Aplaudido de pé, José Mujica discursou no ato comemorativo pelo aniversário de 35 anos do PT: “Vocês são a alma do Brasil”, disse o presidente do Uruguai
Ivan Longo, Revista Fórum
O ato comemorativo pelo aniversário de 35 anos do Partido dos Trabalhadores (PT), realizado na noite da última sexta-feira (6) em Belo Horizonte (MG), contou com uma presença ilustre. Adorado por petistas e até mesmo antipetistas, o presidente do Uruguai, José Mujica, compareceu ao evento. Ao lado da presidenta Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula, do presidente nacional da sigla, Rui Falcão, e de diversas outras lideranças do partido, uruguaio viu uma militância fervorosa, de mais de mil pessoas, lotar o auditório do Minascentro para comemorar a data que rememora a fundação do PT.
Sob os gritos de “Mujica, Mujica!” e “Chora, imperialista. A América Latina vai ser toda socialista”, o presidente mais popular da região subiu ao púlpito para um discurso repleto de elogios e conselhos ao partido brasileiro, com o qual mantém afinidade desde os anos 70. “Quem diria que o Pepe, nosso companheiro de lutas, seria presidente e eu, governador”, afirmou, um pouco antes, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Em sua fala, Mujica enalteceu os esforços dos governos petistas em aproximar o Brasil do restante do continente e atentou para a necessidade, cada vez maior, de uma integração latino-americana. “Pertencemos a uma nação de duas línguas e um coração”, filosofou, aconselhando ainda que o PT “tenha a consciência da responsabilidade que o futuro do Brasil tem para o futuro deste continente”.
Para o presidente uruguaio, que acaba de eleger seu sucessor, Tabaré Vázquez, a maior necessidade hoje, diante da conjuntura de empoderamento dos trabalhadores, é mudar a cultura deste setor da sociedade. “Queridos companheiros do PT, temos que mudar o mais difícil, a cultura dos trabalhadores, porque eles têm que consumir a cultura de seus dominadores”, aconselhou.
Aplaudido de pé pelos amigos do PT e pela fervorosa militância presente, Mujica ainda teceu mais conselhos ao partido que considera a “alma do Brasil˜ e que, para ele, está promovendo uma verdadeira revolução. “Não se sintam os patrões do Brasil. Vocês são a alma do Brasil (…) Cuidem do partido de vocês, pois só o partido pode seguir com a revolução, que não se constrói de um dia para o outro”, afirmou.
Lula
O ex-presidente Lula, que naturalmente figurou entre os mais aplaudidos do evento, fugiu do habitual e, em vez de improvisar, como de praxe, leu um discurso pronto. Em sua fala, o primeiro presidente eleito pelo Partido dos Trabalhadores enalteceu o legado da legenda resgatando fatos, momentos e dados.
“Quantos partidos políticos chegaram aos 35 anos de existência com uma história de lutas e conquistas tão rica como a do Partido dos Trabalhadores? (…) A história do PT é nosso maior patrimônio, e essa história ninguém pode nos tirar (…) Nós temos de nos orgulhar de um governo que tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza, que criou mais de 21 milhões de empregos com carteira assinada, que conseguiu incluir mais de 40 milhões na classe média”, lembrou.
Interrompido constantemente pelos aplausos e saudações da militância, Lula aproveitou também para tecer críticas aos opositores e responder às tentativas dos adversários e grande imprensa de associar o PT aos casos de corrupção. “Não têm, nunca tiveram, autoridade para falar em nome da ética, mas é nesse campo que tentam desesperadamente nos atingir. Eles, que jamais investigaram a fundo uma denúncia de corrupção. Eles, que varriam escândalos para debaixo do tapete. Eles, que alienaram o patrimônio da Nação ‘no limite da irresponsabilidade’. Foi o governo do PT que acabou com a impunidade que eles cultivaram por tanto tempo. Nenhum outro governo fez mais para combater a corrupção nesse país”, disse.
Ainda sobre a questão da corrupção, Lula fez questão de deixar claro o compromisso do partido com as investigações em relação à Petrobras e aproveitou para, mais uma vez, alfinetar os rivais políticos. O ex-presidente chegou, inclusive, a comparar a narrativa relacionada a este caso com o que foi feito com a Ação Penal 470, batizada pela mídia tradicional de “mensalão”. “Estamos assistindo à repetição de um filme com final conhecido. Pessoas são acusadas, por meio da imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual somente alguns têm acesso. Não há contraditório, não há direito de defesa. E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça, o pré-julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já foram escolhidos e bastará apenas executar a sentença”, ironizou, adicionando ainda que “foi o governo deles quem tentou destruir a Petrobras”.
“A verdade – e isso está nos autos da investigação, mas não está nos jornais nem na TV – é que havia corrupção nos contratos que a Petrobras assinou com empresas estrangeiras no tempo deles. E isso nunca foi investigado. A verdade é que, apesar de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o PT nesse processo, nenhuma doação ilegal, nenhum desvio para o partido”, completou.
Lula também marcou posição quanto aos rumos do atual governo.”O Brasil venceu mais uma vez, mas a luta não acabou. Nossos adversários não podem dizer qual é o seu projeto; porque é antinacional, contrário ao desenvolvimento, é um projeto que exclui milhões de pessoas do processo econômico e social”, argumentou.
Renovação e resgate das origens
O ex-presidente não se limitou, em seu discurso, a enaltecer os feitos do partido e atacar a oposição. Ele admitiu, em um discurso que poucos esperavam, um desgaste na legenda, uma aproximação em termos de modus operandi a outros partidos e uma necessidade urgente de resgate de seus princípios, acompanhada de uma renovação adequada à nova realidade do país.
Para isso, chegou, inclusive, a ler trechos do manifesto de criação do partido para ilustrar qual o norte que se deve seguir daqui para frente, em um momento de esgotamento e crise política. “O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia a dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias”, diz o manifesto, lido por Lula e publicado em 1980.
Para o ex-metalúrgico, o PT vem se tornando um partido de gabinete, como todos os outros, por conta de vícios que a máquina política impõe. Daí a necessidade da renovação da sigla que, para ele, atingiu o seu limite. “O verdadeiro problema do PT é que ele se tornou um partido igual aos outros. Deixou de ser um partido das bases para se tornar um partido de gabinetes. A estrutura à disposição de um deputado é maior do que a de um diretório estadual do partido. A estrutura dos cargos de governo também”, observou. “Ao longo do tempo, isso alterou a vida interna do partido. Há muito mais preocupação em vencer eleições, em manter e reproduzir mandatos, do que em vitalizar o partido (…) É nesse ambiente que alguns, individualmente, cometem desvios que nos envergonham diante da sociedade e perante a história do PT (…) Não é fenômeno é inédito. Aconteceu historicamente com grandes partidos populares ao redor do mundo. Mas penso que esse processo chegou ao limite no PT. Não podemos esquecer que o PT, como já disse, nasceu para ser diferente.”
Diante dessa situação, o principal líder do partido acredita que hoje a necessidade seja de entender as novas demandas da sociedade de forma alinhada com os princípios de igualdade e participação popular da sigla. “Temos a oportunidade histórica de elaborar um novo Manifesto do PT, capaz de traduzir nossos compromissos para os dias de hoje e para os próximos 35 anos. Isso exige humildade e coragem de cada um. Humildade para reconhecer o que é preciso mudar, e coragem para continuar mudando (…) Temos a história ao nosso lado e o futuro diante de nós. O PT precisa estar, mais uma vez, à altura de suas origens, porta-voz da esperança, da democracia, da ética e da igualdade”, finalizou.
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