O distritão e o mito do sistema eleitoral brasileiro
Reformar o sistema eleitoral esperando diminuir a corrupção é como tomar remédio contra insônia para combater gripe. A origem da corrupção (há diversos estudos que apontam isto) está no financiamento eleitoral, não no sistema eleitoral, em si.
Márcio Carlomagno*, Pragmatismo Político
“O sistema eleitoral brasileiro é injusto, pois candidatos com poucos votos conseguem se eleger deputados, enquanto outros, com mais votos, não se elegem.” Esta é a síntese de uma das maiores queixas do cidadão brasileiro sobre a política atual. Mas será que esta afirmação é verdade?
É neste contexto de insatisfação que surge a proposta de reforma política chamada “distritão”, que será votada na Câmara dos Deputados nos próximos dias. O distritão atrai por sua simplicidade: os mais votados se elegem, ponto. Além da série de problemas que este tipo de modelo eleitoral traria para a política brasileira (como enfraquecimento dos partidos e hiper-personalização das campanhas e mandatos) a incoerência maior é que ele se propõe resolver um problema que, olhando atentamente, não existe: a distorção na representação provocada pelo atual sistema eleitoral.
No gráfico que ilustra esta matéria está a síntese de um estudo, publicado pelo Observatório das Elites Políticas do Brasil, da Universidade Federal do Paraná, no qual eu realizei uma simulação aplicando as regras do distritão aos resultados das últimas eleições. Em resumo, percebemos que apenas 45 dos 513 eleitos para a Câmara dos Deputados (8,77% do total) e 141 de todos os 1059 deputados estaduais (13,31%) não foram, também, os mais votados em seus respectivos estados. Ou seja, o sistema proporcional brasileiro já dá conta que os eleitos sejam, também, em sua ampla maioria, os mais votados. Parece que quem espera “tirar esse pessoal que está aí” ou acha que “tudo irá mudar” com esta reforma vai se frustrar.
Por que as pessoas sentem esta “crise de representação”, então? Reiteradamente vemos na mídia, nos jornais impressos, na televisão, muita exposição sobre o chamado “efeito Tiririca”, o que leva o cidadão comum a acreditar que é isto que acontece em todos os casos, quando não é. Os dados mostram que as “injustiças” ou “distorções” do atual sistema eleitoral são a exceção, não a regra. Por que precisaríamos do distritão, então?
Leia também: A Reforma Política deve começar a ocorrer através de Plebiscito ou Referendo?
Alguém poderia responder que é para acabar com a corrupção – outra das maiores insatisfações da população com a política. É preciso, contudo, lembrar que existem muitas “reformas políticas” possíveis, dizendo respeito a pontos muito diversos, tais como sistema eleitoral, financiamento de campanha, unificação das eleições, fim das coligações para o legislativo e por aí vai. Qualquer reforma é uma tentativa de solução para algum problema, mas cada um destes aspectos possíveis de serem reformados diz respeito a um problema diferente. É preciso existir uma sintonia entre o remédio tomado e a doença a ser combatida. Reformar o sistema eleitoral esperando diminuir a corrupção é como tomar remédio contra insônia para combater gripe. A origem da corrupção (há diversos estudos que apontam isto) está no financiamento eleitoral, não no sistema eleitoral, em si.
Enquanto o Congresso faz barulho sobre algo que não é realmente um problema (o sistema eleitoral) os temas mais importantes permanecem no silêncio.
*Márcio Carlomagno é cientista político, mestre pela Universidade Federal do Paraná e colaborou para Pragmatismo Político.