Ciclista conta como um repórter tentou usá-lo para demonizar as ciclovias de SP
Ciclista desmascara má-fé do Diário de São Paulo. Ao tentar usá-lo para demonizar as obras da ciclovia em São Paulo, jornal não imaginava que estaria colocando a sua própria credibilidade em risco
Thiago Ermel, ciclista e editor do blog Pedal Elétrico, pedalava na região da av. paulista, altura do MASP, na última terça-feira, 19, quando foi abordado por uma reportagem do jornal Diário de São Paulo.
O jornalista pediu uma entrevista a Thiago para tratar das supostas paralisações nas obras da ciclovia na capital paulista e contava com a colaboração do entrevistado para confirmar a tese que seria estampada na matéria.
Thiago não corroborou com o que ouvira do jornalista e contestou a sua versão. Suspeitando que seu contraponto não seria publicado (ou poderia ser deturpado) pelo jornal, o ciclista utilizou o Facebook para relatar o episódio. Até o fechamento deste texto, sua postagem já havia recebido mais de 3 mil curtidas. Leia a íntegra:
Hoje eu voltava pela Paulista, na altura do MASP, quando, ao parar num semáforo, um jornalista do Diário de São Paulo pediu uma entrevista sobre a ciclovia da Paulista. A conversa foi mais ou menos assim:
– Você passa aqui sempre?
– Todo dia, indo para o trabalho e voltando.
– A gente tá vendo que as obras da ciclovia estão paradas há algum tempo, você reparou nisso?
– Paradas? Acho que não. Aqui não tem nada porque está praticamente pronta. Mas lá na Bernardino de Campos está a todo vapor, e na Praça do Ciclista vi eles colocando asfalto pigmentado esses dias.
– Mas aqui está tudo parado, fechado…
– Acho que só vão abrir quando estiver totalmente pronta, né? Por uma questão de segurança.
– Mas as obras vão atrasar, vão passar da data limite.
– Olha, até onde sei o cronograma previsto era de seis meses… (nesse momento eu já tinha sacado a intenção de procurar picuinha para criticar ciclovias).
– Mas vai atrapalhar a Parada Gay, agora em junho.
(Só pensei: se com manifestação quase toda semana, inclusive muito grandes, não teve nenhum incidente com a ciclovia, porque teria num evento totalmente pacífico?)
– Acho que não atrapalha não…
– E o pessoal reclama, diz que são pouco usadas.
– (Aí eu já comecei a ficar sem paciência.) Demanda induzida. Se você constrói uma via para carros, com o tempo mais carros passam a usar aquela via, até congestionar. Se constrói uma linha de metrô, ela vai enchendo e saturando aos poucos. É a mesma coisa com ciclovias.
– Isso é o que o prefeito diz. Primeiro as ciclovias, depois as bicicletas…
– Isso é o que os urbanistas dizem. Ele só está repetindo o que aconteceu e acontece em todo o resto do mundo. Mas eu tenho a impressão que quando esta ficar pronta, o uso vai surpreender os críticos.
– Sei. Mas e as obras, estão paradas, né?
– Cara, dá uma olhadinha nas pontas da Paulista. Checa lá que você vai ver que elas continuam.
– Tá. Podemos tirar uma foto sua com a bicicleta, ali no meio (na ciclovia)?
– Ah, não, né? Depois alguém vai dizer que eu estava usando a ciclovia sem estar pronta, sem segurança…
(O fotógrafo bateu ali mesmo, na calçada, com a ciclovia ao fundo. O repórter não gravou a fala, não fez uma anotação sequer – apenas meu nome, profissão e idade. A ver o quanto disso tudo aparecerá amanhã na matéria do Diário de SP).
Quando a matéria foi publicada no jornal, as suspeitas de Thiago se confirmaram: o Diário de São Paulo omitiu todo o seu depoimento.
“Tem o comentário de uma comerciante que tem um quiosque na Paulista, de uma faxineira e também de uma advogada que trabalha e mora na região. Mas não do ciclista que faz a Paulista de ponta a ponta diariamente, indo e voltando para o trabalho, desde o início de 2014, acompanhando de perto e com muito interesse a evolução da ciclovia”, lamentou.
“Não tenho dúvida de que as informações que eu levei para o repórter eram não só relevantes, mas apresentavam um ponto de vista diferente que poderia dar mais substância à reportagem (sem falar em imparcialidade). Mas não foi aproveitado, pois desde o começo não era o que entrevistador queria demonstrar”, continuou.
Para Thiago, o Diário de São Paulo tentou colocar em xeque as ações da CET e da Prefeitura, mas o que “acabou indo para a fogueira foi a credibilidade do jornal”.
“Mencionei precisamente, um dia antes da publicação, o que eu via com meus próprios olhos e o que a Prefeitura informou: as obras estão ocorrendo nas extremidades da Paulista, especialmente na Bernardino de Campos. Mas não podiam desmentir a versão predominante […] Ao menos o jornalista teve a decência de não distorcer minha fala – acho que ia tão frontalmente contra as instruções que ele trouxe da redação, que pouco havia o que fazer com ela. Nem por isso foi menos desonesto com o leitor”, concluiu.