Para o homem forte do Boca, Mauricio Macri, a desclassificação da equipe na Libertadores não foi só um fracasso esportivo. Foi um balde de água fria sobre suas ambições de ser presidente da Argentina
O líquido tóxico jogado contra os jogadores do River Plate que entravam para jogar o segundo tempo no estádio La Bombonera, em jogo da Copa Libertadores, se transformou num escândalo de conotações políticas que salpica Mauricio Macri, homem forte do Boca Juniors e candidato presidencial mais importante da direita, além de arqui-inimigo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner.
Descendente de italianos, assim como o seu amigo José Serra, Macri é conhecido por comentaristas amigos como “o Silvio Berlusconi argentino”, entre outras coisas, porque o ex-premiê italiano mesclava sua atividade política com a de presidente do Milan – e que às vezes deixava a direção do clube nas mãos de homens de sua confiança, assim como Macri.
Nesta quinta-feira (14/5), um grupo de torcedores do Boca jogou um líquido tóxico contra jogadores do River, seu maior rival, com quem decidia a classificação numa chave das oitavas de final da Copa Libertadores. Os jogadores rivais voltavam do intervalo quando foram surpreendidos pelo ataque. A partida se disputava no estádio La Bombonera, o mítico e temido caldeirão localizado num dos bairros mais populares da zona sul de Buenos Aires.
Versões publicadas nesta segunda pela imprensa argentina afirmam que o composto atirado pelos torcedores, que num princípio pensavam que se trataria de gás pimenta, era na verdade um líquido muito mais agressivo, pois se trataria de um produto elaborado a partir de um tipo de ácido e pimenta chili, que pode causar sérias lesões na pele.
A partida foi suspensa. O incidente foi considerado um vexame gigantesco por toda a imprensa argentina. Em decisão anunciada no sábado (16/5), a Conmebol (Confederação Sul-americana de Futebol) confirmou a eliminação do Boca Juniors da competição, a aplicação de uma multa de 200 mil dólares e a suspensão do estádio La Bombonera por quatro jogos internacionais.
Para Macri, esta foi mais que uma péssima notícia esportiva. Também foi um balde de água fria sobre suas ambições eleitorais.
O empresário e prefeito de Buenos Aires confiava no simbolismo de conquistar a Copa Libertadores poucos meses antes das eleições de outubro (a final do torneio está marcada para agosto), nas que será eleito o sucesso da presidenta Cristina Fernández de Kirchner.
Considerado o homem preferido da imprensa conservadora e da Embaixada dos Estados Unidos, Macri possivelmente sentiu um frio na espinha quando viu que as imagens da agressão contra os jogadores do River davam a volta ao mundo.
Horas depois do ataque químico dos torcedores do Boca contra os jogadores do River – alguns deles, os mais atingidos, tiveram que ser hospitalizados – Macri começou a usar seu poder dentro do obscuro mundo do futebol para impedir que o clube recebesse um castigo severo.
A defesa do Boca Juniors ainda tentará apelar da decisão da Conmebol – sua proposta é a de jogar o segundo tempo daquela partida em estádio neutro e sem torcida –, mas a instituição já anunciou a próxima rodada de quartas de final, onde o classificado River Plate enfrentará o Cruzeiro de Belo Horizonte, atual campeão brasileiro.
Segundo publicaram alguns meios argentinos, o líder conservador ligou diretamente para o presidente da Conmebol, Juan Angel Napout para atenuar a sanção contra o Boca. Paralelamente, enviou a Assunção (cidade onde fica a sede da Conmebol), seu afilhado político, Daniel Angelici, atual presidente do Boca.
Angelici é o presidente, mas Macri é quem realmente tem o poder no Boca.
RELAÇÕES COM A MÁFIA
Apesar do vexame causado pela agressão dos torcedores boquenses, Angelici, o testa-de-ferro de Macri, declarou no dia seguinte que estava satisfeito com o comportamento da torcida organizada, conhecida como La 12 – décimo segundo jogador do time, como ela se considera.
A influência da torcida organizada foi vista claramente na noite da quinta-feira, no final do jogo, quando os jogadores do Boca Juniors foram ao vestiário aplaudindo a torcida, um gesto com enorme simbolismo, tendo em vista o ocorrido minutos antes.
Essa situação acontece porque nem os jogadores nem a dirigência do clube são capazes de ocultar a relação dessa mesma dirigência com as máfias que controlam a torcida organizada.
Claro que essa declaração de Angelici, elogiando os vândalos da La 12 complica ainda mais a imagem do seu padrinhopolítico, Mauricio Macri, que gosta de utilizar o discurso eleitoral de defesa verborrágica da ética e da transparência, tal qual os dirigentes neocons da moda na América Latina.
Apesar das palavras e do marketing de Macri, todo mundo sabe que nem a ética nem a transparência funcionam no submundo do futebol, menos ainda no submundo do Boca Juniors, cuja torcida é responsável pela morte de várias pessoas nas últimas décadas.
Desde sua época como presidente do clube (entre 1996 e 2007), Macri mantém relação com as torcidas organizadas, segundo conta o livro do jornalista Gustavo Grabia, com detalhes muito bem documentados.
Quando Macri era presidente do Boca, mantinha vínculos estreitos com Rafa Di Zeo, um dos chefes da torcida e conhecido por suas atividades ilegais e sua violência. Há poucos meses, Di Zeo foi solto, após um período na prisão por uma tentativa de assassinato a outro torcedor boquense, membro de uma torcida organizada rival.
SERRA E OS ESTADOS UNIDOS
Macri vem mantendo vários encontros com José Serra nos últimos anos, em São Paulo e Buenos Aires, devido à liderança que ambos exercem nos partidos conservadores mais importantes de seus dois países.
Os dois estão na lista dos políticos mais apreciados pelos Estados Unidos, dentro de sua política contra os governos progressistas do PT e do FPV (Frente Para a Vitória, bastião do kirchnerismo), tal como foi revelado por vários documentos publicados por Wikileaks.
Segundo um telegrama confidencial norte-americano, Macri demonstrou sua simpatia e seu apoio à candidatura de Serra nas eleições brasileiras em 2010, quando foi consultado sobre o tema pela embaixadora estadunidense em Buenos Aires.
Também manifestou seus elogios a outro dos baluartes da direita sul-americana: o ex-mandatário e empresário chileno Sebastián Piñera.
Macri, Piñera, Serra e posteriormente Aécio Neves, assim como Henrique Capriles, dirigente da oposição golpista venezuelana, frequentam as reuniões de organizações neocons, como a Fundação Internacional da Liberdade, onde são sintonizadas as estratégias para acabar com o ciclo de governos de esquerdas sul-americanos.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, diretor da entidade, se pronunciou este ano a favor de Macri quando pediu “aos amigos argentinos que elejam Macri” – fez o mesmo em 2010, no Chile, em favor de Piñera.
DA LIBERTADORES À CASA ROSADA
Nas próximas semanas, saberemos se o escândalo de La Bombonera afetou a imagem de Macri, que atualmente está em segundo nas pesquisas sobre a corrida presidencial de outubro.
Apesar do impacto nos eleitores, o fato é que Macri havia apostado num grande ano futebolístico para o Boca Juniors, consciente de que sua imagem está associada à do clube e seus resultados.
Também é claro que a aposta mais ambiciosa era a de conquistar a Copa Libertadores de América, cujo campeão será conhecido em agosto, dois meses antes das eleições presidenciais na Argentina.
Para conquistar o campeonato, o Boca realizou contratações milionárias, como a do atacante Daniel Osvaldo, trazido do Inter de Milão, e do meia uruguaio Nicolás Lodeiro, que estava no Corinthians, cujos valores foram muito mais altos do que os habituais no mercado argentino.
Esse alto investimento em jogadores caros possivelmente foi uma decisão política: seria um gasto necessário para que Macri pudesse saltar da Copa Libertadores à Casa Rosada, sede da Presidência.
Segundo as pesquisas de opinião, Macri simboliza o antikirchnerismo, e mantém uma alta aprovação nas classes médias da cidade de Buenos Aires.
Mas ele também conta com a simpatia de parte dos eleitores pobres graças ao seu vínculo com o Boca Juniors, o clube mais popular do país.
Macri presidiu o Boca durante mais de uma década, a partir de 1996, período no qual os “xeneizes” (como costumam ser chamados os torcedores boquenses) conquistaram vários títulos, com destaque para os quatro títulos da Copa Libertadores de América.
Nesses anos, La Bombonera reafirmou sua fama de estádio temível, pela pressão da torcida e o clima de intimidação sobre os jogadores visitantes: uma pressão que os jogadores do River Plate sofreram na pele no último jogo mas que agora pode se voltar contra o homem mais poderoso do clube nos últimos anos.
Dario Pignotti, CartaMaior
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