A culpa é de Humberto?
Fernando Martins*
Neste sábado, 28 de fevereiro, um jovem de 23 anos chamado Humberto Moura Fonseca, estudante de engenharia elétrica do campus de Bauru da Unesp, morreu após ingerir uma grande quantidade de álcool em uma festa que promovia a competição entre repúblicas da cidade, onde cada membro participaria de uma prova diferente, algumas envolvendo álcool , outras não.
Foram cerca de 30 doses de copinhos de café (50 ml) de vodka virados por Lombada, como foi apelidado há quatro anos ao entrar na universidade. Junto com ele, outros tantos participantes da “prova de resistência” passaram mal, três deles também internados em estado grave.
Em vídeo viralizado pelos principais meios de comunicação do país e também compartilhado em massa pelos navegantes das redes sociais, é possível ver o mineiro Humberto participando da prova, junto a várias outras pessoas.
Enquanto espera seu copo ser completado mais uma vez, a cada um minuto mais especificamente, é possível ouvir os gritos de incentivo: “au, au, au, Lombadinha é animal”. Ele ergue os braços e comemora mais um copo virado e o apoio dos amigos.
Após desmaiar com tanta vodka no corpo, Humberto é levado por um ambulância ao pronto-socorro.
A festa não tinha uma enfermaria. A ambulância não possuía os equipamentos necessários para um resgate de emergência. Duas pessoas organizavam e lucravam com o evento de aproximadamente duas mil pessoas. Uma marca de vodka estampava um objeto inflável gigante na portaria da festa. Outra marca de cerveja era exibida nos abadás dos competidores, entre eles Lombada.
Havia um prêmio para a república que vencesse todas as competições, algo como um aparelho DVD e um churrasco. Destaco mais uma vez das pessoas gritando “au, au, au, Lombadinha é animal” e também das pessoas que filmavam o torneio. Os organizadores, dois estudantes também da Unesp, foram presos, mas já estão soltos para responderem em liberdade.
A universidade do jovem teve como única preocupação avisar a imprensa que “proíbe o trote e não é permitido o consumo de bebida alcoólica no campus“. Nunca houve um debate sobre o tema nos quatro anos em que frequento o local de ensino.
Na sessão da Câmara de segunda-feira, 02/03, um vereador, dono de uma grande boate da cidade, discursa sobre a falta de fiscalização nos locais das festas.
A culpa é de Humberto?
O que se ouve nos últimos dias, no ônibus a caminho do trabalho, ou na fila do restaurante barato do centro, ou ainda nos comentários em notícias sobre o tema ou através das redes sociais, é de que o “IDIOTA” não soube seu limite: “ele possui livre escolha e bebeu porque quis”.
Sim, tem gente xingando o estudante falecido. Tem gente que reclamou do cancelamento da festa, mesmo ela tendo continuado por mais quatro horas após a morte do rapaz circular na boca dos presentes, seja justificada ou não. Falta humanidade e compaixão ao outro.
A culpa não pode e nem deve ser atribuída a Humberto.
Junto com eles, haviam outros dez ou mais participantes. Aplaudindo, outros dois mil, mesmo que ainda não presentes na hora da competição. Pelas festas pelo Brasil afora, outros milhares seguem o ritmo.
Hoje foi Humberto. Ontem, outro. Amanhã, mais um.
Se a culpa era de Humberto, sua morte não salvará vidas. Se a culpa for da dupla organizadora e ambos forem presos, seja lá a pena que for, outras mortes ocorrerão do mesmo jeito.
É preciso discutir nossa cultura ao álcool, é preciso discutir a organização das festas, é preciso discutir sobre as marcas de bebidas alcoólicas que patrocinavam o evento, é preciso discutir sobre a competição, é preciso discutir sobre essa droga que tanto mata. Por quê ela é legalizada e outras não? Qual o critério? Quem ganha com isso?
Quem é o idiota?
Humberto é que não é.
Mais uma vítima.
E as discussões importantes sobre o tema foram enterradas junto ao corpo neste domingo. Pulamos mais uma oportunidade de aprender mais sobre o álcool e sobre nós mesmos. As festas continuarão, sejam dificultadas por um mês ou um ano, assim como aconteceu após o caso de incêndio da Boate Kiss.
Uma hora tudo volta ao normal e outras irresponsabilidades serão promovidas, outras mortes virão e a culpa, mais uma vez, será personificada, mas a cultura do exagero ao álcool passará despercebida, apoiadas pelas grandes marcas dessa droga, descendo redondo pelas nossas gargantas e destruindo vidas inocentes.
*Fernando Martins é graduando em jornalismo pela Unesp-Bauru e colaborou para o Pragmatismo Político