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Reflexões na carona do Carnaval

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Passista gestante no carnaval 2015 (Imagem: Pragmatismo Político)

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Não só as fofocas dos bastidores dos camarotes são heranças do Carnaval. Pode-se fazer vários estudos da sociedade e dos indivíduos pelos acontecimentos nos dias de folia. Desde o sexismo dos brasileiros até o patrocínio de ditaduras às escolas de samba, tudo pode ser interpretado. Quem sabe vira até enredo.

De minha parte, ando pensando bastante nos comentários maldosos sofridos nas redes sociais por uma integrante grávida de escola de samba que estava aos pulos e gestos ao som da bateria. Ao que parece, houve um comentário mais ou menos assim: “pular, grávida, no Carnaval pode. No ônibus, quer assento preferencial.” Que frase riquíssima de preconceitos e elementos às reflexões. Vamos a elas.

Nos carros de passeio deve-se observar várias normas de segurança. Entre as principais, está andar sentado, com o cinto de segurança e sem superlotação no veículo. Nos ônibus, contudo, o que nos automóveis de passeio é uma obrigatoriedade visando à segurança (andar sentado e sem superlotação), no transporte coletivo é apenas uma remota possibilidade, cujas variantes influenciadoras são a linha, o horário e o local em que se embarca.

Como disponibilizar cinto-de-segurança nos ônibus seria o mesmo que assumir que os azarados que viajam de pé estão correndo mais riscos que os que vão sentados, optou-se por simplificar a alegoria. Todos correm o máximo de risco igualmente. Simples, mas genial. A fatalidade agradece.

Evidente que sou a favor dos assentos preferenciais. Só que me assusta quando, num ônibus cheio, parte dos usuários reclamam, por exemplo, que estão indo de pé por causa dos idosos (na irritação, eles falam velhos) que vão jogar bingo ou à missa e depois vem tirar o lugar dos trabalhadores. Ora, os bingos não existem mais. Ir à igreja é salutar para os que têm fé. E, mais, não há lei ou norma que estabelece que o transporte coletivo é somente para ser usado no percurso casa-trabalho-casa. Não seria melhor cobrarmos das empresas, prefeituras e etc. que os ônibus deveriam, obrigatoriamente, oferecer lugar a todos os usuários, independente de linha, horário e local em que se embarca para usar o serviço?

Mas, à nossa gestante. Eu tenho uma dúvida. É quase uma hipótese.

Mas, como estamos falando de reflexões, vou tratar como uma mera suposição. Será que a moça não enfrentou esses maldosos comentários por ser negra e estar numa festa popular? Se fosse uma branca comemorando, por exemplo, o ano-novo, será que teríamos comentários desse tipo? Ou se fosse uma branca, mas pulando carnaval mesmo. Acho que os comentários seriam do tipo: “ó que alegria. Essa aí (criança no útero) já pula Carnaval desde antes de nascer!”

Que venha o Carnaval de 2016. Que na ressaca, possamos refletir bastante sobre os acontecimentos. Mas se for para ter preconceitos, prefiro as fofocas das (sub)celebridades.

*Delmar Bertuol é escritor, membro da Academia Montenegrina de Letras, graduando em história e colaborou para Pragmatismo Político

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