"Sou mãe e mereço estar na USP igual a todos os outros que não têm filhos e passaram no vestibular". O desabafo de uma estudante de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo, humilhada por ser mãe
Aline Shirazi Conte*, Brasil Post
Eu pensei em nunca escrever isso. Primeiro porque 99% dos professores da USP são maravilhosos e não queria ferir reputação. Segundo porque fui humilhada por ser mãe.
Nesta quarta-feira, fui fazer uma prova e meu nome tinha sumido da lista de presença. Eu não sei o que você sentiria ao saber que aquela prova que vai te dar um diploma em dois meses você não poderia fazer por ser MÃE (isso, por ser mãe). Eu tirei licença na USP – pela segunda vez, é verdade – e, concordando ou não, é um direito que tenho por uma lei federal e pelas diretrizes da universidade. Minha licença foi aprovada diretamente pela coordenação de graduação.
Porém, nesta quarta-feira, fui assinar uma lista que continha meu nome um mês antes e tinha sumido. O professor olhou para o teto e falou que eu não deveria fazer a prova e que não existe essa história “de lei federal”. Também comentou que não ia me dar nota.
Foi como se um elefante tivesse sentado na minha cabeça, e minha vontade era sair correndo igual criancinha, chorando pelos corredores.
Fiz melhor, fiquei, assinei a lista atrás e fiz a prova.
A prova continha quatro questões de exatas que eu tinha visto algumas centenas de vezes naquela semana enquanto amamentava, jantava, via Madagascar, recebia visitas, ouvia música alta na casa dos outros e enquanto eu cantava para ninar uma das crias. Porque sou mãe de duas.
Duas meninas que me são motivo de ORGULHO e não de humilhação.
Esse é o ambiente que eu estudo faz três anos, e faz três anos que minhas notas melhoraram horrores de quando eu não era mãe.
As quatro questões eram fáceis e eu estava preparada. Meus olhos embaçados de água me feriram, mas não me atrapalharam ao resolver aquelas questões. Tive que dividir 1 por 2,88 mais de 10 vezes na calculadora com medo de ter errado, de tanto que eu tremia e não controlava meus dedos.
Saí da prova em 40 minutos, fui a primeira a sair, com todas as questões feitas e nenhuma dúvida sobre como resolvê-las. Tentei mais uma vez conversar em vão.
Pensei em chamá-lo de algo horroroso, mas eu só disse: “não fique bravo comigo, professor, fique bravo com a lei”.
Ele fez que ia me ignorar e falou que não ia conversar agora.
Assim como não conversou enquanto eu estava grávida, nem no primeiro dia de aula, nem na primeira prova e nem respondeu nenhum e-mail que eu mandei ou que a USP mandou.
AH! ele já tinha ignorado minha licença três anos atrás. E eu havia aceitado por não saber lutar.
Não tive alternativa. Formalizei reclamação por escrito, entrarei com processo e já pedi um revisor para a correção das minhas provas. A coordenação já esta sabendo, a reunião será em junho e já terá minha pauta.
Ainda estou com medo de sair daquela instituição com nota, com 100% de matérias feitas e sem diploma, mas não vou sair quieta. Essa é uma briga que me certifiquei de estar certa, me certifiquei que não estou sozinha nessa e que eu não abaixarei a cabeça por ser mãe. Não mais, nunca mais.
Eu mereço fazer e estar naquela universidade mais ou igual a todos aqueles que não são mães e que passaram no vestibular.
Em contraponto, e isso é a maioria, tive uma professora que na prova pegou minha filha no colo com toda a delicadeza do mundo e outro professor que me disponibilizou monitores e seminários com todo o carinho e disponibilização do mundo virtualmente – e ainda se preocupa com a saúde dela.
Se escrevo isso é para que esse 1% NUNCA MAIS humilhe alguém por ser mãe. Por ser mulher. Por ser qualquer coisa.
Pelas minhas filhas, essa luta eu vou até o fim. Para que se elas quiserem ser mães – ou não – na universidade, esse problema seja pertencentes apenas a elas.
*Mãe e estudante de Gestão Ambiental na USP
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