Eles defendem a “legalização do estupro e da pedofilia” e continuam impunes
Gangue que defende a legalização do estupro, o estupro corretivo para lésbicas, o assassinato de negros e gays e a pedofilia “só com meninas” atua impune na internet e desafia a polícia
Eles defendem a “legalização do estupro”, o estupro corretivo para lésbicas, o assassinato de negros e gays, a pedofilia (só com meninas, afinal, para eles, uma garota de 12 anos já sabe o que está fazendo), crueldade contra animais, e toda sorte de condutas repugnantes.
Usam, há anos, a internet como caminho para espalhar suas mensagens de ódio e, esta semana, um dos seguidores dos chamados “Mascus” (de masculinistas) ganhou os holofotes ao publicar um guia de como estuprar garotas. Envolveu a Unesp (Universidade Estadual Paulista), que seria usada como “campo de teste”, e acendeu o alerta na Polícia Federal.
Mas o jovem Robson Otto é só mais um rosto mascarado em uma teia que incita a violência, preferencialmente contra mulheres, e age nas caladas dos chans (fóruns anônimos), e dos blogs de ódio. Ele não está sozinho nisso. Até abril de 2011, estava ativo o Silvio Koerich, o maior blog mascu da internet brasileira.
No entanto, com o massacre de Realengo e a investigação da Polícia Federal, com a suspeita de que Wellington Menezes de Oliveira (que abriu fogo contra os alunos de uma escola no Rio, matando 12 deles, a maioria meninas) pudesse ter sido incitado ao crime por esses grupos, Silvio Koerich saiu do ar.
O silêncio durou pouco. Emerson Rodrigues, vulgo Engenheiro Emerson, de Curitiba, e Marcelo Valle, de Brasília, elevaram à terceira potência o que já era um blog de ódio e reativaram o Silvio Koerich, desta vez com ameaças de morte (especialmente contra o deputado Federal e militante gay Jean Wyllys do PSOL-RJ), e o projeto de cometer um atentado na Universidade de Brasília. “Encomendaremos a morte de Jean”, chegaram a postar.
A casa caiu para eles quando a Polícia Federal, na Operação Intolerância, prendeu os dois jovens de classe média em março de 2012. Emerson Eduardo Rodrigues, então com 32 anos, e Marcelo Valle Silveira Mello, aos 26, foram detidos em Curitiba após mais de 70 mil denúncias de internautas, da sociedade civil e de representação das Secretarias de Proteção à Mulher e de Direitos Humanos da Presidência. A operação teve o apoio até da Polícia Federal americana (o FBI).
O conteúdo que vinculavam já era exatamente igual aos que apareceram nos blogs que viralizaram nos últimos dias.
Segundo Lola Aronovich, autora do blog feminista Escreva Lola Escreva, e professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará, que já foi várias vezes vítima de ameaças do grupo, eles apenas replicam as postagens, que já existiam desde a época do Orkut.
— Eu sou ameaçada por eles desde 2011, já fiz três boletins de ocorrência, o último foi perto do réveillon de 2014. Envio muitos prints para a Polícia Federal, mas, só agora, recebi um contato da divisão de direitos humanos. Eles sabem muito bem quem são essas pessoas.
Segundo Lola, já havia várias comunidades no Orkut, algumas festejando a morte de Elóa (assassinada pelo ex-namorado Lindemberg Alves), outras ensinando como dopar meninas para estuprá-las. São os mesmos posts que a gente está vendo agora, só regurgitando o discurso de ódio. Mas eram comunidades pequenas, fechadas, não chamavam tanto a atenção.
Mentores do ódio
A trajetória criminosa de Marcelo Mello teve início em 2005, quando ele publicou, no Orkut, ofensas contra negros em um fórum da Universidade de Brasília (UnB).
Foi processado e condenado, em 2009, a um ano e dois meses de prisão. Recorreu da decisão alegando insanidade e não passou um dia sequer na cadeia.
Em 2012, Rodrigues e Mello viviam falando que iriam cometer um atentado na UnB. Quando foram presos, havia com eles um mapa da universidade. Indiciados por incitação ao crime, discriminação racial e divulgação de imagens de conteúdo pornográfico juvenil, desta vez não foram soltos no dia seguinte. Entraram com recurso, mas foram condenados a 6 anos e meio de detenção. Ficaram um ano presos.
Saíram em maio de 2013, e quem monitora esse lamaçal da internet garante que voltaram à ativa.
Emerson conseguiu se casar enquanto estava na prisão e teve uma filha. Essa menina está com 3 anos e hoje é vítima de montagens grotescas de estupro entre os desafetos que angariou dentro do próprio grupo, Marcelo entre eles.
Emerson posa de perseguido e se diz injustiçado. No blog denunciado esta semana, como de autoria de Robson Otto, aparece uma foto de Emerson segurando o livro de Adolf Hitler.
Segundo Lola Aronovich, Marcelo Mello é um ícone entre os chaners. Começou um novo chan e vive falando da estadia dele na prisão. Com quase 30 anos, é um cara rico, com um secto de seguidores que o idolatram.
A mãe de Marcelo, Rosita Moreira, que já chegou a fazer contra ele um boletim de ocorrência por agressão, garante que o filho foi vítima de acusações levianas e já pagou pelo que fez. Sem querer comentar o assunto, se disse muito abalada com tudo o que aconteceu, mas defendeu o rapaz.
— Ele não tem essas ideias. Ele foi forçado. Foi um exagero, ele acabou sendo vítima de acusações levianas. Ele já pagou a pena dele à Justiça. Ele está em liberdade, estudando Direito e levando uma vida normal.
Fóruns anônimos alimentam os blogs
Não é o que parece. Quem monitora os chans aposta que é Marcelo Vale Silveira Mello o cérebro por trás dos blogs de ódio. Marcelo assina como Psy, Batoré, e com o próprio nome. De acordo com as denúncias de Lola Aronovich, ele fez outros sites com o mesmo conteúdo, como o Homens de Bem, Tio Astolfo e o Pua Hate.
Caue Felchar, aluno da Unesp, indicado como autor do blog de ódio que tomou o lugar da página de Otto esta semana, é a bola da vez, assim como Robson.
Juram que fazem tudo pela piada, mas desafiam a Polícia Federal e dão risada das denúncias. Os especialistas avaliam que faltam ferramentas no Direito Penal para coibir a ação desses bandidos virtuais. Enquanto isso, eles seguem nos chans planejando ataques contra quem consideram inimigos, ou seja, a sociedade como um todo. A denúncia é o melhor contra-ataque. Se você teve contato com páginas semelhantes, denuncie para a Polícia Federal aqui.