Oportunistas da mídia brasileira se comparam a mortos do Charlie Hebdo
Oportunistas da mídia brasileira ultrapassam os limites da mediocridade e tentam se vitimizar às custas da tragédia alheia. Revista Veja, Rachel Sheherazade e Diogo Mainardi chegaram ao ponto de se comparar aos cartunistas assassinados do Charlie Hebdo
James Cimino, Ladobi
Não há nada mais nojento do que o oportunismo que uma parte espúria da imprensa brasileira tem feito em relação ao lamentável ataque terrorista à redação da revista francesa Charlie Hebdo, que nesta terça-feira (7) resultou na morte de 12 pessoas, entre elas dez jornalistas e dois policiais.
Valendo-se de uma paralelismo canalha, oportunistas alçados à categoria de colunistas tentam agora associar a presidente Dilma Rousseff ao que aconteceu em Paris (como se em algum momento ela tivesse se declarado uma entusiasta do terrorismo) e comparam-se aos cartunistas do periódico francês – algo que só faz sentido na cabeça de pessoas sem qualquer capacidade de autocrítica.
É claro que estou falando da revista Veja e de seus asseclas Diogo Mainardi (hoje em blog próprio) e Felipe Moura Brasil (aquele que disse que homossexualidade era um tipo de neurose e que ninguém nasce gay), que em artigos escritos no dia da tragédia tentam, de maneira ofensiva à memória dos mortos, colar em si a pecha de perseguidos ou de vítimas de uma suposta censura terrorista, mesmo tendo a liberdade de atacar diariamente não apenas o governo como grupos que lutam pelo direito de ter seus direitos humanos respeitados. Felipe Moura Brasil, depois de defender Sheherazade e argumentar que todos os blogs que discordam dele são pagos pelo PT, ataca: “Os ataques petistas à liberdade de imprensa são movidos pela mesma intolerância à divergência, à crítica, à sátira que move os terroristas islâmicos, guardadas as diferenças de método e grau de criminalidade com que a colocam em prática”. Mainardi foi mais sucinto:
“Não se deve negociar com os fascistas”. Stéphane Charbonnier, editor-chefe do Charlie Hebdo, assassinado hoje em Paris, a propósito dos terroristas islâmicos.
“A melhor forma é o diálogo”. Dilma Rousseff, presidente do Brasil, sugerindo negociar com os mesmos terroristas.
Desculpem, mas Veja não é Charlie, assim como Diogo Mainardi não é Charlie, nem Rachel Sheherazade, a quem Felipe Moura Brasil tentou arregimentar ao rol de vítimas em um de seus artigos infantis, para dizer o mínimo. Rodrigo Constantino e sua homofobia implícita em artigos canalhas tampouco são Charlie. Os pastores Marco Feliciano e Silas Malafaia também não. Nem Jair Bolsonaro, embora esses três últimos adorem se munir do artigo 5º da Constituição para defender seus pontos de vista fascistas – quando conveniente, claro…
Porque para ser Charlie é preciso, antes de qualquer coisa, coragem. E não apenas a coragem de ser irreverente e às vezes até ofensivo. Mas coragem de defender, acima de tudo, aqueles que são oprimidos.
E, neste sentido, se tem alguém que não é Charlie é a revista Veja. Aliás, se há algum paralelismo a ser feito entre esta publicação e os fatos ocorridos em Paris é com os terroristas, já que a especialidade desta revista é praticar terrorismo travestido de jornalismo. Estes artigos, que só faltam colocar um fuzil na mão da presidente da República, são um exemplo perfeito disso. Não apenas pela leviandade da afirmação, como pela hora mais que inoportuna.
Especialmente vindo de uma revista que apoia a “liberdade de expressão” de fundamentalistas religiosos, mesmo que não declaradamente (porque é covarde). Os mesmos “cristãos” que, se pudessem, fariam com o Porta dos Fundos a mesma coisa que os terroristas fizeram com o Charlie Hebdo. Ou será que eu estou mentindo quando digo que o pastor Marco Feliciano já tentou censurar os vídeos do coletivo de humor que satirizam a Bíblia? Ou será que eu estou mentindo quando digo que a revista apoia o discurso de incitação ao crime pelo qual Rachel Sheherazade foi processada?
Para ser Charlie, a Veja e seus colunistas, assim como Sheherazade, teriam que, antes de tudo, fazer um jornalismo contrário à opressão social. Contrário ao elitismo. Contrário ao conservadorismo. Contrário à homofobia que já expressou em suas páginas. Contrário a quase tudo o que ela faz. Portanto, vitimizar-se às custas da tragédia alheia não faz desta revista e de seus colunistas necessariamente vítimas. Se Dilma, que foi torturada em nome da liberdade, não é Charlie, a Veja tampouco é. Acredito que um dia já foi, quando assim como a presidente lutava pela liberdade de imprensa e pela restauração da democracia em um país sob ditadura militar. Mas hoje não é mais.
Aliás, querer ser protagonista do sofrimento alheio é uma ofensa não apenas às verdadeiras vítimas da tragédia lá na França. É também uma ofensa aos verdadeiros jornalistas que lutam para que seu trabalho tenha algum efeito positivo na sociedade, como fazia (e continuará fazendo) o Charlie Hebdo.
E se formos fazer uma análise bem fria, nenhum veículo da imprensa brasileira é Charlie. Nenhum veículo de comunicação neste país teria colhões para publicar a charge em apoio ao casamento igualitário que ilustra este texto, ou qualquer outra das charges do Charlie Hebdo. NENHUM.
Como bem disse o Rafael Campos Rocha sobre a morte do cartunista Wolinski: “quem o matou foi mais um desses patrulheiros filhos da puta, para o qual a causa (seja religiosa, política ou de gênero) não serve para LIBERTAR, mas sim para COIBIR, CASTRAR e DESTRUIR, além de, é claro, manter a sociedade de exploração, que vocês, moralistas de merda, precisam para continuar transformando a vida dos outros em um inferno”.
Portanto, vamos nos recolher à nossa tepidez, à nossa insignificância global, lavar os copos, contar os corpos e sorrir, porque ainda estamos vivos e ainda podemos tentar seguir o exemplo de jornalismo (e até de ativismo) que o Charlie Hebdo deixou.
“Vous n’êtes pas Charlie! Vous n’êtes pas du tout Charlie!”
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