Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa percorreu um caminho que a tirou das trevas da destruição e a devolveu à civilização humana, mas esse caminho acabou; agora, essa península da Ásia que foi tão influente no mundo nos últimos cinco séculos precisa virar a página da “reconstrução” do pós-guerra e iniciar a página da integração não-autoritária com o resto do mundo, e a vitória do Syriza na Grécia pode ser o estopim desse processo
Nicolas Chernavsky*
Observando-se a história da democracia europeia, pode-se fazer uma distinção bastante clara entre alguns movimentos políticos recentes, como o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, e os outros movimentos políticos que algumas vez tiveram chances reais de liderar o governo de um país europeu. Uma vez que a Grécia vai ter eleições parlamentares neste domingo, não há melhor momento para analisar estes movimentos do que agora, até porque há grandes chances do líder do Syriza, Alexis Tsipras, ser o novo primeiro-ministro grego, e com maioria absoluta de seu partido no parlamento.
Que ideia está por trás do Syriza e do Podemos? Lá no fundo, o que caracteriza estes movimentos políticos? Sim, é verdade, ambos são canalizados por líderes supercarismáticos, como Alexis Tspiras e Pablo Iglesias. Mas estes líderes são justamente canais para algo mais, para uma ideia. Que ideia é essa? Para responder a essa pergunta é preciso olhar um pouco mais atrás no tempo, ainda mais atrás do que a Segunda Guerra Mundial. Aliás, bem mais atrás.
Nos últimos cinco séculos, a Europa dominou o mundo. Mesmo que há algumas décadas os Estados Unidos tenham assumido o protagonismo nesse papel, este país tem uma fortíssima influência europeia (apesar de que, de fato, há diferenças importantes com a Europa). Assim, com o fim do domínio árabe na península ibérica e o início de um período em que a China passou a ter um perfil mais baixo no panorama global, a Europa, especialmente a partir do século XVI, assumiu o protagonismo mundial. Hoje vivemos a volta da China como potência mundial de primeiro nível, além de outros movimentos de médio prazo em relação à ascensão da Índia e da América Latina (sendo que esta última não deixa de ter forte influência europeia, assim como os Estados Unidos). O fato é que, geograficamente, o fim do domínio europeu do mundo vai ficando óbvio. A península da Ásia que interessantemente é considerada por muitos um continente precisa aceitar essa realidade, aliás, muito bem-vinda.
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Mas e quanto às pessoas que moram na Europa? Como elas estão lidando com esse processo? Até o surgimento de movimentos como o Syriza e o Podemos, parecia não haver uma liderança política na Europa que entendesse este processo suficientemente. Os líderes europeus em geral ficavam discutindo como a Europa poderia sair da crise econômica e social em que se encontra sem falar do fato de que os lucros advindos do domínio do resto do mundo fluem cada vez com menos intensidade relativa para a península. Um símbolo desse processo foi que um país europeu, pertencente à União Europeia e à Zona do Euro, a Grécia, foi tratada pela própria Europa da forma que estava reservada às regiões do mundo dominadas. Foi a gota d’água: a Europa percebeu que o ciclo da dominação do mundo se esgotou, já que a Europa começava a “dominar” a própria Europa!!!
O Syriza, sob a liderança de Alexis Tsipras, tem condições de ser o estopim para um movimento de larga escala na Europa, no sentido da ascensão de governos que implementem uma nova relação da Europa com o resto do mundo, não mais de dominação, mas de integração muito mais igualitária. Só isso poderá tirar a Europa da crise econômica e social atual, permitindo que a península colabore com o resto do mundo no sentido de construir um sistema econômico mais adaptado ao desenvolvimento tecnológico da humanidade neste século XXI. Bem-vinda, Europa, a um novo tempo rumo ao futuro, com novos líderes, como Alexis Tsipras.
*Nicolas Chernavsky é jornalista formado pela Universidade de São Paulo (USP), editor do Cultura Política e colaborador do Pragmatismo Político
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