Dilma nos EUA: mais que novas relações, possibilidade de ganhos políticos e econômicos. Visita da presidente pode mudar cenário do segundo mandato e afetar posição do Brasil no mundo
Filipe Figueiredo, Opera Mundi
A visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos pode tanto mudar o cenário de seu segundo mandato quanto afetar a posição do Brasil na comunidade internacional. A presidente iniciou no domingo, dia 28 de junho, sua visita de trabalho ao país, com uma agenda que inclui Nova Iorque no dia 29, Washington nos dias 29 e 30 e encerra-se em São Francisco, no dia 1º de julho. Uma visita bilateral longa para os padrões de Dilma, criticada, com dose de razão, por negligenciar os aspectos externos da política nacional. O esmiuçar da agenda de Dilma demonstra diversos aspectos, de política interna e externa, que, bem-sucedidos, podem melhorar as perspectivas de seu governo, além de influenciar questões geopolíticas globais.
O principal foco da visita e dos comentários em torno das relações bilaterais entre os dois países será o simbolismo do encontro entre Dilma e Barack Obama. É sabido e notório o escândalo de espionagem do governo dos EUA denunciado por Edward Snowden, que incluiu as comunicações pessoais de outros líderes nacionais, como Angela Merkel, da Alemanha, e a própria Dilma. O episódio causou grande distensão nas relações entre os EUA e a comunidade internacional, incluindo o Brasil. Dilma falou de forma incisiva sobre o assunto na Assembleia Geral das Nações Unidas, recebendo apoio alemão. Dilma também cancelou uma visita de Estado que faria aos EUA, um aspecto que deve ser deixado claro: a atual visita, de trabalho, não possui os mesmos impactos, simbolismos e importância da visita cancelada.
Em outras palavras, a visita sinaliza um fortalecimento de boas relações, mas ainda não recupera o lastro perdido no caso Snowden. Dilma será recebida em jantar na Casa Branca e ficará hospedada, quando em Washington, na Blair House, o palácio para hóspedes dignatários do governo dos EUA. Bons sinais de relações amistosas, de força simbólica, que espera-se que rendam frutos em outras agendas. Não que uma agenda política bilateral não exista. A proximidade no ramo de Defesa é uma delas. Obama espera adiantar a pauta ambiental com Dilma, pensando na COP21, que será realizada em Paris no final do ano. Em tempos recentes, nesse tema, o discurso brasileiro e o discurso dos EUA foi pouco congruente, o que espera-se que seja, no mínimo, amenizado.
Outras pautas políticas bilaterais envolvem temas previdenciários, já que existe um grande intercâmbio, mútuo, de profissionais dos dois países, além de um antigo desejo brasileiro: a dispensa de vistos para turistas brasileiros. As discussões sobre isso são realizadas desde uma década, no mínimo, e, caso consiga-se um avanço, pode representar uma vitória para Dilma. E não apenas na política exterior. Uma das principais críticas feitas ao governo Dilma, e ao governo Lula também, seria a do “antiamericanismo”, ou, no mínimo, de distanciamento dos EUA, um tradicional aliado, em prol de novas relações, como o BRICS. Pior, em prol de relações exteriores com motivos ideológicos, com os “bolivarianos” e Cuba.
Deixando de lado o sensacionalismo, o senso-comum e a falta de substância de boa parte dessas críticas, uma aproximação inédita como a abolição de vistos para turistas representaria, com impacto, uma boa relação com os EUA; logo, esvaziaria as críticas citadas, repetidas até pela Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Poderia retomar parte do prestígio do governo com a classe média urbana, maior favorecida por uma medida como essa. No que concerne a política internacional, o foco deve ser o continente americano, especialmente Venezuela e Cuba, além da cooperação para as vindouras eleições no Haiti. O primeiro mandato de Obama focou-se no Oriente Médio e a Guerra ao Terror, agora os EUA estão retornando o olhar para os vizinhos. A retomada de relações com Cuba e a distensão com uma Venezuela em crise devem ser debatidas, mas longe de serem prioridade.
O simbolismo político da visita de Dilma, entretanto, pode ter seu maior impacto é na agenda econômica. Dos quatro dias de sua visita, a presidente passará boa parte de seu tempo em fóruns empresariais, encontros com investidores e empreendedores. Inclusive, visitará o Vale do Silício, na Califórnia, quando a pauta deve ser inovação e intercâmbio intelectual; os EUA é o principal destino de intercambistas brasileiros do programa Ciência sem Fronteiras. Reaproximar-se de Obama é resgatar uma relação de confiança entre as duas economias, com esses investidores e empresários. Em meio ao anúncio de programas nacionais de concessões estatais e de incentivo para exportações, é uma relação mais que bem-vinda, necessária.
Uma injeção de capital na economia brasileira, nesse momento, é também um sopro de alívio para o segundo mandato de Dilma, que começou em crise. A relação econômica também é uma via de mão-dupla. Boa parte da comitiva presidencial é de ministros das áreas de economia e comércio. Joaquim Levy, ministro da Fazenda, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, estão presentes. Uma das prioridades brasileiras será a da abertura do mercado local para a importação de carne brasileira in natura, além da assinatura de acordos para unificação de regras em setores técnicos. A construção de uma agenda econômica na política exterior, com cooperação interministerial, é um dos focos do chanceler Mauro Vieira; ex-embaixador em Washington, lembre-se.
Não é apenas a importância das relações, mas também a possibilidade de ganhos políticos e econômicos, inclusive internos, que explica o foco de Dilma na visita. Ela teria dedicado boa parte de sua agenda recente em reuniões ministeriais para acertar detalhes e aspectos da visita. Com a recém-visita chinesa ao Brasil e o anunciado pacote de investimentos, a vindoura Cúpula do BRICS na Rússia, a institucionalização do Novo Banco de Desenvolvimento, a negociação de acordos comerciais entre Mercosul e União Europeia e, agora, a visita aos EUA, o Brasil consegue uma variedade de parceiros raramente vista. As relações Sul-Sul construídas na chancelaria de Celso Amorim somam-se à agenda comercial atual.
A visita de Dilma aos EUA e seu encontro com Obama é reduzida, ou focada, ao seu simbolismo político. Nas palavras de Roberta Jacobson, secretária de Estado adjunta para a América Latina, “trata-se do início de um novo capítulo em nossa relação bilateral. Esta relação foi posta à prova nos últimos 18 meses”. O destaque é justificado e importante, mas não a redução. Uma grande possibilidade de ganhos políticos e econômicos está ao alcance do governo de Dilma Rousseff. Seu segundo mandato começou já desgastado e passa por momento de queda de popularidade e radicalização do debate interno, com uma economia questionada e presente diariamente nos jornais. Novos investimentos, renovação econômica e o fortalecimento de relações com o “velho aliado” podem mudar esse panorama em curto prazo.
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