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Terrorismo 22/Mai/2015 às 18:28 COMENTÁRIOS
Terrorismo

Por que nos fascinamos com as cenas de violência do Estado Islâmico?

Publicado em 22 Mai, 2015 às 18h28
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Imagem: Pragmatismo Político

A violência perpetrada pelo Estado Islâmico provoca um estranho fascínio em milhões de pessoas que não são jihadistas e, provavelmente, não têm a menor intenção de vir a sê-lo. Poucos desviam o olhar quando, na televisão ou no YouTube, surgem vídeos em que despencam as cabeças dos reféns decapitados, um piloto jordaniano é queimado vivo em sua cela ou uma parte da história humana é destruída a marretadas.

Ao terminar de assistir o que os extremistas queriam que você visse, talvez você sinta ódio, asco ou vergonha. Tanto faz. Eles conseguiram injetar em você a droga do medo e, agora, você exige vingança (“Que façam o mesmo com eles! Que cortem suas cabeças!”). É dessa forma que eles fazem escalar a “espiral de violência” nos lares, gabinetes políticos e quartéis militares. Essa mesma espiral que levou democracias ocidentais teoricamente fundadas sobre os direitos civis a reagir ante os atentados de 11 de setembro com o horror de Guantánamo, as torturas de Abu Ghraib, os cárceres secretos da CIA ou as invasões, pouco ponderadas e ainda mais pobremente concebidas, do Iraque e do Afeganistão.

Antes de refletir sobre sua própria reação, você se pergunta como é possível que esse tipo de conteúdo tenha chegado até sua mesa de jantar, até a sala de estar de sua casa, onde se encontra a mesma televisão na qual seus filhos assistem Cinderela enquanto brincam no tapete. O principal motivo é que o Estado Islâmico domina a arte da comunicação: sabem o que devem transmitir aos meios de comunicação para que os jornalistas não possam resistir à divulgação; conseguiram lançar uma sofisticada campanha de marketing digital e aprenderam os truques de Hollywood para construir uma cena que deixa feridas na memória do espectador.

Leia também: O Estado Islâmico, os Estados Unidos e as perguntas certas

Luis Veres, professor da Universidade de Valência, na Espanha, e especialista em comunicação e violência, observa que “existe uma simbiose entre o jornalista que busca o espetáculo e o terrorista que converte o espetáculo em mensagens a serem transmitidas“. E adverte que “o terrorismo moderno, com exceção do terrorismo de Estado, não pode ser explicado sem a presença dos grandes meios de comunicação“. É quase impossível propagar o pânico sem o soberbo megafone das televisões, das rádios, das grandes manchetes e, agora, da Internet.

O vídeo da decapitação de 12 cristãos egípcios na Síria exibe a palavra “Al-Hayat” nos títulos de crédito. Al-Hayat, que significa “a vida” em árabe, é a produtora dos vídeos que exibem execuções no Estado Islâmico, sendo também responsável pela edição de uma revista digital chamada Dabiq e por uma estação de rádio na cidade iraquiana de Mossul. Eles publicam mensagens diárias nas redes sociais, especialmente no Twitter, e forçaram os Estados Unidos a criar uma divisão especializada para o rastreamento de sua propaganda. Surgiram então centenas de imitadores do grupo terrorista, o que levou o líder Abu Bakr al-Baghdadi a protestar contra os que supostamente distorciam sua verdadeira mensagem com uma torrente de tweets em contas não autorizadas.

Gonzalo Ibáñez preside a Kanlli, uma consultora de marketing digital espanhola que opera em Madri e no Catar. Ibáñez nos pergunta, antes de o entrevistarmos: “Você tem certeza de que precisa de um especialista em marketing, e não de um psiquiatra?” Admite que o Estado Islâmico entendeu perfeitamente “a natureza da Internet como meio descentralizado ideal para divulgar a mesma mensagem tanto em gravações quanto em simples arquivos PDF, em milhares de lugares diferentes que as autoridades tardarão muito em bloquear, se é que os encontrarão“. Também entenderam, segundo ele, “a preferência das pessoas pelo vídeo, a necessidade de comunicar sua mensagem em diferentes idiomas, para que ela seja global, e a ênfase necessária nas redes sociais: o Facebook para o doutrinamento de grupos menores e o Twitter para a propaganda de massa“.

A imagem típica do jihadista que atende ao chamado do terrorismo e da guerra na Síria ou no Iraque é a de um jovem desenraizado, de origem humilde e formação mínima, que se converte subitamente a um islamismo recém-conhecido. Costumamos nos esquecer de que também há pessoas com outro perfil: jovens que renunciaram a tudo para combater o próprio país que os ensinou a usar as armas de venda e comunicação com que agora esperam atacá-lo.

A Al-Hayat, segundo especialistas em marketing e terrorismo islâmico como a israelense Anat Hochbeg-Marom, transformou em passado as toscas imagens veiculadas pela Al-Qaeda, e isso também fez com que suas produções tenham muito mais êxito, por exemplo, no YouTube. Com meios técnicos surpreendentes e domínio da linguagem audiovisual, conforme lembra o especialista em comunicação e violência da Universidade de Sevilha, Manuel Garrido, “conseguiram que nos identifiquemos com as vítimas, que odiemos os agressores e que as imagens nos atraiam tanto quanto nos repugnam“.

Moussa Bourekba, analista do CIDOB (Centro Barcelona para Questões Internacionais) para assuntos árabes, afirma que o EI “busca uma audiência que não seja composta apenas por jihadistas ou muçulmanos, como também por todos nós, por aventureiros que anseiam por emoções fortes, como fazer a guerra na Síria, e por membros de grupos rivais que pretendam absorver“.

Em março, após o sucesso da divulgação das execuções, o EI já havia se convertido no inimigo público número um do presidente norte-americano Barack Obama. Foi então que o grupo extremista nigeriano Boko Haram, que havia protagonizado no ano anterior os meios de comunicação mundiais pelo sequestro das meninas de Chibok, anunciou uma aliança com o Estado Islâmico. O Boko Haram não apenas é mais antigo, como também o criador da bandeira preta utilizada pelo Estado Islâmico em suas marchas e decapitações.

Talvez, contudo, o mais inquietante não seja que o horror das decapitações atraia outros criminosos. O que é preocupante é que atraia você, ainda que seus maiores crimes tenham sido não emitir nota fiscal, avançar no sinal vermelho ou furar fila no cinema. José Sanmartín, ex-diretor do Centro Rainha Sofia para o Estudo da Violência, observa que “não gostamos do terror, mas daquilo que ele provoca em nosso organismo“. Segundo ele, sentimos prazer em duas etapas: a primeira tem a ver com a preparação para a ação e é movida pela “adrenalina, pelas endorfinas e pelo aumento da pressão cardíaca e aceleração da respiração“; a segunda etapa, ao vermos, por exemplo, um vídeo do Estado Islâmico, “consiste no efeito de relaxamento ligado a neurotransmissores como a serotonina“. Você continua tranquilo na sala de estar de sua casa.

Todas essas reações químicas, que são acionadas por esportes de risco como o bungee-jumping ou filmes especialmente violentos, são multiplicadas por uma cenografia tão cinematográfica que, segundo alguns antigos especialistas em antiterrorismo da CIA, como Aki Peritz, os próprios executados parecem tranquilos em alguns momentos, incapazes de acreditar que vão morrer daquela forma. Também colabora para inflamar a reação dos espectadores, lembra Sanmartín, o desconcerto trazido pela justificativa religiosa e moral do assassinato de inocentes, pelo fato de afirmarem que agem dessa forma pois foram obrigados por nossas agressões prévias e por destruírem obras e monumentos que dão sentidos à nossa interpretação da história humana e, portanto, à nossa própria existência.

Saiba mais:Como é viver em cidades dominadas pelo Estado Islâmico

Moussa Bourekba crê que um dos elementos mais espetaculares desta cenografia seja “a forma como vestem as vítimas com macacões de cor laranja, semelhantes aos usados pelos prisioneiros de Guantánamo“. Esta é uma maneira de nos lembrar que aquilo é uma forma de vingança, com a qual esperam desatar o mesmo ciclo de violência que levou uma das principais democracias do mundo, orgulhosa de ter derrotado os nazistas de Auschwitz e os genocidas de Srebrenica, a abrir algo muito parecido com um campo de concentração a menos de 200 quilômetros das praias de Miami. E que o fizeram com o apoio da maioria de uma população aterrorizada pelo horror das imagens do 11 de setembro de 2001. Pessoas como você.

Gonzalo Toca, Yorokobu. Tradução: Henrique Mendes, Opera Mundi.

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