Cauê Madeira, Brasil Post
Mais essa agora! Acabo de desligar o telefone após longa conversa com um amigo meu, médico-obstetra. Ele está revoltado com os desmandos desse governo. Pois agora, depois da absurda medida que trouxe médicos estrangeiros para nossa pátria amada Brasil, querem acabar de vez com seu ganha-pão: criaram novas normas para estimular o parto normal. Como primeira atitude, os planos de saúde poderão deixar de pagar por cirurgias cesarianas desnecessárias.
Desnecessário, para o governo, é todo parto cirúrgico agendado. Caramba, e como fica o meu amigo? E o obstetra que fez o parto da minha primeira filha? Coitados, eles também são gente.
Qual é a medida agora? Respeitar as regras do corpo da mulher? Esperar um trabalho de parto por horas e horas? Como fica a vida social do meu amigo? Não dá, isso vai prejudicar a atribulada agenda dele, com dez a quinze partos agendados por semana, tudo bonitinho. Essa história é muito caótica, ele tem contas a pagar, afinal de contas. E se um bebê resolve nascer no meio de suas férias no Caribe, como é que fica?
Meu amigo está muito ofendido, pois Arthur Chioro, o ministro da Saúde, chamou de epidemia a quantidade de cesáreas que vêm ocorrendo no país. Só porque 84,5% dos partos na rede privada são cirúrgicos. A Organização Mundial da Saúde – OMS recomenda no máximo 15%, mas quem confia nela, não é mesmo? É a mesma organização que diz que o ideal é que se amamente até os dois anos de idade, mas alguns médicos não se fazem de rogados em mandar tascar o leite em pó no bebê aos quatro meses, não é isso? Ah, não dá pra confiar, prefiro continuar ouvindo o médico da minha família, o mesmo que mandou ela tomar suco de laranja aos três meses para já se acostumar.
Minha filha, por exemplo, nasceu de 36 semanas, em um parto cirúrgico agendado. Pela idade gestacional ela poderia ser considerada quase prematura.
Ao ser arrancada da barriga da minha mulher ela não chorou. Talvez quisesse dormir mais um pouquinho. Mas não tem problema, meu amigo explicou que Deus ajuda quem cedo madruga.
Quem quer uma filha preguiçosa?
Claro, ela teve uns probleminhas respiratórios por causa disso, precisou ficar 14 horas longe dos pais. Infelizmente isso impossibilitou que pudéssemos pegá-la no colo no momento do nascimento. Ela ficou no oxigênio o tempo todo e minha esposa, impossibilitada de se levantar por conta da cirurgia, só pôde vê-la no dia seguinte, enquanto todos os parentes já tinham visitado o berçário e conhecido nossa filha.
Mas como meu amigo disse, ossos do ofício… “Ela tá bem hoje, não tá?”. É verdade. Ela está. Mas ouvi dizer que parto cesariana triplica o risco de morte materna e aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido (como minha filha teve). “Isso é coisa de esquerdista, intriga dos opositores“, bradou meu amigo.
Para ele, o parto cesárea agendado é melhor pra todo mundo.
É melhor para ele, que consegue deixar a agenda organizadinha, bem como a conta bancária. É melhor para os parentes, que conseguem se preparar para vir em caravana visitar o bebê. É melhor para a família, que consegue montar o enxoval em Miami sem dor de cabeça. Só não é muito bom para o bebê. Nem para a mulher. Como minha esposa, que teve uma leve hemorragia na hora da cirurgia, e que por isso me deixaram na sala de espera, sem poder vê-la, em cerca de 90% do procedimento. Quando cheguei à sala de parto minha filha já estava nascendo.
Basicamente, não acompanhei nada. Nem ela, que estava passando mal e não podia virar de lado para se livrar das náuseas.
O parto normal é muito bom, mas é quase impossível de atingir as condições ideais. O bebê pode estar sentado, o cordão umbilical pode estar enrolado no pescoço dele, a mãe pode desenvolver a bactéria streptococcus. Aí não tem jeito, tem que ser cesárea, disse meu amigo.
Estranhei um pouco, pois já tinha lido que nenhuma dessas situações tornava obrigatório um procedimento cirúrgico. E mais, expliquei a ele que 70% das mães em início de gestação têm preferência pelo parto normal, mas que acabavam em uma cesárea no fim das contas, provavelmente convencidas “amigavelmente” por alguém. Talvez pelo médico? Meu amigo ficou nervoso com essa suposição.
Pedi para colocar a mão na consciência. Veja bem, meu amigo, procure entender.
Expliquei para ele a situação da minha família. Nosso obstetra, por exemplo, falou que o parto normal era uma maravilha mesmo, e que ele sabia como conduzir um. Mas conforme a gestação avançou, foram surgindo vários pequenos motivos para que não ocorresse. E nós, pais de primeira viagem, sem muita orientação, acreditamos. Aliás, ficamos com medo. Pois o ponto não é dar uma escolha: é amedrontar mesmo. É fazer parecer que a escolha é nossa. Ou, como ele mesmo disse, “se fosse minha filha, eu faria cesárea“. Aí não tem como fazer diferente, né?
Claro, depois descobrimos que era tudo balela. Que todos os partos que ele fez e faz são cesáreas, assim como os do meu amigo obstetra. Nisso ele murchou um pouquinho. Por fim, revelou: eu não sei mais como se conduz um parto normal. Esqueci. Mas é que cesárea realmente é melhor, me disseram na faculdade.
Não tenho dúvidas, meu amigo.
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