O golpe não é um ato imediato quando há muitas questões em jogo: uma população com grau de escolaridade razoável, com acesso à mídia alternativa, um grande número de pessoas que desconfiam da mídia hegemônica e serve de impedimento à intenção dos ansiosos
Lucivânia Nascimento dos Santos*, Pragmatismo Político
Os brasileiros estão assistindo diariamente as notícias sobre as investigações que estão sendo feitas pela Polícia Federal no caso da Petrobrás, empresa de economia mista que tem maior parte de seu capital pertencente ao Estado e que terá 75% dos royalties do pré-sal por ela explorado, destinados à Educação e 25% destinados à Saúde e não estarão destinados ao mercado de ações para render dividendos aos investidores bilionários internacionais do mercado especulativo, o que não agrada aos defensores do capitalismo financeiro. Por outro lado, o governo federal está ocupado pela presidente Dilma Rousseff, uma chefe de Estado que foi eleita por uma maioria que deposita nela a expectativa de um governo de tendência de esquerda como foi no seu primeiro mandato, para atender a classe trabalhadora, que não vive do mercado de ações, nem é beneficiada por lucros bilionários das multinacionais.
É neste cenário, onde a eleição presidencial ocorreu com um resultado apertado, onde se tentou deslegitimar o voto da maioria dos eleitores, empreendendo-se ataques aos eleitores da presidente, com a postagem de comentários xenófobos e de preconceito de classe nas redes sociais, empreendendo-se tentativas de recontagem de votos por parte do candidato derrotado, sabendo-se que o sistema eleitoral do Brasil é um dos mais seguros do mundo, que a direita tenta voltar ao poder com mais sede do que nunca, tendo sempre como parceiras emissoras que não escondem sua parcialidade política.
Para derrubar um presidente em um cenário onde as informações são veiculadas rapidamente e já não se tem uma população analfabeta como a população do Brasil em 1930 e 1964, é preciso muito mais do que articulações internas no Congresso e nas altas esferas dos partidos de oposição. É preciso criar todo um cenário de instabilidade externa a esfera do poder oficial. É preciso do apoio incondicional da mídia hegemônica e é preciso convencer o povo
através dessa mesa mídia porta-voz de um grupo hegemônico descontente.
O golpe não é um ato imediato quando há muitas questões em jogo: uma população com grau de escolaridade razoável, com acesso à mídia alternativa, um grande número de pessoas que desconfiam da mídia hegemônica e serve de impedimento à intenção dos ansiosos pelo golpe. Mas é preocupante constante tentativa de derrubar a chefe de Estado, tendo como lastro emissoras e revistas em parceria com o grupo de direita derrotado nas urnas convencendo a população a falar em impeachment e tendo um Congresso Nacional com deputados federais como Jair Bolsonaro e Augusto Rosa (PR) – este último, ex-oficial da Polícia Militar de São Paulo, anda fardado nas sessões da Câmara Federal, exibindo medalhas de condecoração sobre a vestimenta de solenidade de oficial militar, mesmo tendo sido obrigado a ir para inatividade por exercer o cargo de deputado, além de afirmar que está criando o Partido Militar Brasileiro (PMB) e declarar que seus correligionários são originários da “revolução democrática de 1964“, da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido criado no início da Ditadura Militar e que deu respaldo aos presidentes militares.
A arquitetura de tentativas de golpe de Estado nos últimos anos, no Brasil, teve início muito antes do “não vai ter copa“. Teve início durante a gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que tinha o apoio da ampla maioria da população e um Congresso que não conseguia reunir razões para um impeachment, mesmo tendo um grande número de opositores ao governo. Atualmente o cenário de golpe está sendo construído novamente pela mídia hegemônica, que tem aparatos em grandes emissoras e editoras de revista claramente de direita e ansiosas por terem a sua vontade política ascendendo ao poder.
Tem sido transferido para os telespectadores o descontentamento de uma pequena parcela que controla a informação, tentando fazer com que a maioria do povo brasileiro se sinta representado por uma insatisfação que não é dele, mas que ganha representatividade quando se cerca todos cantos em torno da presidente. Então, a parcela da população que na verdade é representada pelo governo em vigor, passa a não se sentir representada por ele. Começa-se a por em dúvida a legitimidade do governo.
Obviamente é preciso que se investigue e se apure as denúncias no caso da Petrobrás e que sejam punidos os comprovadamente culpados de crimes, como se deve investigar e apurar crimes não só na Petrobrás, mas em qualquer entidade pública ou empresa privada. Mas a mídia hegemônica está tornando os depoimentos feitos pelos próprios investigados como se fossem textos de telenovelas jornalísticas, como se os depoimentos fossem provas, antes que qualquer prova documental seja apresentado pelos depoentes chamados delatores ou encontrados pela Polícia Federal que comprovem o depoimento. Isso não é por acaso: as ações da Petrobrás passam a ser afetadas, o clima de desconfiança internacional serve de subsídio ao discurso interno de necessidade de privatização da estatal.
No entanto, para privatizar uma empresa estatal forte como a Petrobrás, precisar-se-ia de um presidente disposto a privatizá-la, o que não é o caso da presidente Dilma Rousseff. Portanto, os ataques diários em emissoras de TV se alinham com os objetivos da direita de retornar ao governo federal, mesmo que por vias não-democráticas, para atender as expectativas do mercado internacional que tem interesse no petróleo brasileiro, na exploração do pré-sal e nos dividendos da Petrobrás.
*Lucivânia Nascimento dos Santos é graduada em Geografia (Licenciatura) pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC e colaborou para Pragmatismo Político
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