Categories: Direitos Humanos

PEC 171/93, a proposta que se baseia na Bíblia para reduzir a maioridade penal

Share

Proposta de 93, PEC 171 se baseia na Bíblia para pedir a diminuição da maioridade penal no Brasil. Confira alguns trechos no mínimo ‘curiosos’ da PEC para embasar seus argumentos em defesa da penalização daqueles que hoje são considerados menores de idade

Painel com o resultado da votação sobre a admissibilidade da PEC 171/93 na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara

Thiago de Araújo, Brasil Post

Admitida por larga maioria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993 – a qual trata da diminuição da maioridade penal – possui dois trechos no mínimo ‘curiosos’ para embasar os seus argumentos que defendem a penalização daqueles que hoje são menores de idade no Brasil.

“A uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade pessoal. Não se cogita sequer de idade: ‘A alma que pecar, essa morrerá’ (Ez. 18). A partir da capacidade de comenter o erro, de violar a lei surge a implicação: pode também receber a admoestação proporcional ao delito – o castigo”.

“Ainda referindo-se a informações bíblicas, Davi, jovem, modesto pastor de ovelhas acusa um potencial admirável com o seu estro de poeta e cantor dedilhando a sua harpa mas, ao mesmo tempo, responsável suficientemente para atacar o inimigo do seu rebanho. Quando o povo de Deus estava sendo insultado pelo gigante Golias, comparou-o ao urso e ao leão que mata com suas mãos”.

Sim, você não leu errado. Ao invés de estatísticas, critérios técnicos ou opiniões de especialistas, a PEC 171/93 – de autoria do ex-deputado Benedito Domingos (PP-DF) –, a mais antiga a tramitar no Congresso Nacional para tratar da diminuição da maioridade penal no Brasil, se baseia na opinião do seu autor sobre o assunto e passagens bíblicas para ‘lhe dar sustentação’.

O trecho foi publicado no Diário do Congresso Nacional do dia 27 de outubro de 1993. Na página 23.063, consta o trecho bíblico mencionado acima.

Nas demais alegações de Benedito Domingos, está a crítica ao fato de que os jovens dos anos 40, inspiradores dos congressistas que definiram a idade de 18 anos como àquela da maioridade penal, eram bem diferentes daqueles de 1993.

“O noticiário da imprensa diariamente publica que a maioria dos crimes de assalto, de roubo, de assassinato e de latrocínio, são praticados por menores de dezoito anos, quase sempre, aliciados por adultos”, escreveu o ex-parlamentar, sem apresentar números para comprovar a sua tese – há dezenas hoje para desmentir esse raciocínio.

“O moço hoje entende perfeitamente o que faz e sabe o caminho que escolhe. Deve ser, portanto, responsabilizado por suas ações”, completou, esquecendo-se que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) prevê punições a menores infratores, incluindo a internação – mais difícil seria explicar os motivos do Estado brasileiro não prover recuperação adequada em seu sistema prisional, seja para menores ou adultos.

Falando em Estado brasileiro, os artigos 5º e 19º da Constituição Federal falam na liberdade religiosa, o que é entendida por um ‘Estado laico’, não por não possuir nenhuma religião oficial, mas sim por aceitar todas as religiões e crenças. Antes disso, o decreto número 119-A, de 7 de janeiro de 1890, cujo autor foi Ruy Barbosa, já defendia o País como laico.

Ao que parece, o único ‘embasamento’ que os parlamentares de 2015 favoráveis à redução da maioridade penal no Brasil sabem lançar mão é o da ‘vontade popular’ – já comprovada em pesquisas. Ao comemorar a aprovação da CCJ ,o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) precisou se retratar por usar uma foto da jovem Liana Friedenbach – algo de péssimo gosto -, assassinada no caso Champinha, em uma postagem na qual tentou aparecer como ‘pai da criança’ (autor da matéria).

Uma comissão especial será instituída na semana que vem na Câmara, já informou presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – este um conservador que defende várias posições por suas crenças religiosas, e não técnicas. Se aprovada, a proposta vai para duas votações no plenário, seguindo para o Senado em seguida. A tendência é que o caso acabe no Superior Tribunal Federal (STF), de um jeito ou de outro.

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook