Ranzinzices
André Falcão*
Faz uns dias, passadas as eleições, mas não imediatamente após, afastei-me um bocado das redes sociais. Pouco acessei, menos ainda compartilhei o que quer que fosse. Nem sei se foi tão sacrificado assim, sei lá, mais ou menos, talvez. Tampouco estou certo deveria ter agido assim, devo registrar, mas estava cansado. Ainda estou. Aquela foi uma campanha especialmente cansativa. Pra dizer o mínimo.
A verdade é que as tais das redes sociais, por mais que se imagine o contrário, e embora felizmente (e obviamente) não sejam só isso, são também fiéis espelhos de nossos preconceitos, ignorância (em vários aspectos, notadamente em política, história, sociologia, filosofia, economia…), superficialidade, futilidade, vaidade, racismo, xenofobismo, sectarismo, reacionarismo e, claro, de nossa hipocrisia mais desavergonhada (no sentido de uma hipocrisia turbinada com um bocado de suplemento proteico, ou anabolizante mesmo, para inchar, ou inflar, o que temos de pior, e não são os músculos, naturalmente).
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A também verdade é que ver(!) é muito incômodo — e nesse caso devo ter muita cautela e passar logo desse parágrafo, pra meu cérebro não gravar o que acabo agorinha mesmo de escrever e, imaginando que não quero ver (enxergar), pretenda tirar-me a visão; porque você sabe da força do pensamento, não é? Ver que nossa sociedade evoluiu em tantas coisas (alimentos dietéticos, vacinas e remédios, por exemplo), mas involuiu na busca do ser, e de ser mais generosa com os filhos do Deus a quem diz amar e servir… É ruim de ver.
Escrevi essas minúsculas abobrinhas-desabafo no feriado do Dia da Consciência Negra, já se vão dez dias. Nele, vi gente apoiando (ainda que aplauda o assassínio e o linchamento de ladrões e malfeitores, desde que pobres e negros), e gente, do alto de sua hipocrisia (sempre ela), com ar circunspecto e altivo defender que o importante são os “365 dias de consciência humana” (como se vivêssemos numa sociedade onde não fosse imprescindível e urgente, ainda!, a defesa intransigente e veemente dos negros e dos homossexuais, ao lado da conscientização, pela educação e pela punição, da ignorância que dissemina o preconceito mais vil e cruel contra essas supostas minorias).
Como não passavam disto — ranzinzices —, deixei-as meio que de escanteio. Relendo-as, agora, estou ainda mais convencido de que deveriam ficar onde estavam: no ostracismo do HD de meu computador. Mas como não seria ranzinza fazê-lo, trouxe-as à vida.
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político