Pela Ampliação da Maioridade Penal
Leonardo Ortegal*, Pragmatismo Político
Em tempos de PEC 171, que propõe o rebaixamento da idade penal no país, o cenário é dramático. De um extremo, defensores da proposta babam enquanto gritam pela morte destes adolescentes. Eles querem o extermínio desses meninos, mas são contidos à força pela coleira frouxa da democracia, que ainda sustenta processos legais. Do outro lado, o termo “defensores dos direitos das crianças e adolescentes” nunca fez tanto sentido: se organizam como podem em meio a uma ofensiva que parte de todos os lados e tentam apenas defender, e nada mais do que defender as precárias conquistas que temos e mantemos.
A PEC, que é uma de muitas com propostas semelhantes, entrou em votação. E toda vez que uma delas entra em votação, é a mesma loucura. Até o momento, estas Propostas de Emenda à Constituição não tem obtido sucesso, e muito se deve, na verdade, ao fato de que idade penal estabelecida pela Constituição é uma cláusula pétrea e, por isso, não pode ser objeto de emendas.
O fato é que, se depender do desejo de vingança da nossa sociedade e das frágeis estruturas de direitos sociais que temos hoje, esse bombardeio só vai aumentar daqui pra frente, e sabe-se bem que nesse país se faz o que quer com as leis e conquistas que defendem o povo. Mas, pensando em todo o cenário atual, e pensando em formas de sair dessa defensiva acuada que vivemos hoje, eu decidi lançar uma proposta no jogo: Pela Ampliação da Maioridade Penal. É isso mesmo, devemos lutar pela ampliação da maioridade penal, de 18 para 21 anos. Mas, antes de você achar que estou de piada, te peço que leia os meus argumentos.
A primeira coisa a ser dita é que quem deve se justificar não somos nós. Tudo bem, vocês dizem “Cadeia para o Menor!!!”. Tudo bem. Mas será que isso vai resolver os problemas? O Brasil já vai bem em prender as pessoas. No ano passado, passamos a Rússia e subimos no pódio das maiores nações carcerárias do planeta. Só perdemos pra gigantesca China, que está em segundo lugar, e para o nosso malfadado exemplo de sucesso, os Estados Unidos, que lidera esse ranking disparadamente, mostrando pro mundo inteiro que prender gente só mais mais violência e prisões. Onde está a consideração pelas vítimas nesse processo todo? As pessoas são presas, as pessoas ficam, as pessoas saem, mais gente é presa e a população carcerária só aumenta. Mas a vítima mesmo, não recebe nenhuma resposta que não seja essa. Ora, podemos ser mais inteligentes que isso!
O sistema penal é um péssimo instrumento para a diminuição da violência. Ele é caro, não dá conta da demanda (faltam 210 mil vagas nele, e subindo), não educa ninguém, e gera mais e mais violência. Mais polícia na rua pode até gerar mais prisões. Mas se as prisões são isso que acabamos de dizer, onde é que nós vamos parar nesse ciclo?
Pude, ao longo dos últimos nove anos, trabalhar de diversas formas no sistema de respostas ao descumprimento da lei. No Poder Judiciário, no sistema penal e nos sistema socioeducativo, sendo que este último é voltado exclusivamente para adolescentes. Pude estudar e trabalhar nesses lugares e ver o que tem dado certo e o que não. E por isso repito, precisamos ampliar a maioridade penal para 21 anos! Na verdade, o que precisávamos mesmo, se quisermos mesmo resolver o problema da violência no país é seguir o exemplo dos países que conseguiram bons resultados. A Suécia é um deles, que recentemente conseguiu fechar quatro presídios que andavam vazios, em razão das quedas constantes do cometimento de crimes. Uma característica que esses países bem sucedidos no enfrentamento à violência é a alta taxa tributária paga pelo cidadão. Na Suécia e na Alemanha, por exemplo, os impostos estão em torno de 50%, contra os 30% do Brasil. Isso significa um forte compromisso com uma estrutura de acesso à saúde, educação, cultura e necessidades básicas, mas fica pra outra discussão.
Diferente do sistema penal, que não faz questão de esconder que não é nada além de um depósito de seres humanos, o sistema socioeducativo conta com profissionais voltados para que os adolescentes que ali estão repensem sua trajetória, procurem outros caminhos, e que possam contar com as outras políticas públicas para isso. O sistema socioeducativo põe as outras políticas para se mexer, ele incomoda o Estado para que este faça investimentos verdadeiros nas políticas sociais e não arremedos. E isso tudo está por trás dos resultados melhores que o sistema socioeducativo tem sobre a diminuição da reincidência. Outra coisa que vi muito acontecer, enquanto trabalhei no CAJE, é que, por pior que fosse aquele lugar, boa parte dos adolescentes conseguia elaborar pelo menos a seguinte reflexão: agora que estou ficando ‘de maior’, preciso parar com essas coisas. Mas essa não é uma reflexão que vinha fácil. Geralmente exigia um pouco mais de idade. 17, 18 anos… os garotos mais novos ainda estavam perdidos nas fantasias adolescentes – afinal, ainda eram adolescentes! Por outro lado, percebi que, na prisão, essa reflexão é mais difícil. Que a prisão dos adultos é mais que uma escola do crime. É um portal, pelo qual se passa e fica muito mais difícil voltar para um mundo distante do crime. É uma condenação que vai além do tempo em que se fica detido. É uma condenação para o resto da vida. Já o socioeducativo, pelo próprio nome, pela proposta, e também por não sujar a ficha criminal daquele jovem, permite a ele uma chance maior de recomeçar, de tentar de novo esse jogo injusto que é ser negro e pobre no Brasil.
E é por isso que defendo que mais gente seja punida no sistema socioeducativo, e menos gente no sistema penal. É por isso que lanço a proposta pela Ampliação da Maioridade Penal!
*Leonardo Ortegal é assistente social, mestre em Política Social pela UnB, membro do Fórum de Justiça Juvenil do DF, atua há vários anos no sistema socioeducativo e sociojurídico e colaborou para Pragmatismo Político.