por Jean Wyllys*
Existem quatro erros comuns que se repetem cada vez que um caso de corrupção vem à tona e se transforma no “escândalo”, sobre os quais precisamos refletir:
1) O problema da corrupção não são os casos individuais, porém, cada vez que um caso de corrupção estoura na mídia, é tratado como se fosse um caso isolado. Assistimos, então, à construção de um “vilão”, sobre o qual recai a culpa por algo que não é mais do que um sintoma de um problema sistêmico. Nenhum partido (nem o PSOL) está isento de ter, em suas fileiras, um corrupto. Se o problema fosse apenas existirem pessoas corruptas, não seria tão grave: a solução seria apenas identificar e expulsá-las. Mas sabemos que o problema não é esse.
A corrupção é um componente inevitável de um sistema de governo em que as campanhas são financiadas por bancos, empreiteiras, empresários do agronegócio, igrejas fundamentalistas milionárias e todo tipo de lobistas; a governabilidade se garante comprando votos no Congresso (e o “mensalão”, seja petista ou tucano, não é a única maneira de se fazer isso; existem formas indiretas, como a distribuição, entre partidos aliados, de ministérios e órgãos públicos em função não do mérito, mas do orçamento) e governantes e parlamentares se preocupam mais em agradar empresários e corporações do que em manter o espírito republicano.
2) O problema da corrupção não é só moral. O “udenismo” costuma dominar o debate sobre a corrupção, e tudo é reduzido a desvios éticos individuais. A corrupção é também um problema econômico (porque são bilhões de reais que “somem” do orçamento da União, dos estados e dos municípios) e, sobretudo, um problema POLÍTICO. Não é por acaso que o PT, que antigamente era visto como o partido da ética, passou a se envolver cada vez mais casos de corrupção desde que chegou aos governos.
A corrupção acompanhou a aliança com o poder financeiro e o agronegócio; veio junto com submissão ao fundamentalismo religioso e com os acordos cada vez mais escandalosos com pilantras disfarçados de pastores que dominam o Congresso; acompanhou o uso da repressão contra o povo nas ruas e a adoção do discurso da “segurança nacional” que, no passado, foi usado para reprimir aqueles que hoje estão no governo. Ou seja, o que houve não foi uma degradação moral, mas uma renúncia ideológica e programática.
E, por isso, a grana e os privilégios do poder substituíram, em muitos petistas (não em todos nem mesmo na maioria militante!), as convicções e a vontade de mudar o mundo como razão para se engajar na política. Então, se realmente quisermos acabar com a corrupção, o primeiro passo é voltar a dotar a política de sentido e conteúdo, para que mais gente entre nela desejando mudar o mundo e não ficar rico.
3) O problema da corrupção não é apenas a violação das normas, mas o fato de ela muitas vezes ser as próprias normas. Um bom exemplo disso é o financiamento de campanhas, que está sendo julgado pelo STF: se um candidato faz uma campanha milionária financiada por empreiteiras e empresários do transporte e, já eleito, tem que decidir entre aumentar ou não a passagem de ônibus ou tem de escolher entre os direitos dos moradores e os interesses de uma empresa cujo projeto imobiliário implica em removê-los, qual será mesmo a escolha dele? Se um senador teve sua campanha financiada pelo agronegócio, vai votar a favor de que tipo de Código Florestal?
Sendo assim, esse sistema eleitoral, que leva à formação de mega-coligações para garantir a governabilidade, não pode prescindir da corrupção. Ou vocês acham que o partido do sistema, que já foi aliado de petistas e tucanos, vai votar as leis porque lhe parecem boas se não tiver mais dois ministérios em troca? Tem inúmeras condições estruturais que favorecem ou até impõem a corrupção como combustível necessário para o funcionamento do sistema. Por isso, de nada adianta fazer, da corrupção, um problema apenas moral se não fizermos mudanças estruturais; se não mudarmos as regras do jogo.
4) A corrupção não é o único nem o mais importante problema da política. Vamos supor, por um instante, que fulano, candidato a presidente, governador ou prefeito, é uma pessoa comprovadamente honesta, no sentido mais restrito do termo: jamais usaria do cargo para se beneficiar ou beneficiar amigos e familiares; jamais enriqueceria com dinheiro público; jamais roubaria ou seria cúmplice ou partícipe de um roubo. Contudo, esse mesmo fulano defende uma política econômica que prejudica os trabalhadores; é fundamentalista, racista, homofóbico, tem ideias ultrapassadas sobre as relações humanas; é autoritário, personalista e etc. logo, a honestidade dever ser um dos requisitos para se escolher um político, mas não podemos nos esquecer de que o mais importante é a política que ele faz ou propõe: as ideias, o programa, a visão de mundo, os interesses em jogo.
Colocar a corrupção, como já dissemos, como um problema moral, exclusivamente individual, identificado apenas com um determinado setor político e, ao mesmo tempo, despolitizado no sentido mais amplo, é também uma forma de esconder os verdadeiros debates de que o país precisa, como se todos os nossos problemas se reduzissem a três ou quatro escândalos convenientemente destacados nas manchetes.
*Jean Wyllys é professor universitário e deputado federal pelo PSOL
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