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“Fugi do hospital para ter parto normal”

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Em um país imerso na cultura da cesárea, três mulheres contam o que tiveram de enfrentar para evitar o parto cirúrgico. Elas não queriam dar à luz em uma sala de cirurgia, mas nem todas conseguiram

Ana Carolina Elvevio, 36, fugiu do hospital em pleno trabalho de parto depois de a médica insistir que sua única opção era a cesárea. Andréa Nunes, 37, esteve em cinco consultórios até achar um obstetra que concordasse em fazer parto normal. Érica Jabour, 29, ouviu durante as contrações que não aguentaria a dor e o melhor seria optar pela cirurgia. Elas não queriam dar à luz em uma sala cirúrgica e precisaram lutar para evitar isso. Nem todas conseguiram.

Em um país imerso na cultura da cesárea, o parto normal deixou de ser o normal. De cada dez grávidas que têm filhos em maternidades particulares brasileiras, em média duas têm parto normal. Outras oito acabam numa mesa de cirurgia, sendo que apenas uma ou duas delas realmente precisavam do procedimento -cesarianas, como qualquer cirurgia, só deveriam ser realizadas em situações de emergência, o que acontece em apenas 15% dos trabalhos de parto, de acordo com uma estimativa da Organização Mundial de Saúde.

No Brasil, a taxa dessas cirurgias chega a 53%, um número alto impulsionado pelo setor privado, onde elas acontecem em 84,5% dos partos. A disparidade tem vários fatores: 1ª pressão dos hospitais para que os médicos realizem a cirurgia, que ocupa por menos tempo o espaço possibilitando mais procedimentos em um dia; 2ª pressão dos médicos para que as mães desistam do parto normal, que o obriga a ficar à disposição por mais tempo por uma remuneração parecida com a das rápidas cirurgias; e 3ª preferência da mulher, pela comodidade de se programar ou por ter sido assustada.

Após anos de denúncias de grupos de mães, que chegaram a recorrer à Justiça Federal e à Comissão de Direitos Humanos da Câmara para denunciar a epidemia de cesáreas no país, o Governo federal finalmente estabeleceu neste mês uma série de normas para tentar minimizar as dificuldades vividas por Ana, Andréia e Érica.

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Dentro de seis meses, as operadoras de saúde terão que informar publicamente suas taxas de cesáreas e de partos normais, além das taxas de seus hospitais e médicos credenciados, o que deve ajudar a gestante a escolher um profissional que se adeque a suas expectativas. As grávidas também vão receber um cartão com todas as informações do pré-natal, útil caso ela queira mudar de profissional ou decida realizar o parto com um plantonista do hospital, além de uma carta de orientação, que explicará os riscos da cirurgia desnecessária e os direitos que ela tem em relação aos serviços médicos que receberá.

Além disso, os obstetras também terão que preencher um partograma, documento que registra todas as informações detalhadas do trabalho de parto. Quando não for possível fazer o documento, uma justificativa deverá ser apresentada. O objetivo é evitar a realização de cesarianas agendadas antes mesmo que a mulher entre em trabalho de parto, uma mania brasileira que leva muitos bebês a nascerem antes do tempo.

A cesárea, quando indicada, salva a mãe e o bebê. O que não aceitamos é a existência de uma epidemia. Não se pode aceitar como normal algo que não é normal”, disse ao EL PAÍS o ministro da Saúde Arthur Chioro.

As medidas foram recebidas com relutância por entidades médicas. “O que foi proposto pelo ministro não resolve o problema. Não é o preenchimento de um partograma que vai diminuir essa taxa. Há muitas variáveis, como a cultura da própria mulher brasileira que prefere a operação”, afirma Jarbas Magalhães, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo (Sogesp).

A preferência pela cesárea é, de fato, um dos maiores desafios para o sucesso das medidas, já que quando a mãe optar pela cirurgia o procedimento deverá ser realizado. Na última segunda-feira, a reportagem esteve na porta do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo, e conversou com cinco grávidas que saiam do local. Todas elas afirmaram que iriam fazer a cesárea porque achavam o procedimento mais seguro e menos doloroso. “Resolvi fazer cesárea por opção mesmo. Estou agora com 38 semanas, é o meu primeiro filho e decidi mais por receio. Não quero sentir dor. O médico expôs as duas possibilidades, mas realmente preferi a cesárea”, afirmou a cabeleireira Solange Ramiro, de 26 anos.

Uma pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz no ano passado, chamada Nascer no Brasil, mostrou pela primeira vez o que leva as mulheres brasileiras até o tipo de parto que tiveram. O levantamento mostrou que 29% das gestantes optaram pela cirurgia. Entre os principais argumentos dados por elas estava o medo da dor do parto vaginal. “Esse medo não é a toa. A forma como esse parto é feito no país é, de fato, muito dolorosa porque ele é cheio de intervenções. É um medo associado com a má qualidade da assistência ao parto”, afirma Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa.

No Brasil, as mulheres chegam ao hospital e logo vão para o soro e para a cama. No soro, se coloca a ocitocina, um medicamento usado para acelerar o trabalho de parto. Isso aumenta muito as contrações e a dor. Presa ao soro, ela tem que ficar deitada, não pode se aliviar com outras medidas como banho de água quente ou caminhadas”, explica. Os relatos dessa tortura vivida durante o parto passam de uma mulher para outra, reforçando a ideia de que a cesárea é mais segura e menos dolorosa. Por isso, especialistas dizem que as maternidades têm que se adequar.

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É isso que queremos”, afirma. Um projeto-piloto do ministério e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), feito em parceria com o hospital Israelita Albert Einstein, onde apenas 24% dos partos são normais, trabalha para criar um modelo de atendimento mais humanizado na rede privada. A movimentação é também uma resposta a uma demanda crescente de mães de classe média e classe média alta que fazem campanha por parto normal e humanizado. A ideia é replicar o projeto, depois, para outros 20 hospitais. “As maternidades estão se adequando justamente porque as mulheres estão exigindo melhores condições de atendimento”, ressalta a gerente de assistência à saúde da ANS, Karla Coelho.

“A médica disse: ‘você assinou o atestado de óbito do seu filho”

Na primeira gestação, Ana Carolina Wiechmann Elvevio, de 36 anos, considera que teve seu “parto roubado”. Então com 19 anos e parte de uma família em que a cesariana sempre foi a primeira escolha _a ser feita com o médico da família_, ela passou por um trauma ao ver sua vontade por um parto normal não se concretizar. “Minha mãe combinou com o médico e marcou minha cesárea sem eu saber. Fui para uma consulta e acabei no centro cirúrgico. Fiquei brava, entrei em depressão. Ela fez isso porque dizia ter medo de parto normal, porque uma prima do meu pai tinha morrido.”

Por isso, ao engravidar pela segunda vez, Ana decidiu que ninguém tiraria seu direito de ter um parto normal. Arrependida, sua mãe, inclusive, a ajudou a buscar outros médicos. “Era 2002 e não havia muita informação sobre partos humanizados. Durante a gestação, troquei de médicos diversas vezes porque não sentia confiança de que eles não tentariam a cesárea. Com 40 semanas de gravidez ainda não tinha um obstetra”, conta ela. “Descobrimos um dos poucos hospitais em São Paulo que fazia a propaganda de ter parto humanizado. Quando entrei em trabalho de parto, fomos para lá. A bebê já tinha feito o mecônio [primeiras fezes] e a médica decidiu fazer uma cesárea. Mas eu sabia que mecônio não era motivo para a cirurgia e insisti que não faria”, diz.

Indignada com a insistência da paciente, a obstetra expulsou Ana Carolina da sala para conversar apenas com o marido dela. Mas o casal decidiu que não ficaria mais ali e foi embora. “Ela me entregou um papel para assinar, em que eu dizia me responsabilizar pela decisão. Quando assinei, ela disse: ‘você está assinando o atestado de óbito do seu filho’”, conta. Em pleno trabalho de parto, com dores profundas, os dois percorreram 30 quilômetros até um hospital próximo da casa dela. “Cheguei lá e tinha um anjo de uma médica. Depois de 11 horas, consegui finalmente ter meu tão sonhado parto. Foi uma grande luta, mas eu consegui”, comemora. Cinco meses depois, ao engravidar do terceiro filho, ela decidiu evitar todo esse estresse e optou por um parto domiciliar. “Decidi não sair mais de casa e foi perfeito”, diz.

“Queria o parto normal, mas não a qualquer custo”

A opção pelo parto normal transformou a gravidez da advogada Andréa Nunes, de 37 anos, em uma “saga” por consultórios para encontrar um médico que respeitasse a sua decisão. “Passei por cinco médicos diferentes. A maioria fala que faz, mas no final inventa uma desculpa e te induz a realizar a cesárea”, explica. A advogada escutou de um deles que “era um absurdo a mulher ficar 12 horas em trabalho de parto, se ele poderia resolver tudo em duas horas”.

Andréa sentia que, na maioria das vezes, pela forma que os especialistas conduziam as consultas, eles não estavam preocupados em analisar o que seria melhor para ela e o bebê, e sim o que lhes parecia mais conveniente e lucrativo. A advogada resistiu o quanto pôde, mas só conseguiu achar uma médica, em Santo André, disposta a respeitar a sua vontade fora do convênio de saúde. Resolveu manter dois especialistas, um do plano de saúde para fazer os exames e pedir atestados e a outra que foi quem, em setembro do ano passado, realizou o parto, que terminou sendo uma cesariana. Após 10h30 de trabalho de parto, como a dilatação de Andréia não evoluiu, mesmo com indução, e a bolsa estava com muito mecônio (material fecal do bebê), a médica indicou a cesárea. “Não queria colocar o bebê em risco. Queria o parto normal, mas não a qualquer custo. Chorei muito na sala de cirurgia por não ter conseguido, mas não podia colocar a vida da minha filha Surya em risco”.

“Entre uma contração e outra, eu implorava por um parto normal”

A doceira Érica Jabour, de 29 anos, sempre imaginou que optaria por uma cesárea quando engravidasse. “Eu era o tipo de pessoa que acreditava e apoiava a cesariana para fugir da dor mesmo. Mas, quando engravidei e comecei a me informar melhor, passei a ser uma ativista da causa do parto normal e percebi que havia uma máfia contra essa opção”. Érica conta que, em abril de 2013, teve que discutir com o obstetra em pleno trabalho de parto, que durou mais de 22 horas, para convencê-lo que não queria uma cesárea. “As primeiras 15 horas foram de muita dor e me sentia frustrada, porque o médico disse que só iria para o hospital e liberaria a analgesia quando minha dilatação fosse de 7 cm. Mas a dor física e da frustração se potencializaram tanto que, quando ainda estava com 6,5 de dilatação, quase desisti do parto natural.”

Érica resolveu falar para o médico que queria fazer uma cesárea como tática para que ele viesse rápido para o hospital. “Eu mal tinha consciência do que estava fazendo”, conta. Duas horas depois, o obstetra chegou e explicou que era provável que ela não conseguisse suportar a dor do parto. “Entre uma contração e outra, eu e o meu marido insistíamos para que fosse aplicada uma analgesia de parto normal. Estávamos juntos com a doula implorando pelo parto normal. Eu lutei muito para chegar até ali e acabei ganhando. O médico acabou cedendo.”

No entanto, Érica explica que quando a bolsa estourou, começou a perder a sensibilidade do pé e das pernas. “O anestesista ao invés de analgesia fez bloqueio para que eu ficasse pronta para uma cesárea. Eles realmente não acreditavam que eu ia dar conta. Por fim, tive parto normal, mas ainda não foi como eu queria”, lamenta. O pós-parto tampouco foi o idealizado pela doceira, que teve que aguardar sozinha em uma sala de espera para ser transferida para um quarto. “Fiquei ali desamparada, com uma prancheta, sem conforto e lutando para ficar acordada. Tive meu filho Erick às 2h da manhã e só consegui vê-lo outra vez às 11h30. Não tenho dúvidas de que em uma próxima gravidez, caso tenha condições financeiras, tentarei um parto domiciliar.”

Talita Bedinelli e Heloísa Mendonça, El País

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