Lista de empregadores flagrados usando trabalho análogo à escravidão permite controlar cadeias produtivas na economia brasileira. A partir da chamada "lista suja", empresas e bancos públicos que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que usam trabalho análogo ao escravo.
A lista de empregadores flagrados utilizando trabalho análogo ao escravo no Brasil – suspensa em dezembro de 2014 pelo STF – que deverá ser reativada nesta semana pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – é considerada pela ONU um modelo de combate à escravidão contemporânea em todo o mundo.
A medida, no entanto, causa controvérsia no Brasil, especialmente entre os empregadores que tem seus nomes divulgados na relação.
A partir da chamada “lista suja”, empresas e bancos públicos que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que usam trabalho análogo ao escravo.
Ao suspender a lista, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu a favor de um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), organização que reúne algumas das principais empreiteiras do país, como MRV Engenharia, Moura Dubeux e Odebrecht.
Entenda os principais pontos da polêmica:
O que é a ‘lista suja’ do trabalho escravo?
A lista foi criada em 2003 para divulgar os nomes das empresas que foram autuadas pelo uso do trabalho análogo ao escravo a partir da fiscalização do Ministério do Trabalho, e que tiveram estas autuações confirmadas após um processo administrativo.
Normalmente, auditores fiscais do trabalho realizam ações periódicas em que conferem as condições de trabalhadores em fazendas, obras e fábricas. Ao encontrarem irregularidades que afrontam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – mas também outros acordos e convenções sobre o trabalho que o Brasil assinou –, os fiscais autuam os empregadores.
O que ocorre em seguida é um processo administrativo trabalhista, em que a empresa tem a oportunidade de defender-se em primeira e segunda instância. Caso o Ministério do Trabalho confirme a infração – e a caracterize como condição análoga ao trabalho escravo – determina-se que a empresa pague multas, assuma compromissos e tenha seu nome colocado na lista.
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“A lista é simplesmente um instrumento de transparência da ação do Estado, que tem a obrigação de fiscalizar e garantir direitos trabalhistas”, afirma Mércia Silva, do Instituto Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Inpacto).
A relação é publicada no site do Ministério do Trabalho, que também comunica as infrações à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal, à Advocacia Geral da União e ao Ministério Público do Trabalho, que podem entrar com outras ações e processos. O Código Penal Brasileiro determina que reduzir alguém à condição análoga a de escravo é crime.
“O violador está sujeito a ação penal, ação administrativa trabalhista e até ação civil, pelos funcionários”, explica o subprocurador-geral da República Oswaldo José Barbosa Silva.
Como essa informação é utilizada na prática?
Desde de sua criação, a relação de empresas autuadas por trabalho escravo vem sendo utilizada por bancos públicos, bancos privados, empresas nacionais e internacionais que operam no Brasil e até mesmo importadoras de produtos brasileiros no exterior para controlar o compromisso de grandes empresas e fornecedores com suas cadeias produtivas.
“A lista suja combate o trabalho escravo, mas, mais do que isso, é um instrumento de gerenciamento de risco para a atividade econômica brasileira, porque ninguém quer se associar a empresas que usam trabalho análogo à escravidão”, disse à BBC Brasil o cientista político Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil.
“Não é uma questão de ‘bondade’ do mercado. A empresa que foi flagrada com trabalho escravo pode estar sofrendo um processo grande e pode nem ter dinheiro no futuro para quitar empréstimos que venha a tomar, se for condenada a pagar milhões. Era necessário que o mercado brasileiro tivesse um instrumento para garantir esse controle”, afirma.
A partir da relação de nomes, ONGs e institutos como o Repórter Brasil e a Organização Internacional do Trabalho conseguem mapear cadeias produtivas e de abastecimento que têm origem no trabalho escravo.
Se produtores de carvão aparecem na lista, por exemplo, as grandes empresas automobilísticas e de eletrodomésticos podem garantir que o aço que consomem (o aço é produzido com ferro gusa, liga de ferro e carvão) não utiliza o produto daqueles fornecedores.
A divulgação da relação de nomes não obriga nenhuma instituição a agir para aplicar punições ou negar contratos e empréstimos a quem aparece na lista. No entanto, o fortalecimento do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a partir de 2005, fez com que as principais empresas e bancos do país aderissem a este compromisso.
Para Juana Kweitel, diretora de programas da ONG de direitos humanos Conectas, a relação tem um peso importante para o Brasil no cenário mundial.
“A lista sempre foi vista como uma ferramenta eficaz e criativa desenvolvida, de maneira pioneira, no Brasil. Era vista como um exemplo a ser copiado”, disse. “Além do mais, era muito mencionada em relatórios da ONU como uma política modelo”.
A suspensão da lista, na visão da Conectas, foi uma “uma ação concertada, pela porta dos fundos, por segmentos da indústria frequentemente incluídos na lista suja para obterem uma alívio temporário”.
Luiz Machado, coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, afirma que a importância da relação de nomes é exercer pressão sobre o mercado. “Ela é considerada um instrumento muito poderoso, que não encontramos em nenhum outro lugar no mundo”.
“Ouvimos dos próprios empregadores que eles se preocupam mais com o fato de ter o nome na lista do que com as multas. As multas são irrisórias, principalmente as trabalhistas. E a condenação penal, que deveria estar sendo posta em prática e reforçada, não tem sido aplicada devidamente”, disse à BBC Brasil.
Como a nova lista será diferente da primeira?
A nova lista terá cerca de 400 nomes de empregadores flagrados por trabalho escravo, que tiveram suas autuações confirmadas definitivamente entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014.
Os nomes permanecerão na relação por um período máximo de dois anos e a lista poderá ser atualizada a qualquer momento. Até então, as atualizações aconteciam em junho e em dezembro, exceto quando era preciso obedecer a decisões judiciais que determinavam a ocultação de nomes.
“A portaria nova reduz o cadastro, porque havia muitos nomes que não pagavam as multas e poluíam a lista. Tínhamos casos de nomes que estavam há 11 anos no cadastro. Agora, entendemos que a multa vai ficar a cargo da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional e a gente vai colocar como limite para que um nome esteja na lista dois anos”, afirmou Alexandre Lyra, do MTE.
Segundo Lyra, empresas da construção civil e do setor têxtil já haviam conseguido liminares para a retirada de seus nomes da lista em outras ocasiões. Esta, no entanto, foi a primeira vez que um grupo conseguiu suspender a publicação.
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Camilla Costa, BBC
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