Em Brasília, ricos são os que mais ocupam área irregular. Estudo revela que a maior parte das ocupações ilegais de terra no Distrito Federal se concentra na área mais nobre da capital, onde a renda familiar média chega a R$ 21 mil. Haverá processo de desocupação?
Sara Resende, Congresso em Foco
Os ricos, e não os pobres, são os que ocupam ilegalmente as maiores áreas públicas do Distrito Federal. Estudo feito pela Câmara Legislativa do DF revela que as invasões feitas na orla do Lago Paranoá – uma das regiões de maior poder aquisitivo do país – superam a área somada pelas três ocupações mais carentes da capital federal – a Vila Estrutural, o Por do Sol e o Sol Nascente. Ao todo, 1.574 hectares de áreas públicas foram tomados por moradores dos bairros nobres do Lago Norte e do Lago Sul, onde a renda domiciliar média vai de R$ 13,8 mil, no primeiro, a R$ 21,7 mil, no segundo – ou seja, de 19 a 30 salários mínimos. Na Vila Estrutural a renda domiciliar média é de R$ 1,4 mil. No Por do Sol e no Sol Nascente, é de R$ 1,8 mil – pouco mais de dois salários mínimos. Os dados sobre a renda são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2014.
Segundo o levantamento da Câmara Distrital, a Estrutural ocupa uma área de 154 hectares, um décimo das apropriações do Lago Sul e da Península Norte. A tomada do Por do Sol abrange 96 hectares, enquanto a do Sol Nascente, em Ceilândia, 385 hectares. As três ocupações somam 1.500 hectares, o que torna a invasão da orla do Lago Paranoá a maior do DF. Confira a íntegra do estudo aqui.
Taxa de ocupação
Os invasores das áreas nobres, no entanto, não devem se preocupar com a eventual demolição de suas edificações. O estudo da Unidade de Desenvolvimento Urbano, Rural e Meio Ambiente (UDA) da Câmara Legislativa sugere ao Governo do Distrito Federal (GDF) a elaboração de um projeto de lei para cobrar o pagamento de uma taxa de ocupação pelo uso dos terrenos da orla do Paranoá durante dez anos. Após esse período, a área deverá ser devolvida ao poder público.
O documento da Câmara Legislativa não estima o prejuízo que o GDF sofreu por não multar as invasões de terras no lago. “A arrecadação proveniente de uma cobrança de taxa pela utilização privada dessas áreas públicas, que poderia ter sido revertida em obras e serviços em prol de toda a comunidade, nunca foi realizada”, ressalta o estudo.
O governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), anunciou na quinta-feira (14) medidas para recuperar a “saúde financeira” da unidade federativa, que sofre grave crise administrativa desde o final do governo Agnelo Queiroz (PT). Entre as propostas do governador, está a cobrança pela ocupação de áreas públicas tanto residenciais quanto comerciais.
A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) notificou proprietários de lotes próximos ao lago em março deste ano. O MPDF e a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) querem a desobstrução de uma faixa de 30 metros da Área de Preservação Permanente (APP). A borda será comunitária e acessível a toda a população. Essa proposta resgata o projeto arquitetônico de Lúcio Costa na criação de Brasília. A ideia original do parceiro de Oscar Niemeyer era a de que as margens do lago fossem delineadas com uma alameda de contorno. Assim, as casas não chegariam até a beira da água.
O prazo de liberação total da orla é de dois anos. Mas o TJDFT acatou uma petição da Associação dos Amigos do Lago do Paranoá suspendendo a aplicação do acordo de retirada de cercas e muros da APP.
Ausência de Estado
Para o deputado distrital Joe do Valle (PDT), que encomendou o estudo da CLDF, há uma “ausência completa de Estado na região dos lagos”. O pedetista afirma que, caso o GDF apresente um projeto de lei para combater as ocupações nestes bairros, o crime de invasão nos terrenos públicos será “finalmente oficializado e punido”.
A situação de impunidade se arrasta desde 2005, quando o Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) entrou com uma ação contra o GDF para que removesse as ocupações ilegais às margens do lago da cidade e recuperasse as APPs. Em 2013, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) relatou o “descaso” do GDF ou “velado descumprimento” dos prazos do processo de desocupação da orla do Paranoá.
Em sua página no Facebook, o deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ) resumiu assim a diferença entre o tratamento dispensado às ocupações em áreas nobres e pobres na capital federal: “O crime de rico, a lei o cobre”. Chico relembra a desocupação feita em fevereiro pela Polícia Militar no Sol Nascente, situado em uma cidade satélite do DF.
“Em um bairro pobre, a Agefis ordenou a derrubada de centenas de construções nas comunidades – com o uso intenso de força por parte dos policiais. Muitas famílias foram pegas de surpresa, resistiram, mas os mais de 600 policiais envolvidos os expulsaram de suas casas”, criticou o deputado.
O carioca comparou a abordagem do governo nos bairros mais pobres e nos mais abastados. “Na margem do Lago, a PGDF e o MPDFT fizeram um acordo, para uma desocupação ‘lenta, gradual e segura’. Nem isso colou. O desembargador do TJDFT suspendeu liminarmente o acordo”, lembrou.
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