Marcio de Souza Castilho*, Pragmatismo Político
Jovens negros, pobres, moradores de periferias e favelas, sem acesso ao sistema educacional, são o alvo preferencial do nosso sistema penal seletivo, excludente e depositário de uma parcela da população que se quer escondida ou mesmo eliminada pelas pessoas de “bem” da sociedade. As consequências desse estado-penitência (Wacquant) são os números do quadro carcerário brasileiro, que concentra a quarta
maior população de presidiários no mundo, com mais de 500 mil confinados. As estatísticas tendem a crescer com a proposta da redução da maioridade penal.
Se aprovada, será a confirmação da lógica de um estado que, para promover a vida, não em sua totalidade, adota mecanismos de uma violência depuradora de eliminação do outro, agora com a imputabilidade da sua população mais jovem. Materializa-se, portanto, a coexistência, para além dos regimes totalitários, da biopolítica com a tanatopolítica ou, como afirma Esposito, uma “morte necessária para conservar a vida, uma vida que se nutre da morte alheia“.
Ao falar de um sistema que tende a se transformar continuamente em máquina letal, Agamben faz referência aos campos de concentração nazistas durante a 2ª guerra mundial. Ao mesmo tempo, o filósofo italiano vai concluir que o campo é o paradigma das chamadas sociedades democráticas modernas.
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A violência que se impõe nos espaços populares, em favelas ou periferias dos grandes centros, representa os nossos processos de guetificação contemporâneos. Sob o imperativo da “lei e da ordem“, o estado mantém um regime de excepcionalidade cotidiano, permanente, como ocorre com a presença das Forças Armadas no conjunto de favelas da Maré ou com a ocupação do Complexo do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, por tanques e blindados para abrir caminho para a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). É por isso que não há um sentido de repressão nas favelas que pode ser localizado num momento histórico específico ou como anomalia de um passado ditatorial, mas uma violência contínua.
Diante do recrudescimento das medidas de exceção tornando-se regra no Brasil, não há como não recorrer a Agamben neste momento, retomando a discussão sobre a maioridade penal: “Na medida em que o estado de exceção é, de fato, ‘desejado’, ele inaugura um novo paradigma jurídico-político, no qual a norma torna-se indiscernível da exceção. O campo é, digamos, a estrutura em que o estado de exceção, em cuja possível decisão se baseia o poder soberano, é realizado normalmente“.
Acrescentaria que o poder soberano hoje no Brasil não reside na figura singular de um mandatário. Será mais apropriado falar num tipo de soberania parlamentar cujos representantes decidem a necessidade para praticar a exceção, buscando incluí-la num ordenamento jurídico, fazendo-o coincidir com a política. O debate em torno da redução da maioridade penal nos obriga a discutir, como sugere o pensador italiano, o que significa agir politicamente neste momento?
*Marcio de Souza Castilho é professor do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e colaborou para Pragmatismo Político