Parecer que defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff por omissão no caso Petrobras foi pedido pelo advogado do Instituto FHC. Líder tucano conta com um "golpe paraguaio", a exemplo do processo jurídico-midiático-parlamentar relâmpago que derrubou Fernando Lugo no Paraguai
O parecer elaborado pelo advogado Ives Gandra da Silva Martins que defende a hipótese de impeachment de Dilma Rousseff foi encomendado por um advogado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que faz parte do conselho do Instituto FHC.
José de Oliveira Costa nega que o documento tenha caráter político: “Não tenho ligação nenhuma com o PSDB. Nem sei onde fica o diretório.”
No parecer, Ives Gandra afirma que, os crimes culposos de imperícia, omissão e negligência estão caracterizados na conduta de Dilma, tanto quando foi presidente do Conselho da Petrobras, quanto agora como presidente da República.
Segundo ele, o documento é “absolutamente técnico”. ‘Para mim, é indiferente se o cliente é o Fernando Henrique Cardoso ou uma empreiteira’.
Questionado, FHC afirmou que, “neste momento”, o impeachment “não é uma matéria de interesse político”.
No entanto, em artigo publicado neste fim de semana, FHC explicitou suas intenções. Disse que o trabalho que antes era feito pelos militares, para remover governos, hoje cabe ao Poder Judiciário. No texto, FHC defendeu a punição aos mais altos hierarcas do País.
O jornalista Ricardo Kostscho vê “golpe paraguaio” (a exemplo do que aconteceu no Paraguai com o ex-presidente Fernando Lugo) no posicionamento de FHC. Leia abaixo o texto de Kotscho:
Foi dada a largada. Em caudaloso artigo publicado domingo no Estadão, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu a senha: como não há clima para um golpe militar, a derrubada do governo de Dilma Rousseff deve ficar por conta do Judiciário e da mídia, criando as condições para votar o impeachment da presidente no Congresso Nacional o mais rápido possível.
“Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde que efetivamente culpados”, conclamou FHC. O ex-presidente já vinha conversando sobre isso com outros tucanos inconformados, ainda discretamente, desde a noite da vitória de Dilma, no segundo turno, em outubro do ano passado. Sem paciência para esperar as próximas eleições presidenciais, em 2018, após quatro derrotas seguidas, FHC, aos 83 anos, resolveu colocar o bloco na rua e convocou a tropa, sem medo de dar bandeira.
O primeiro a responder prontamente ao chamado foi o sempre solícito advogado Ives Gandra Martins, 79 anos, que já na terça-feira apresentou a receita do golpe no artigo “A hipótese de culpa para o impeachment”, publicado pela Folha, em que o parecerista aponta os capítulos, parágrafos, artigos e incisos para tirar Dilma da presidência da República pelas “vias legais”.
Candidamente, Martins explicou na abertura do seu texto: “Pediu-me o eminente colega José de Oliveira Costa um parecer sobre a possibilidade de abertura de processo de impeachment presidencial por improbidade administrativa, não decorrente de dolo, mas apenas de culpa. Por culpa, em direito, são consideradas as figuras de omissão, imperícia, negligência e imprudência”.
E quem é o amigo José de Oliveira Costa, de quem nunca tinha ouvido falar? Graças ao repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha, ficamos sabendo nesta quarta-feira a serviço de quem ele está nesta parceria com o notório Gandra Martins, membro atuante da Opus Dei e um dos expoentes da ala mais reacionária da velha direita paulistana .
“Sou advogado dele”, explicou Costa ao repórter, referindo-se, também candidamente, ao seu cliente Fernando Henrique Cardoso, um detalhe que Martins esqueceu de apresentar na justificativa do seu parecer a favor do impeachment de Dilma.
Conselheiro do Instituto FHC, o até então desconhecido advogado negou, porém, que a iniciativa da dupla tenha qualquer caráter político. FHC, claro, disse que só ficou sabendo da operação pelo jornal. São todos cândidos, estes pândegos finórios, que estão brincando com fogo, em meio à mais grave crise política e econômica vivida pelo país desde a redemocratização.
Para saber com quem estamos lidando, o currículo acadêmico de Ives Gandra Martins, um advogado tributarista, apresenta assim o autor, no rodapé do artigo: “professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra”. Universidade Mackenzie, só para lembrar, foi o berço do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, que teve papel de destaque nos embates pré e pós-golpe de 1964.
Juntando as pontas, temos a montagem da versão nativa-chique do “golpe paraguaio”. Sem a participação de militares, em junho de 2012, um processo jurídico-midiático-parlamentar relâmpago derrubou o presidente Fernando Lugo, democraticamente eleito, como Dilma. A favor do impeachment, a goleada foi acachapante: 39 a 4, no Senado, e 73 a 1, na Câmara.
Vejam a escalada da marcha aqui:
* Domingo, 1º _ O artigo de FHC dando as coordenadas à tropa: “Neste momento”, o impeachment, “não é uma matéria de interesse político”. Qual será o momento certo? É só uma questão de tempo para algo já dado como inexorável, como se fosse a coisa mais natural do mundo derrubar uma presidente eleita?
No mesmo dia, a presidente Dilma Rousseff sofreria a maior derrota política no Congresso Nacional, desde a primeira posse, com a eleição para a presidência da Câmara do deputado dissidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um desafeto do seu governo, que se transformou em líder suprapartidário da oposição. Rachou e derreteu a ampla maioria que a base aliada tinha na Câmara, a nova articulação política do governo revelou-se um desastre e o PT ficou isolado, assim como Dilma já estava.
*Terça, 3 _ O artigo-parecer de Ives Gandra Martins, atendendo à convocação de FHC. “Meu parecer é absolutamente técnico. Para mim, é indiferente se o cliente é o Fernando Henrique Cardoso ou uma empreiteira”, explicou o advogado. Claro, claro, tanto faz. Mas quem é, afinal o cliente? Quem pagou a conta? Candidatos a assumir este papel certamente não faltam.
À tarde, Dilma acertou, finalmente, para os próximos dias, a saída de Graça Foster e de toda a diretoria da Petrobras, após ver durante meses a maior empresa do país sangrando em praça pública. Falta encontrar quem aceite assumir a herança. A produção industrial sofre queda de mais de 3% em 2014, os grandes bancos anunciam lucros recordes e o governo estuda parcelar em 12 vezes o abono de um salário para quem ganha até dois mínimos.
A verdade é que Dilma também não ajuda nada na defesa do seu governo. Ao contrário, só leva água ao moinho dos conspiradores que estão saindo da toca.
Para completar, à noite, como já era esperado desde domingo e admitido por Eduardo Cunha, a oposição, com o apoio de 186 deputados, protocolou na Câmara o pedido para a instalação de uma nova CPI da Petrobras.
Está pronto o roteiro para os historiadores do futuro montarem a gênese deste dramático início do governo Dilma 2. O “golpe paraguaio” está em marcha, à espera das “condições objetivas”, como diriam os cientistas políticos nos tempos em que FHC era só professor.
A seguir nesta batida, se nada mudar na condução do governo, o desfecho certamente não será bom nem bonito para a democracia brasileira.
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