Eric Gil*, Pragmatismo Político
O campo de pesquisa sobre desigualdade de renda está sendo revolucionado no Brasil e no mundo. Novidade popularizada nos últimos anos principalmente pelo economista francês Thomas Piketty, a utilização dos dados de renda vindos diretamente de declarações de imposto de renda ao invés de pesquisas como o Censo e a PNAD, ambos do IBGE, anda afirmando que não vivemos em um processo de aumento da igualdade social, como dizem por aí.
Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) demonstraram em pesquisa preliminar que se utilizarmos os dados da Receita Federal, constata-se que a concentração de renda no período estudado (2006, 2009 e 2012) não foi tão significativa assim. Segundo os autores do artigo “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012”, os economistas Marcelo Medeiros, Pedro HGF Souza e Fabio Avila Castro,
“A desigualdade no Brasil é muito alta e estável. O 1% mais rico da população adulta concentra mais de um quarto de toda a renda do país. Os 5% mais ricos detém quase metade da renda. A concentração é tamanha que um milésimo das pessoas acumula mais renda que toda a metade mais pobre da população junta. Salvo uma pequena queda ao longo dos seis anos analisados, esses níveis de concentração mantêm-se praticamente os mesmos entre 2006 e 2012. Não há nenhum movimento claro de mudança da desigualdade ao longo do tempo. Os coeficientes de Gini de 2006, 2009 e 2012 são, respectivamente, 0.696, 0.698 e 0.688 e refletem um pequeno aumento seguido de queda. Sua variação no período, porém, é de apenas 1%.” (p. 9)
Este é um problema recentemente escancarado não só no Brasil. No seu livro “O Capital no Século XXI”, Piketty também demonstra que em diversos outros países a concentração de renda aumentou no último século. O economista francês, no final, propõe uma mudança na tributação, o aumento do imposto progressivo (quanto mais rico, mais pague imposto).
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A tributação no Brasil
Em recente artigo para o Valor Econômico, os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, endossaram estas novas pesquisas sobre desigualdade de renda. Analisando as 71.440 pessoas mais ricas do país, que concentra 14% da renda total da população brasileira e detém 22,7% de toda a riqueza do país, os pesquisadores constataram que estes super-ricos pagam proporcionalmente menos impostos mesmo do que a classe média alta, 2,6% e 10,2%, respectivamente. Esta distorção entre os muito ricos e ricos vem principalmente pela isenção de lucros e dividendos pagos a sócios e acionistas de empresas. Para completar, segundo outro estudo do IPEA, em 2009, os 10% mais pobres gastaram um terço do que receberam em impostos.
Mas qual é o nosso problema? 44% da arrecadação do país advém da tributação do consumo, uma parcela muito mais do que dos países ricos, enquanto a renda e principalmente a propriedade, como o Imposto sobre Patrimônio Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Territorial Rural (ITR), são menos relevantes.
O que se deve fazer aqui é inverter estas proporções. Como uma família com pouca renda consome tudo que se ganha no mês, ela não terá dinheiro para comprar propriedade e muito menos “investir”, logo, como a tributação no consumo é a mais forte, quem consumir toda a renda vai pagar o pato, enquanto que quem tem dinheiro para comprar casas, investir em bolsas de valores, etc., irá se beneficiar de uma estrutura tributária injusta.
O reflexo disto, em números, é que, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em 2014, os brasileiros que recebem até 3 salários mínimos foram responsáveis por 53,79% de toda a arrecadação do país, enquanto que os que recebem mais de 20 salários mínimos, foram responsáveis por apenas 7,3%.
Vamos ver se em meio à crise econômica o governo não para e pensa que pode arrecadar dinheiro dos milionários e bilionários do país, no sentido de mudança da estrutura tributária e implementação do imposto sobre grandes fortunas e da investigação dos sonegadores, ao invés de cortar dinheiro da Educação, Saúde, Previdência e direitos trabalhistas.
*Eric Gil é economista do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político
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