regional é nossa opção para resolver uma dos maiores paradoxos dos países do sul. Enquanto temos depositados mais de 760,0 bilhões de dólares dos nossos recursos no primeiro mundo, continuamos dependendo de investimentos estrangeiros. Devemos aprender a aproveitar nossa poupança e destiná-la ao investimento em nossa própria região”.

A cúpula de Quito foi encerrada com um compromisso político dos países-membros de implementar um programa que gira em torno de três eixos: Solidariedade, Complementariedade e Cidadanía Sulamericana.

Unasul perdeu gás com Governo Dilma

A presidente Dilma Rousseff desembarcou em Quito, cercada de rumores, segundo os quais o Brasil teria perdido interesse na Unasul, criada por sua própria iniciativa.

A especulação foi da BBC britânica, que ouviu diversos observadores e acadêmicos latino-americanos.

Segundo o cientista político argentino, Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Mayoría, o papel do Brasil “como potência global” acabou deixando seu foco regional “um pouco no segundo plano”. “O Brasil impulsionou a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), e o âmbito global passou a ter maior peso na política exterior brasileira, com seu papel nos Brics e no G20”, observou.

Ricardo Israel, ex-candidato presidencial e cientista político chileno, alfinetou: a Unasul “foi uma criação do Brasil”, mas o país “não quis exercer a liderança que lhe correspondia e a deixou nas mãos dos bolivarianos”, em uma referência a Venezuela, Equador e Bolívia.

Falando de Guayaquil, o Subsecretário-Geral para a América do Sul no Itamaraty, Embaixador Antônio José Ferreira Simões, replicou à BBC Brasil que “discorda completamente” da avaliação de que o Brasil estaria dando “menos atençao à Unasul”. “Não é verdade. A América do Sul e a Unasul são fundamentais para o Brasil. São nossos vizinhos e nossos sócios econômicos e comerciais. O Brasil sempre se dedicou e continua se dedicando com muitas iniciativas na Unasul. É o caso por exemplo da criação da cidadania da Unasul, das iniciativas tambem na área de saúde e de defesa, entre outras”, contemporizou Simões.

De todo modo, o que as observações dos vizinhos sinalizam é a falta de um projeto claro ao Itamaraty, de ações simultâneas de Política Exterior, com missões objetivas e constantes, onde a participação no tabuleiro dos global players não prejudique a presença e credibilidade no aprofundamento dos laços com a vizinhança.

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