Inocente condenado à morte: "meu caso foi criado em cima de racismo e mentiras"
Inocentado após 30 anos no corredor da morte desabafa: "Eles tinham apenas um jovem negro – eu tinha 29 anos e não tinha dinheiro – e isso nos Estados Unidos, especialmente no Sul, significa condenação. Se fosse branco, não teria acontecido"
Anthony Ray Hinton tinha 29 anos anos quando foi condenado à morte por dois homicídios em 1985 nos Estados Unidos. Ele passou as últimas três décadas em uma prisão do Alabama até seu caso ser revisto recentemente – a condenação foi revertida após testes com as balas usadas nos crimes não comprovarem que elas haviam saído da arma encontrada na casa de Hinton.
Em entrevista à BBC, ele afirmou que a cor da sua pele foi determinante para a condenação. “Meu caso foi construído em cima de racismo e mentira”, disse.
“Eles tinham apenas um jovem negro – eu tinha 29 anos e não tinha dinheiro – e isso nos Estados Unidos, especialmente no Sul, significa condenação.”
Não houve testemunhas, nem impressões digitais encontradas que comprovassem a culpa de Hinton no homicídio de dois gerentes de restaurantes há 30 anos. O réu conta que tinha um álibi para comprovar sua inocência, mas que os investigadores nunca foram checá-lo.
“Eu estava no trabalho quando um dos crimes aconteceu. Isso não era o suficiente para eles. Eles nem mesmo começaram a checar meu álibi.”
Hinton conta que procura viver ‘um minuto de cada vez’ agora que saiu da prisão e que sua maior tristeza é “estar livre e não poder ver sua mãe”, que faleceu em 2002.
‘Se fosse branco, não teria acontecido’
De acordo com Hinton, a própria polícia o havia ‘sentenciado’ antes do julgamento. “A polícia disse: ‘primeiro de tudo, você é negro; segundo, você já teve passagem na prisão; terceiro, você terá um juiz branco; quarto, você provavelmente terá um júri branco; e quinto, quando a promotoria juntar tudo, você sabe o que vai dar: condenação, condenação, condenação, condenação, condenação.”
Depois de 30 anos preso, o réu acredita que seu caso teria tido tratamento diferente se fosse branco.
“Acho que se eu fosse branco, eles teriam testado a arma e veriam que as balas não poderiam ter vindo dela, e eu teria sido libertado. Mas quando você é pobre e negro nos Estados Unidos, você tem grandes chances de ir para a cadeia por um crime que não cometeu.”
Os promotores derrubaram o caso contra Anthony Ray Hinton depois que novos testes com as balas que mataram os dois gerentes contradisseram a única prova que alegadamente tinham contra o réu. Eles não conseguiram evidências de que as balas do crime haviam saído da arma que pertencia à mãe de Hinton.
Hinton, então, deixou a prisão onde estava no Alabama na última sexta-feira. O advogado dele, Bryan Stevenson, que fundou a Iniciativa para a Justiça Igualitária, tentou argumentar por anos que o caso contra seu cliente era um erro: que ele tinha um álibi para o momento que um dos crimes ocorreu, que passou pelo teste com o detector de mentiras logo que foi preso, e que nenhuma prova corroborou os resultados do teste de balística usado para condená-lo.
“Se ele tivesse dinheiro para pagar os especialistas de que precisava para provar que aquilo era mentira, ele nunca teria sido condenado”, disse Stevenson.
Segundo o advogado, quando ‘os melhores especialistas do país’ comprovaram que as balas não poderiam ter saído da arma de Hinton, o Estado do Alabama continuou calado, e não reabriu o caso para fazer novos testes.
“Por 16 anos, Hinton passou tempo a mais preso no corredor da morte simplesmente porque o Estado não estava disposto a arriscar a percepção de que eles não são os ‘bons’ (no combate) do crime. Em vez disso decidiram arriscar a execução de uma pessoa inocente. Isso para mim foi a coisa mais vergonhosa desse caso.”
O advogado diz que Hinton é a 152ª pessoa a ter sua condenação revertida após ter sido sentenciado à morte. “É uma estatística chocante de erros. Nenhum sistema toleraria isso. Mas a maioria das pessoas que estão no corredor da morte são pobres ou negras, e não parecemos nos importar tanto se elas são inocentes ou não.”
Vida fora da cela
Após passar três décadas ‘longe’ da sociedade, Hinton disse estar impressionado com a tecnologia que existe atualmente. E ficou espantado também com as atualizações da moda, ao comparar as roupas que usava nos anos 1980, quando foi preso, com as de hoje em dia.
Uma das primeiras coisas que fez ao sair da prisão foi visitar o túmulo da mãe – ela faleceu em 2002, quando ele ainda estava na cadeia.
Questionado se sentia raiva das pessoas que o condenaram, Hinton respondeu: “Sou uma pessoa alegre. Tenho um bom senso de humor e foi isso que me manteve vivo nesses 30 anos.”
“Eu não odeio ninguém, não guardo raiva, vou continuar rezando pelos que fizeram isso comigo, como rezei nos últimos 30 anos. Porque nesses 30 anos, eu não deixei que eles levassem minha alegria. Se eu tivesse deixado, eles teriam vencido. Eu me recuso a dar a eles minha felicidade.”
Em liberdade, Hinton diz que sua maior vontade agora é “viver do seu jeito, tentando levar alegria para as pessoas, aproveitar a vida e ser feliz.”
BBC