"Matem isso com fogo"; "Por que os pais ficaram com ela?". Alguns disseram que ela deveria se matar. Além de sofrer com problemas de saúde, Lizzie precisou superar as agressões verbais e o deboche
Com preguiça de fazer o dever de casa, a americana Lizzie Velasquez resolveu assistir a clipes de músicas on-line. Encontrou um vídeo que se chamava “A mulher mais feia do mundo” e clicou. Não esperava que o vídeo fosse sobre ela.
Essa história aconteceu quando ela tinha 17 anos. O vídeo, de oito segundos, já havia sido assistido 4 milhões de vezes.
Agora, nove anos depois, Velasquez é uma ativista anti-bullying e protagoniza um documentário que estreou nos Estados Unidos no sábado.
“Fiquei chocada” com o vídeo, conta Velasquez. “Mas foi quando comecei a ler os comentários que meu estômago realmente virou.”
“Por que os pais ficaram com ela?!” dizia um dos internautas; “Matem isso com fogo”, disse outro. E assim por diante. Alguns disseram que ela deveria se matar, e um deles disse que as pessoas ficariam cegas se a vissem nas ruas. Velasquez não resistiu e leu todos os comentários – eram milhares.
“Eu chorei por muitas noites – era adolescente, pensei que a minha vida tinha acabado”, diz ela. “Eu não conseguia falar com ninguém sobre isso, não contei a nenhum dos meus amigos. Estava tão chocada com o fato de que isso tinha acontecido.”
Velasquez já estava acostumada a sofrer bullying diariamente devido a sua aparência. Nascida com duas condições raras – síndrome de Marfan e lipodistrofia – ela é incapaz de ganhar peso, não importa o quanto coma. Ela lembra que, quando entrou no jardim de infância, as crianças costumavam a se afastar dela, com medo.
Agora com 26 anos, ela mede 1,57 e pesa 27 quilos. É totalmente cega no olho direito e enxerga pouco com o esquerdo, e cresceu entrando e saindo de hospitais, com uma série de problemas de saúde: fez cirurgia no olho, na orelha, reconstrução completa do pé, testes de densidade óssea e uma série de exames de sangue enquanto médicos tentavam decifrar o que ela tinha.
Apenas no ano passado os médicos conseguiram dar um nome ao problema.
Ela tem pouca energia por causa das condições, e leva muito tempo para combater infecções como bronquite. Ela está fazendo exames de coração para determinar se a síndrome de Marfan causou problemas, e foi internada no hospital em novembro porque não conseguia reter alimentos devido a um problema em seu esôfago.
Ela também tem um problema recorrente com o pé direito, que facilmente sofre fraturas devido a uma falta de gordura na sola. Mas garante que isso não vai derrubá-la.
“Quando eu era adolescente, olhava no espelho e queria me livrar da minha síndrome”, diz ela. “Eu odiava, porque causava muita dor na minha vida. Ser uma garota de 13 anos que é constantemente atormentada é insuportável.”
Família
Quando ela nasceu, Velasquez, do Texas, pesava apenas 1,2 kg. Os médicos disseram a seus pais que, muito provavelmente, eles teriam que cuidar dela para o resto de sua vida e não sabiam qual seria sua expectativa de vida.
Cheios de amor instantâneo por sua filha, os pais de Velasquez, Rita e Lupe, dizem que nunca pensaram “porque isso está acontecendo com a gente?”, e só queriam chegar em sua casa para que a vida dela começasse.
É por causa desta atitude que Velasquez credita a seus pais sua capacidade de pensar positivamente, quando ela estava sendo sofrendo bullying na escola, quando as pessoas a encaravam ou ridicularizaram nas ruas.
Quando era criança, seus pais lhe disseram para ir para a escola com a cabeça erguida, sorrir e ser agradável com todos, não importa como eles a tratassem.
É uma mensagem que ficou com ela, e ela diz que, agora, perdoa a pessoa que postou o vídeo no YouTube. “Eu não sei pelo que eles estão passando”, diz ela. “Minha vida às vezes é difícil, mas eles poderiam estar passando por algo muito pior.”
Velasquez decidiu que ela poderia tentar mudar. Ela lançou seu próprio canal de YouTube para que as pessoas saibam quem a pessoa por trás do vídeo “Mulher mais feia do mundo” realmente era, e para ensinar aos outras pessoas que sofriam bullying que elas também poderiam ter mais confiança.
Ela tem atualmente cerca de 240 mil assinantes de seu canal e uma palestra que deu no TED, em 2013, chamado “Como você se define?” tem mais de sete milhões de visualizações no YouTube.
Ela diz que a comunidade que se formou em torno de sua presença on-line tem sido incrível, e vítimas de bullying postam comentários dizendo que ela faz com que se sintam capazes de procurar ajuda, falar com alguém ou enfrentar quem faz bullying.
Ela se uniu a Tina Meier, cuja filha Megan se suicidou após sofrer bullying on-line, e, juntas, eles estão fazendo campanha para que congressistas dos EUA votem o primeiro projeto de lei federal anti-bullying. Isso significaria que todas as escolas teriam de começar a registrar os casos de bullying e receberiam recursos para medidas contra o problema.
E agora a luta de Velasquez contra o bullying é o foco de um novo documentário que estreou no festival de South by Southwest em Austin, no Texas.
Sara Hirsh Bordo, diretora do filme, diz que ele não é apenas sobre Velasquez, mas uma história universal, para todo mundo que sofreu bullying.
“Sua experiência de superar a adversidade e ver o outro lado de uma experiência dolorosa é universal”, diz ela.
“Assim que Lizzie tornou-se mais aberta e honesta – seja pelo TED Talk ou pelos vídeos do YouTube -, ela deixou claro que as pessoas estavam sedentas por uma história em que alguém se levanta e diz ‘eu não vou ser uma vítima’, eu vou fazer uma mudança.”
Kathleen Hawkins, BBC News
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