"Fui preso por roubar meu próprio carro"
“Fui preso, constrangido, humilhado, machucado porque sou negro. Porque, sendo negro, ousei ter um carro, dirigi-lo e me recusar a pedir desculpas por isso”. Caso do estudante universitário preso suspeito de roubar o próprio carro foi parar na Comissão de Direitos Humanos da OAB
Uma abordagem policial truculenta e motivada pelo racismo está repercutindo nas redes sociais e mobilizou até a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG). A vítima é Pedro Henrique Afonso, de 24 anos, que foi preso no último 30 de março, ao chegar para estudar na Faculdade de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).
Com armas em punho, os policiais abordaram o estudante quando ele trancava o carro. Pedro foi acusado de furtar o veículo. Ele, então, reclamou da abordagem e foi algemado. Toda a cena foi testemunhada por colegas, professores e moradores próximos, que protestaram contra a atuação policial.
Levado para uma delegacia, foi denunciado pelos PMs por desobediência, desacato à autoridade e resistência à prisão. Ainda foi humilhado, ouvindo frases como “você vai pagar umas cestas básicas para aprender o que é polícia”. Uma audiência de conciliação foi realizada no último dia 14, mas terminou sem acordo. “Foi feita uma proposta para eu pagar serviços sociais, porém, meu advogado não aceitou, porque sou inocente”, disse Pedro.
Leia abaixo a íntegra do depoimento de Pedro Afonso, estudante e educador no Instituto Inhotim:
Era 19h de segunda-feira, dia 30/03, quando cheguei à Faculdade de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Minas Gerais, onde sou aluno. Ao trancar o meu carro, fui abordado por uma viatura da PM. “O que você está fazendo aí?”. Respondi que era trabalhador.
Um sargento e um cabo, ambos da 124ª. cia, do 22º BPM, saíram com armas em punho: “mão na cabeça, vagabundo, e cala a sua boca”. “Conheço meus direitos, não podem me abordar dessa forma e já vou fazer uma representação contra vocês na corregedoria”, argumentei. Foi o suficiente para que a truculência aumentasse. Com violência, me algemaram. Em minha volta, colegas, professores e vizinhos começaram a protestar.
Senti medo, vergonha e indignação.
As pessoas que me defendiam também eram ameaçadas e coagidas a não registrar o que estava ocorrendo. Me jogaram no carro.
Dentro da viatura, argumentei que eles deveriam ter averiguado se o carro era ou não meu, uma vez que a acusação era que eu estava roubando o veículo. Decidiram voltar. Exigi que houvessem testemunhas, com medo de que plantassem alguma coisa no meu carro.
Neste momento, já se formava um grupo significativo em torno da ação e os policiais pediram reforço de outra viatura. As ameaças de prender a quem se opusesse aumentavam. O tempo inteiro eu estava algemado, ainda que em nenhum momento tinha resistido fisicamente à prisão. Queriam me humilhar, constranger. Conseguiram.
Disseram aos meus amigos que me levariam para a delegacia da rua Pouso Alegre, mas me levaram para uma delegacia no Coração Eucarístico. Lá, um tenente apareceu e tirou uma foto minha em seu celular.
“Essa é para meu registro pessoal”, ele disse em tom ameaçador. No boletim de ocorrência, fui acusado de desacato à autoridade, desobediência e resistência. Tentaram sair com a minha mochila da delegacia. Queriam revistá-la, novamente, longe de mim.
Quando estava na viatura, ouvi do sargento: “você vai pagar umas cestas básicas para aprender o que é polícia”. No momento, me calei.
Agora, respondo:
Eu, como a maioria dos negros e negras deste país, sei muito bem o que é polícia. Fui preso, constrangido, humilhado, machucado porque sou negro. Porque, sendo negro, ousei ter um carro, dirigi-lo e me recusar a pedir desculpas por isso.
Porque, sendo negro, me recusei a ser suspeito, a tomar um esculacho sem protestar. Eu tenho possibilidade de vir aqui, de reverberar essa violência, de ter os docentes da minha faculdade posicionando-se a meu favor, de ter o apoio da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogado do Brasil.
A grande maioria dos jovens negros deste país, negros, pobres e periféricos, pouco podem fazer contra a violação sistemática de seus corpos, integridade e dignidade. Ainda assim, somos irmãos de cor e sabemos, muito bem, desde muito cedo, da pior maneira possível, o que é polícia.
com informações do Estado de Minas